O problema dos tempos de espera excessivos

O problema dos tempos de espera excessivos

António Galamba 26/12/2023 09:12

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Portugal vai comemorar meio século de democracia num estado lastimoso nas esperas em relação ao que deveriam ser mínimos de decência do exercício político, do funcionamento das instituições e nas respostas a pressupostos fundamentais da qualidade de vida.

A espera, que sempre alcança, é, no essencial, coisa do dito popular, porque a realidade voraz, acelerada e superficial é pouco complacente com a concessão de tempo para a concretização. Aliás, esse é um dos problemas centrais do funcionamento democrático e das instituições, a divergência entre o tempo da necessidade e o momento da decisão e concretização da resposta. O problema dos tempos excessivos de espera é que minam a confiança no compromisso social e no funcionamento da sociedade originando a emergência de disfunções de sentido, em que o parcial se sobrepõe ao todo, o bem comum é relegado para um plano secundário e dá-se espaço à emergência de todo o tipo de fenómenos de aproveitamento das oportunidades. O deslaço que se sente, nas instituições, nas opções e nos quotidianos conjugados com as incertezas que pontuam o país e o mundo são palco das mais variadas oportunidades. Por exemplo, apesar da narrativa política, as disfunções do serviço nacional de saúde deram lugar à emergência de um amplo conjunto de ofertas de cuidados privados, alavancados no recurso a seguros de saúde, planos e outras mitigações em relação aos obstáculos no acesso no que é concretizado com os nossos impostos. A criminosa complacência com que não se anteciparam as realidades, por exemplo dos envelhecimentos dos profissionais e da população em geral, não se agiu em conformidade para acautelar ruturas e se entregaram em exercícios ideológicos nas opções e nas exclusões das existências, revela uma inaceitável indiferença em relação ao tempo de espera.

Portugal vai comemorar meio século de democracia num estado lastimoso nas esperas em relação ao que deveriam ser mínimos de decência do exercício político, do funcionamento das instituições e nas respostas a pressupostos fundamentais da qualidade de vida. É claro que, configurada a atualidade ao que existia no tempo do Estado Novo ou com o que releva noutras latitudes em guerra e em acentuado subdesenvolvimento, somos projetados para um patamar mínimo de satisfação, mas nunca pode ser esse o critério, por baixo, e há demasiadas persistências de Natais passados que teimam em nada contribuir para melhorar as realidades concretas, além das narrativas políticas de turno e por conveniência.

E perante estas realidades o que fazem os protagonistas políticos e públicos? Enleiam-se no arremesso dos passados, no exercitar de interesses particulares e na indiferença em relação a disfunções que formatam a vida dos portugueses para uma perceção de indigência no acesso a bens e serviços.

Há demasiada gente com tempo para a espera, por questões geracionais e porque estão em zona de conforto que lhes permite algum nível de indiferença em relação aos problemas dos outros. Os problemas estruturais de sempre e que emergiram na caminhada democrática estão na órbita, mas não são centrais, são para ser geridos, nunca resolvidos, na medida em que não relevam para a configuração da narrativa, das poses e do posicionamento político. A complacência com os tempos de espera excessivos, na ação e na reação às evidências, tem gerado mercados de oportunidade para forças políticas e interesses que são contrários às ideias gerais de desenvolvimento e coesão. Não compreender que a indiferença em relação à espera mina a democracia, é uma enorme irresponsabilidade cívica e política pelo que gera e consolida de adverso ao bem geral.

Será por isso curioso verificar, no quadro da atual crise política, como se vão comportar os que têm tempo para a espera e os que exasperam por lhe colocar um ponto final, no que diz respeito ao exercício do poder político.

Com mais ou menos fantasmas dos Natais passados presentes no éter e nos quotidianos, será interessante constatar qual a opção que a nova liderança do PS vai adotar na construção da coesão interna, depois do longo tempo de espera geracional para uma oportunidade de poder no partido. Se, fazendo justo ao tempo de que dispõe para nova espera configurada às opções ideológicas e às convicções, a preocupação é a consolidação do poder interno ou o aproveitamento das oportunidades das eleições legislativas lhe conferem para a manutenção do poder parlamentar e executivo, conforme foi a expectativa gerada junto dos militantes. Um fazedor precisa de condições para exercitar essa capacidade, se estiver na oposição, por maior que seja o conforto do posicionamento interno e parlamentar, não poderá concretizar, limitar-se-á à verve, às narrativas e às efabulações, mais ou menos ideológicas e sintonizadas com as realidades concretas. Podendo haver tempo de sobra para a espera da oportunidade perfeita, ela é contraditória com a expectativa de manutenção do poder, mas irrelevante para o acervo geracional acumulado em torno do projeto, até à morte e custe o que custar.

