Os legados já não são o que eram

O legado democrático é incontornável como um todo sem preconceitos e sem entorses que possam gerar tentações de parte se querer sobrepor ao todo.

Comemoramos esta semana os 50 anos da Revolução e da Democracia, pressuposto de vivências e dinâmicas individuais e comunitárias, com os legados no centro do debate político e dos exercícios de liberdade de expressão inerentes, no mundo real e no digital.

A verdade é que o legado deixou de ser algo estático, tipo herança, marca de ponto de partida para algo diferente, para ser um acervo sujeito a interpretações, modelações, evoluções e escrutínios. O legado já não é o que era. Precisa de mais rigor na sua construção, para ser resiliente ao contraditório, e de um alimento sustentado na sua renovação de valor como ponto de inspiração individual cívica e referência comunitária.

O legado democrático é incontornável como um todo sem preconceitos e sem entorses que possam gerar tentações de parte se querer sobrepor ao todo. No limite, além das perspetivas, das narrativas e das trincheiras restarão os factos, mas também as perceções que alimentam tantos posicionamentos, ânimos e descrenças.

À direita, apesar do acesso ao governo e à oportunidade de exercitar o poder em melhores condições do que a última experiência, com a troika e além dela, Pedro Passos Coelho queixa-se do abandono da defesa do legado da sua governação por Luís Montenegro. O pressuposto dos legados é serem pontos de partida para novos exercícios individuais e comunitários, não a fonte de todos os impulsos no presente e para futuro, como se o contexto da troika servisse de referência para realidades bem diferentes, embora com problemas estruturais que persistem, mas não são encarados com compromisso e sustentabilidade. O verdadeiro problema de Passos Coelho é que Luís Montenegro possa construir um legado maior que o deixado pelo anterior governo da direita, erradicando a oportunidade de demonstrar que é homem para fazer melhor e diferente, apesar dos indícios de bafio nos valores e princípios.

À esquerda, vivem-se tempos de desnorte, de inconsistência sobre qual o melhor posicionamento para enfrentar a direita no poder, com uma maioria frágil e início trôpego, mas com recursos para fazer mais e melhor do que da última vez que passaram pelo poder. A esquerda vive entre o legado da solução de governo partilhada e os resultados do exercício solitário de governo, com maioria absoluta, num quadro de fragilidade de funcionamento do Estado, dos serviços públicos e de catástrofe da herança eleitoral de António Costa. Excetuando as eleições legislativas de 2011, a esquerda (PS, PCP, BE e Livre) sempre foi mais forte eleitoralmente que a direita (PSD, CDS e Chega) desde 1995, na vitória de António Guterres. O legado deixado em 2024, é a esquerda mais franca desde 2011 e a direita mais forte desde 1995. Os 2.504.895 votos de 2024 na esquerda contrastam com os 3.277.093 de 1995. Os 3.356.534 votos de 2024 na direita contrastam com os 2.549.059 de 1995. É certo que a dicotomia está fragilizada, havendo quem sustente a emergência da relevância entre o tradicional e o novo, entre o mais do mesmo e algo que se propõe fazer diferente do que sempre foi feito, mas os factos são estes: uma esquerda frágil na representação eleitoral, uma direita forte, com soluções disruptivas, populistas e mobilizadoras.

Este quadro, de alguma miséria eleitoral, após quase uma década de poder de uma liderança, deveria aconselhar em contenção na defesa da herança, mas não, por preconceito ideológico ou compromisso de encargo - nunca questionar o passado herdado - o enleio é grande e a falta de rumo com sentido emerge. Acantonar parece ser a opção, em linha com o desejado por Pedro com os seus, como se o passado bastasse para resolver os problemas atuais e os desafios futuros. O legado dirá sempre muito pouco às pessoas, se não tiverem respostas para os seus quotidianos, as necessidades e o que resta dos sonhos. É preciso não deixar que as circunstâncias tomem conta do melhor do legado democrático de Abril conduzindo ao deslaço do compromisso individual e comunitário com os valores essenciais da Revolução e do caminho percorrido com incontornáveis ganhos de qualidade de vida e desenvolvimento. Não é defesa de um qualquer legado que está em causa, mas a mobilização do melhor do tempo percorrido para responder às necessidades, aos problemas de sempre e a novas realidades. Por exemplo, como responder às necessidades em saúde de uma população com maior esperança de vida, para a qual nada nem ninguém se preparou, conjugada com realidades resultantes de dinâmicas populacionais como a reaparição de doenças erradicadas do nosso território e patologias só conhecidas dos livros?

