Insistir em responder ao presente com os passados

No governo, agora em funções, como na oposição, há demasiado passado. É o que “fizeste no Verão passado”. É o que “agora é que é bom”. É o que “no passado é que era”.

A famosa frase “o mundo mudou”, que serviu para a geometria variável dos interesses particulares de um determinado contexto, continua a assombrar a realidade política, como se as dinâmicas, positivas ou negativas, não existissem todos os dias, em função de múltiplos fatores, determinando sinais e mudanças.

O problema é que a prevalência viral de um certo egocentrismo político modela os posicionamentos, as leituras e as iniciativas em função da perceção e das convicções dos protagonistas. É o triunfo da circunstância.

O governo muda, mude-se o mais possível para cortar com o passado e fazer diferente, mesmo que encavalitado no que já estava em curso.

O poder foi para a oposição, sustente-se o legado, mesmo que as respostas tenham sido indiferentes para estancar as ameaças ao deslaço social, ao compromisso democrático e a mínimos de reconhecimento popular na ação política em funções.

O mundo mudou, muda todos os dias, mas os protagonistas insistem em não antecipar, ler os sinais e ajustar as respostas às modelações. E depois sobressaltam-se com as realidades emergentes e consagradas que baralham os equilíbrios de sempre, sem transportarem nenhuma solução sustentável para estes e para as novas realidades. E antes de tudo invocam a todo o momento o passado, as soluções ditadas pela ideologia ou pelas convicções que já provaram estar desfasadas das realidades e das perceções gerais. Não fosse assim e a Esquerda não tinha deixado escapar do seu acervo ideológico e de ação política para a Direita temas como a imigração, o combate à corrupção ou a aptidão do Estado para responder com eficácia no quadro de funções essenciais para a vida das pessoas, das comunidades e dos territórios. Fazer o presente e querer um futuro com mais do mesmo, nos protagonistas e das opções políticas, implica votar qualquer estratégia política, no poder ou na oposição, ao fracasso. Pelo menos, em termos de combate eficaz e sustentado às realidades que não queremos, às novas necessidades e às dinâmicas emergentes. É claro que há sempre a possibilidade das derivas de acantonamento, pela radicalização da proposta política, ou da cristalização ideológica imune às circunstâncias, mas isso são coisas de outra latitude que não a dos maiores partidos políticos da democracia portuguesa. Como existe sempre a hipótese da incorporação acrítica ou tática das dinâmicas vigentes, do justicialismo mediático ao populismo político, da degradação das instituições às distribuições seletivas de benesses para nichos eleitorais, sem cuidar da justiça, equidade e sustentabilidade. Albergados sob a capa da Constituição e das perceções gerais dos direitos, liberdades e garantias quase tudo é possível, ainda mais induzido pelas redes sociais e por espaços de liberdade de expressão sem qualquer filtro de senso e sentido de respeito pelas esferas dos outros, mas será essa sociedade que queremos? 50 Anos depois de Abril?

No governo, agora em funções, como na oposição, há demasiado passado. É o que “fizeste no Verão passado”. É o que “agora é que é bom”. É o que “no passado é que era”. É o “Passos tem de voltar”. É o “Costa vai regressar”. Tudo num bailado de passados e sem relevância para o que importa: resolver os problemas das pessoas e dos territórios, afirmar uma visão de país, melhor do que tudo o que foi feito até agora, apesar das conjunturas adversas que vivemos e temos no horizonte.

A uns e a outros é preciso atualização, ajuste e capacidade de gerar respostas diferentes porque se destinam aos problemas de sempre, a novas realidades e a desafios do futuro. Já basta a Democracia ter um enorme desfasamento temporal entre o tempo da necessidade e o tempo da decisão/concretização, em termos correntes e em emergência. Este caldo de desadequação das respostas, sempre configurado no posicionamento ou na iniciativa a partir do passado, a não ser corrigido, também com protagonistas que não foram parte do problema, sustentará a persistência dos populismos, dos riscos democráticos e do deslaço pela radicalização das trincheiras de opinião. É preciso ajuste e capacidade de transformação, tudo o que uma maioria absoluta com recursos tinha e desbaratou.