Com o resgate de mais ou menos fantasmas dos Natais passados à direita, o tempo de espera esgota-se, não existe dada a persistência do afastamento do exercício do poder nos últimos anos, por isso, tudo é mobilizável para o desafio, incluindo a tentativa de supressão das fragilidades da liderança e da alternativa política, com figuras e soluções do passado, como acontece com a anunciada Aliança Democrática, ainda sem PPM (ainda lhe sai a sorte grande e a terminação, também com resgate da irrelevância eleitoral como aconteceu com o CDS de Nuno Melo).

E no meio destes tempos de espera excessivos, de sinais contrários, estão os portugueses, fustigados por uma reconfiguração por baixo dos acessos a bens e serviços, entre problemas de sempre e novos desafios, alguns sem relevância mediática e política, por falta de noção ou peso eleitoral, que, paulatinamente, vão minando os propósitos de Abril, as expetativas geradas em 50 anos e as ambições de futuro. Se o objetivo for a continuação da gestão dos egos ou dos quotidianos, sem capacidade de gerar compromisso e vontade política de ação convergente para a resolução dos grandes bloqueios, cada um tratará da sua agenda, com maior ou menor tolerância à espera, mas os portugueses partirão para outras soluções, de oportunidade, sem racionalidade, só porque sim, para chatear e demonstrar protesto. Nada resolverá, mas afagará a alma. No fundo, o que alguns têm andado a fazer, nos exercícios de turnos de anos de poder.

Apesar dos apesares, Votos de um Bom Ano Novo.

A espera, que sempre alcança, é, no essencial, coisa do dito popular, porque a realidade voraz, acelerada e superficial é pouco complacente com a concessão de tempo para a concretização. Aliás, esse é um dos problemas centrais do funcionamento democrático e das instituições, a divergência entre o tempo da necessidade e o momento da decisão e concretização da resposta. O problema dos tempos excessivos de espera é que minam a confiança no compromisso social e no funcionamento da sociedade originando a emergência de disfunções de sentido, em que o parcial se sobrepõe ao todo, o bem comum é relegado para um plano secundário e dá-se espaço à emergência de todo o tipo de fenómenos de aproveitamento das oportunidades. O deslaço que se sente, nas instituições, nas opções e nos quotidianos conjugados com as incertezas que pontuam o país e o mundo são palco das mais variadas oportunidades. Por exemplo, apesar da narrativa política, as disfunções do serviço nacional de saúde deram lugar à emergência de um amplo conjunto de ofertas de cuidados privados, alavancados no recurso a seguros de saúde, planos e outras mitigações em relação aos obstáculos no acesso no que é concretizado com os nossos impostos. A criminosa complacência com que não se anteciparam as realidades, por exemplo dos envelhecimentos dos profissionais e da população em geral, não se agiu em conformidade para acautelar ruturas e se entregaram em exercícios ideológicos nas opções e nas exclusões das existências, revela uma inaceitável indiferença em relação ao tempo de espera.

Portugal vai comemorar meio século de democracia num estado lastimoso nas esperas em relação ao que deveriam ser mínimos de decência do exercício político, do funcionamento das instituições e nas respostas a pressupostos fundamentais da qualidade de vida. É claro que, configurada a atualidade ao que existia no tempo do Estado Novo ou com o que releva noutras latitudes em guerra e em acentuado subdesenvolvimento, somos projetados para um patamar mínimo de satisfação, mas nunca pode ser esse o critério, por baixo, e há demasiadas persistências de Natais passados que teimam em nada contribuir para melhorar as realidades concretas, além das narrativas políticas de turno e por conveniência.

E perante estas realidades o que fazem os protagonistas políticos e públicos? Enleiam-se no arremesso dos passados, no exercitar de interesses particulares e na indiferença em relação a disfunções que formatam a vida dos portugueses para uma perceção de indigência no acesso a bens e serviços.

Há demasiada gente com tempo para a espera, por questões geracionais e porque estão em zona de conforto que lhes permite algum nível de indiferença em relação aos problemas dos outros. Os problemas estruturais de sempre e que emergiram na caminhada democrática estão na órbita, mas não são centrais, são para ser geridos, nunca resolvidos, na medida em que não relevam para a configuração da narrativa, das poses e do posicionamento político. A complacência com os tempos de espera excessivos, na ação e na reação às evidências, tem gerado mercados de oportunidade para forças políticas e interesses que são contrários às ideias gerais de desenvolvimento e coesão. Não compreender que a indiferença em relação à espera mina a democracia, é uma enorme irresponsabilidade cívica e política pelo que gera e consolida de adverso ao bem geral.

Será por isso curioso verificar, no quadro da atual crise política, como se vão comportar os que têm tempo para a espera e os que exasperam por lhe colocar um ponto final, no que diz respeito ao exercício do poder político.