Só agarrados aos legados, como algo estático, não vamos lá. Não responde a nada do presente, não acerta contas com o passado e pode ser um exercício inconsequente sem nexo com a realidade. São precisas novas respostas para o que ainda não foi feito, nestes 50 anos e nestes dias do nosso tempo. Em Abril de 74 foi preciso mudar, agora é preciso mudar, sem perder o essencial dos valores de Abril como um todo, em torno da democracia, da liberdade e de uma sociedade com esferas de compromisso a bem de todos.

25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais!

NOTAS FINAIS

AI A ESCOLA PÚBLICA. Acredito na escola pública que sempre frequentei, mas o resultado de apego ideológico verbal sem materialização de respostas, conduziu ao à realidade de termos uma corrida aos colégios privados que fez esgotar as vagas para novos alunos. Como diria o povo, “não é com vinagre que se apanham as moscas”.

SEPARAR O TRIGO DO JOIO. A bandalheira em que se transformou o espaço público, por culpa dos políticos que criam oportunidades, dos media sem critério e dos cidadãos com fraca cultura cívica e literacia, criou um caldo de cultura em que tudo é escândalo, tudo é corrupção, tudo é motivo para opinar, mesmo quando não se sabe do que se fala. Ou é encontrado um ponto de equilíbrio, com rigor e senso, ou vamos viver continuamente enleados num enlamear de pessoas e instituições, também da própria democracia.

Comemoramos esta semana os 50 anos da Revolução e da Democracia, pressuposto de vivências e dinâmicas individuais e comunitárias, com os legados no centro do debate político e dos exercícios de liberdade de expressão inerentes, no mundo real e no digital.

A verdade é que o legado deixou de ser algo estático, tipo herança, marca de ponto de partida para algo diferente, para ser um acervo sujeito a interpretações, modelações, evoluções e escrutínios. O legado já não é o que era. Precisa de mais rigor na sua construção, para ser resiliente ao contraditório, e de um alimento sustentado na sua renovação de valor como ponto de inspiração individual cívica e referência comunitária.

O legado democrático é incontornável como um todo sem preconceitos e sem entorses que possam gerar tentações de parte se querer sobrepor ao todo. No limite, além das perspetivas, das narrativas e das trincheiras restarão os factos, mas também as perceções que alimentam tantos posicionamentos, ânimos e descrenças.

À direita, apesar do acesso ao governo e à oportunidade de exercitar o poder em melhores condições do que a última experiência, com a troika e além dela, Pedro Passos Coelho queixa-se do abandono da defesa do legado da sua governação por Luís Montenegro. O pressuposto dos legados é serem pontos de partida para novos exercícios individuais e comunitários, não a fonte de todos os impulsos no presente e para futuro, como se o contexto da troika servisse de referência para realidades bem diferentes, embora com problemas estruturais que persistem, mas não são encarados com compromisso e sustentabilidade. O verdadeiro problema de Passos Coelho é que Luís Montenegro possa construir um legado maior que o deixado pelo anterior governo da direita, erradicando a oportunidade de demonstrar que é homem para fazer melhor e diferente, apesar dos indícios de bafio nos valores e princípios.