O mundo muda todos os dias, é ver as tendências estatísticas, antecipar as realidades possíveis, ler os sinais, ajustar o pensamento político e agir em função das dinâmicas e das novas realidades. Não o fazer é continuar a responder ao presente com demasiado passado, sem relevância para as pessoas e os territórios. É meio caminho andado para a perda de relevância e centralidade, para estar ao nível do PCP ou do BE. A toque de ter parceiros ser parte deles.

NOTAS FINAIS

A COMUNICAçÃO DO GOVERNO. Deve haver algum sentido não descortinável ou subliminar subjacente ao início desastroso da comunicação do governo, depois da pintura compostinha na formação discreta do elenco até à posse. O ambiente mediático pode ser adverso, mas põem-se muito a jeito.

A DERIVA AUTOFÁGICA DOS MEDIA E DA POLÍTICA. Sem grande esforço, descobrem-se fragilidades em todos os grupos media, como em boa parte da sociedade portuguesa. Podemos brandir os valores e ter proclamações programáticas de grande alcance, mas, e a realidade? É preciso dinheiro, num país que não é rico. Como é possível um grupo endividado até ao tutano, com dívida não executada por influência do poder do passado e dos poderes vigentes, questionar os financiamentos de outros, sem impactos no exercício democrático e constitucional? Como é possível a altivez política de quem na sua origem, apesar da fraca representação política, logo de recursos, ter tido o folgoso conforto de manter implantada uma dispendiosa rede permanente nacional de outdoors de suporte da mensagem política como mais ninguém tinha?

A INCONSISTÊNCIA JUDICIAL E OS TEMPOS DO FUSTIGO DA POLÍTICA. A justiça que funciona mal, resolveu há muito uma articulação com alguns media para o exercício de funções na praça pública. A evidência das inconsistências é pontuada pela projeção mediática e tempo escolhido para as expressões de relevância. Só isso explica, as buscas em Cascais na véspera do debate do Programa do Governo, a descida do processo de Costa do Supremo para o DCIAP e a persistência de indiferença face às circunstâncias dos impactos do exercício judicial mediático.

A famosa frase “o mundo mudou”, que serviu para a geometria variável dos interesses particulares de um determinado contexto, continua a assombrar a realidade política, como se as dinâmicas, positivas ou negativas, não existissem todos os dias, em função de múltiplos fatores, determinando sinais e mudanças.

O problema é que a prevalência viral de um certo egocentrismo político modela os posicionamentos, as leituras e as iniciativas em função da perceção e das convicções dos protagonistas. É o triunfo da circunstância.

O governo muda, mude-se o mais possível para cortar com o passado e fazer diferente, mesmo que encavalitado no que já estava em curso.

O poder foi para a oposição, sustente-se o legado, mesmo que as respostas tenham sido indiferentes para estancar as ameaças ao deslaço social, ao compromisso democrático e a mínimos de reconhecimento popular na ação política em funções.