Com mais ou menos fantasmas dos Natais passados presentes no éter e nos quotidianos, será interessante constatar qual a opção que a nova liderança do PS vai adotar na construção da coesão interna, depois do longo tempo de espera geracional para uma oportunidade de poder no partido. Se, fazendo justo ao tempo de que dispõe para nova espera configurada às opções ideológicas e às convicções, a preocupação é a consolidação do poder interno ou o aproveitamento das oportunidades das eleições legislativas lhe conferem para a manutenção do poder parlamentar e executivo, conforme foi a expectativa gerada junto dos militantes. Um fazedor precisa de condições para exercitar essa capacidade, se estiver na oposição, por maior que seja o conforto do posicionamento interno e parlamentar, não poderá concretizar, limitar-se-á à verve, às narrativas e às efabulações, mais ou menos ideológicas e sintonizadas com as realidades concretas. Podendo haver tempo de sobra para a espera da oportunidade perfeita, ela é contraditória com a expectativa de manutenção do poder, mas irrelevante para o acervo geracional acumulado em torno do projeto, até à morte e custe o que custar.

Com o resgate de mais ou menos fantasmas dos Natais passados à direita, o tempo de espera esgota-se, não existe dada a persistência do afastamento do exercício do poder nos últimos anos, por isso, tudo é mobilizável para o desafio, incluindo a tentativa de supressão das fragilidades da liderança e da alternativa política, com figuras e soluções do passado, como acontece com a anunciada Aliança Democrática, ainda sem PPM (ainda lhe sai a sorte grande e a terminação, também com resgate da irrelevância eleitoral como aconteceu com o CDS de Nuno Melo).

E no meio destes tempos de espera excessivos, de sinais contrários, estão os portugueses, fustigados por uma reconfiguração por baixo dos acessos a bens e serviços, entre problemas de sempre e novos desafios, alguns sem relevância mediática e política, por falta de noção ou peso eleitoral, que, paulatinamente, vão minando os propósitos de Abril, as expetativas geradas em 50 anos e as ambições de futuro. Se o objetivo for a continuação da gestão dos egos ou dos quotidianos, sem capacidade de gerar compromisso e vontade política de ação convergente para a resolução dos grandes bloqueios, cada um tratará da sua agenda, com maior ou menor tolerância à espera, mas os portugueses partirão para outras soluções, de oportunidade, sem racionalidade, só porque sim, para chatear e demonstrar protesto. Nada resolverá, mas afagará a alma. No fundo, o que alguns têm andado a fazer, nos exercícios de turnos de anos de poder.

Apesar dos apesares, Votos de um Bom Ano Novo.

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A espera, que sempre alcança, é, no essencial, coisa do dito popular, porque a realidade voraz, acelerada e superficial é pouco complacente com a concessão de tempo para a concretização. Aliás, esse é um dos problemas centrais do funcionamento democrático e das instituições, a divergência entre o tempo da necessidade e o momento da decisão e concretização da resposta. O problema dos tempos excessivos de espera é que minam a confiança no compromisso social e no funcionamento da sociedade originando a emergência de disfunções de sentido, em que o parcial se sobrepõe ao todo, o bem comum é relegado para um plano secundário e dá-se espaço à emergência de todo o tipo de fenómenos de aproveitamento das oportunidades. O deslaço que se sente, nas instituições, nas opções e nos quotidianos conjugados com as incertezas que pontuam o país e o mundo são palco das mais variadas oportunidades. Por exemplo, apesar da narrativa política, as disfunções do serviço nacional de saúde deram lugar à emergência de um amplo conjunto de ofertas de cuidados privados, alavancados no recurso a seguros de saúde, planos e outras mitigações em relação aos obstáculos no acesso no que é concretizado com os nossos impostos. A criminosa complacência com que não se anteciparam as realidades, por exemplo dos envelhecimentos dos profissionais e da população em geral, não se agiu em conformidade para acautelar ruturas e se entregaram em exercícios ideológicos nas opções e nas exclusões das existências, revela uma inaceitável indiferença em relação ao tempo de espera.

Portugal vai comemorar meio século de democracia num estado lastimoso nas esperas em relação ao que deveriam ser mínimos de decência do exercício político, do funcionamento das instituições e nas respostas a pressupostos fundamentais da qualidade de vida. É claro que, configurada a atualidade ao que existia no tempo do Estado Novo ou com o que releva noutras latitudes em guerra e em acentuado subdesenvolvimento, somos projetados para um patamar mínimo de satisfação, mas nunca pode ser esse o critério, por baixo, e há demasiadas persistências de Natais passados que teimam em nada contribuir para melhorar as realidades concretas, além das narrativas políticas de turno e por conveniência.

E perante estas realidades o que fazem os protagonistas políticos e públicos? Enleiam-se no arremesso dos passados, no exercitar de interesses particulares e na indiferença em relação a disfunções que formatam a vida dos portugueses para uma perceção de indigência no acesso a bens e serviços.

Há demasiada gente com tempo para a espera, por questões geracionais e porque estão em zona de conforto que lhes permite algum nível de indiferença em relação aos problemas dos outros. Os........

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