O mundo mudou, muda todos os dias, mas os protagonistas insistem em não antecipar, ler os sinais e ajustar as respostas às modelações. E depois sobressaltam-se com as realidades emergentes e consagradas que baralham os equilíbrios de sempre, sem transportarem nenhuma solução sustentável para estes e para as novas realidades. E antes de tudo invocam a todo o momento o passado, as soluções ditadas pela ideologia ou pelas convicções que já provaram estar desfasadas das realidades e das perceções gerais. Não fosse assim e a Esquerda não tinha deixado escapar do seu acervo ideológico e de ação política para a Direita temas como a imigração, o combate à corrupção ou a aptidão do Estado para responder com eficácia no quadro de funções essenciais para a vida das pessoas, das comunidades e dos territórios. Fazer o presente e querer um futuro com mais do mesmo, nos protagonistas e das opções políticas, implica votar qualquer estratégia política, no poder ou na oposição, ao fracasso. Pelo menos, em termos de combate eficaz e sustentado às realidades que não queremos, às novas necessidades e às dinâmicas emergentes. É claro que há sempre a possibilidade das derivas de acantonamento, pela radicalização da proposta política, ou da cristalização ideológica imune às circunstâncias, mas isso são coisas de outra latitude que não a dos maiores partidos políticos da democracia portuguesa. Como existe sempre a hipótese da incorporação acrítica ou tática das dinâmicas vigentes, do justicialismo mediático ao populismo político, da degradação das instituições às distribuições seletivas de benesses para nichos eleitorais, sem cuidar da justiça, equidade e sustentabilidade. Albergados sob a capa da Constituição e das perceções gerais dos direitos, liberdades e garantias quase tudo é possível, ainda mais induzido pelas redes sociais e por espaços de liberdade de expressão sem qualquer filtro de senso e sentido de respeito pelas esferas dos outros, mas será essa sociedade que queremos? 50 Anos depois de Abril?

No governo, agora em funções, como na oposição, há demasiado passado. É o que “fizeste no Verão passado”. É o que “agora é que é bom”. É o que “no passado é que era”. É o “Passos tem de voltar”. É o “Costa vai regressar”. Tudo num bailado de passados e sem relevância para o que importa: resolver os problemas das pessoas e dos territórios, afirmar uma visão de país, melhor do que tudo o que foi feito até agora, apesar das conjunturas adversas que vivemos e temos no horizonte.

A uns e a outros é preciso atualização, ajuste e capacidade de gerar respostas diferentes porque se destinam aos problemas de sempre, a novas realidades e a desafios do futuro. Já basta a Democracia ter um enorme desfasamento temporal entre o tempo da necessidade e o tempo da decisão/concretização, em termos correntes e em emergência. Este caldo de desadequação das respostas, sempre configurado no posicionamento ou na iniciativa a partir do passado, a não ser corrigido, também com protagonistas que não foram parte do problema, sustentará a persistência dos populismos, dos riscos democráticos e do deslaço pela radicalização das trincheiras de opinião. É preciso ajuste e capacidade de transformação, tudo o que uma maioria absoluta com recursos tinha e desbaratou.

O mundo muda todos os dias, é ver as tendências estatísticas, antecipar as realidades possíveis, ler os sinais, ajustar o pensamento político e agir em função das dinâmicas e das novas realidades. Não o fazer é continuar a responder ao presente com demasiado passado, sem relevância para as pessoas e os territórios. É meio caminho andado para a perda de relevância e centralidade, para estar ao nível do PCP ou do BE. A toque de ter parceiros ser parte deles.

NOTAS FINAIS

A COMUNICAçÃO DO GOVERNO. Deve haver algum sentido não descortinável ou subliminar subjacente ao início desastroso da comunicação do governo, depois da pintura compostinha na formação discreta do elenco até à posse. O ambiente mediático pode ser adverso, mas põem-se muito a jeito.

A DERIVA AUTOFÁGICA DOS MEDIA E DA POLÍTICA. Sem grande esforço, descobrem-se fragilidades em todos os grupos media, como em boa parte da sociedade portuguesa. Podemos brandir os valores e ter proclamações programáticas de grande alcance, mas, e a realidade? É preciso dinheiro, num país que não é rico. Como é possível um grupo endividado até ao tutano, com dívida não executada por influência do poder do passado e dos poderes vigentes, questionar os financiamentos de outros, sem impactos no exercício democrático e constitucional? Como é possível a altivez política de quem na sua origem, apesar da fraca representação política, logo de recursos, ter tido o folgoso conforto de manter implantada uma dispendiosa rede permanente nacional de outdoors de suporte da mensagem política como mais ninguém tinha?

A INCONSISTÊNCIA JUDICIAL E OS TEMPOS DO FUSTIGO DA POLÍTICA. A justiça que funciona mal, resolveu há muito uma articulação com alguns media para o exercício de funções na praça pública. A evidência das inconsistências é pontuada pela projeção mediática e tempo escolhido para as expressões de relevância. Só isso explica, as buscas em Cascais na véspera do debate do Programa do Governo, a descida do processo de Costa do Supremo para o DCIAP e a persistência de indiferença face às circunstâncias dos impactos do exercício judicial mediático.

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Insistir em responder ao presente com os passados

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16.04.2024

Insistir em responder ao presente com os passados

No governo, agora em funções, como na oposição, há demasiado passado. É o que “fizeste no Verão passado”. É o que “agora é que é bom”. É o que “no passado é que era”.

A famosa frase “o mundo mudou”, que serviu para a geometria variável dos interesses particulares de um determinado contexto, continua a assombrar a realidade política, como se as dinâmicas, positivas ou negativas, não existissem todos os dias, em função de múltiplos fatores, determinando sinais e mudanças.

O problema é que a prevalência viral de um certo egocentrismo político modela os posicionamentos, as leituras e as iniciativas em função da perceção e das convicções dos protagonistas. É o triunfo da circunstância.

O governo muda, mude-se o mais possível para cortar com o passado e fazer diferente, mesmo que encavalitado no que já estava em curso.

O poder foi para a oposição, sustente-se o legado, mesmo que as respostas tenham sido indiferentes para estancar as ameaças ao deslaço social, ao compromisso democrático e a mínimos de reconhecimento popular na ação política em funções.

O mundo mudou, muda todos os dias, mas os protagonistas insistem em não antecipar, ler os sinais e ajustar as respostas às modelações. E depois sobressaltam-se com as realidades emergentes e consagradas que baralham os equilíbrios de sempre, sem transportarem nenhuma solução sustentável para estes e para as novas realidades. E antes de tudo invocam a todo o momento o passado, as soluções ditadas pela ideologia ou pelas convicções que já provaram estar desfasadas das realidades e das perceções gerais. Não fosse assim e a Esquerda não tinha deixado escapar do seu acervo ideológico e de ação política para a Direita temas como a imigração, o combate à corrupção ou a aptidão do Estado para responder com eficácia no quadro de funções essenciais para a vida das pessoas, das comunidades e dos territórios. Fazer o presente e querer um futuro com mais do mesmo, nos protagonistas e das opções políticas, implica votar qualquer estratégia política, no poder ou na oposição, ao fracasso. Pelo menos, em termos de combate eficaz e sustentado às realidades que não queremos, às novas necessidades e às dinâmicas emergentes. É claro que há sempre a possibilidade das derivas de acantonamento, pela radicalização da proposta política, ou da cristalização ideológica imune às circunstâncias, mas isso são coisas de outra latitude que não a dos maiores partidos políticos da democracia portuguesa. Como existe sempre a hipótese da incorporação acrítica ou tática das dinâmicas vigentes, do justicialismo mediático ao populismo político, da degradação das instituições às distribuições seletivas de benesses para nichos eleitorais, sem cuidar da justiça, equidade e sustentabilidade. Albergados sob a capa da Constituição e das perceções gerais dos direitos, liberdades e garantias quase tudo é possível, ainda mais induzido pelas redes sociais e por espaços de liberdade de expressão sem qualquer filtro de senso e sentido de respeito pelas esferas dos outros, mas será essa sociedade que queremos? 50 Anos depois de Abril?

No governo, agora em funções, como na oposição, há demasiado passado. É o que “fizeste no Verão passado”. É o que “agora é que é bom”. É o que “no passado é que era”. É o “Passos tem de voltar”. É o “Costa vai regressar”. Tudo num bailado de passados e sem relevância para o que importa: resolver os problemas das pessoas e dos territórios, afirmar uma visão de........

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