À esquerda, vivem-se tempos de desnorte, de inconsistência sobre qual o melhor posicionamento para enfrentar a direita no poder, com uma maioria frágil e início trôpego, mas com recursos para fazer mais e melhor do que da última vez que passaram pelo poder. A esquerda vive entre o legado da solução de governo partilhada e os resultados do exercício solitário de governo, com maioria absoluta, num quadro de fragilidade de funcionamento do Estado, dos serviços públicos e de catástrofe da herança eleitoral de António Costa. Excetuando as eleições legislativas de 2011, a esquerda (PS, PCP, BE e Livre) sempre foi mais forte eleitoralmente que a direita (PSD, CDS e Chega) desde 1995, na vitória de António Guterres. O legado deixado em 2024, é a esquerda mais franca desde 2011 e a direita mais forte desde 1995. Os 2.504.895 votos de 2024 na esquerda contrastam com os 3.277.093 de 1995. Os 3.356.534 votos de 2024 na direita contrastam com os 2.549.059 de 1995. É certo que a dicotomia está fragilizada, havendo quem sustente a emergência da relevância entre o tradicional e o novo, entre o mais do mesmo e algo que se propõe fazer diferente do que sempre foi feito, mas os factos são estes: uma esquerda frágil na representação eleitoral, uma direita forte, com soluções disruptivas, populistas e mobilizadoras.

Este quadro, de alguma miséria eleitoral, após quase uma década de poder de uma liderança, deveria aconselhar em contenção na defesa da herança, mas não, por preconceito ideológico ou compromisso de encargo - nunca questionar o passado herdado - o enleio é grande e a falta de rumo com sentido emerge. Acantonar parece ser a opção, em linha com o desejado por Pedro com os seus, como se o passado bastasse para resolver os problemas atuais e os desafios futuros. O legado dirá sempre muito pouco às pessoas, se não tiverem respostas para os seus quotidianos, as necessidades e o que resta dos sonhos. É preciso não deixar que as circunstâncias tomem conta do melhor do legado democrático de Abril conduzindo ao deslaço do compromisso individual e comunitário com os valores essenciais da Revolução e do caminho percorrido com incontornáveis ganhos de qualidade de vida e desenvolvimento. Não é defesa de um qualquer legado que está em causa, mas a mobilização do melhor do tempo percorrido para responder às necessidades, aos problemas de sempre e a novas realidades. Por exemplo, como responder às necessidades em saúde de uma população com maior esperança de vida, para a qual nada nem ninguém se preparou, conjugada com realidades resultantes de dinâmicas populacionais como a reaparição de doenças erradicadas do nosso território e patologias só conhecidas dos livros?

Só agarrados aos legados, como algo estático, não vamos lá. Não responde a nada do presente, não acerta contas com o passado e pode ser um exercício inconsequente sem nexo com a realidade. São precisas novas respostas para o que ainda não foi feito, nestes 50 anos e nestes dias do nosso tempo. Em Abril de 74 foi preciso mudar, agora é preciso mudar, sem perder o essencial dos valores de Abril como um todo, em torno da democracia, da liberdade e de uma sociedade com esferas de compromisso a bem de todos.

25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais!

NOTAS FINAIS

AI A ESCOLA PÚBLICA. Acredito na escola pública que sempre frequentei, mas o resultado de apego ideológico verbal sem materialização de respostas, conduziu ao à realidade de termos uma corrida aos colégios privados que fez esgotar as vagas para novos alunos. Como diria o povo, “não é com vinagre que se apanham as moscas”.

SEPARAR O TRIGO DO JOIO. A bandalheira em que se transformou o espaço público, por culpa dos políticos que criam oportunidades, dos media sem critério e dos cidadãos com fraca cultura cívica e literacia, criou um caldo de cultura em que tudo é escândalo, tudo é corrupção, tudo é motivo para opinar, mesmo quando não se sabe do que se fala. Ou é encontrado um ponto de equilíbrio, com rigor e senso, ou vamos viver continuamente enleados num enlamear de pessoas e instituições, também da própria democracia.

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Os legados já não são o que eram

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23.04.2024

Os legados já não são o que eram

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Comemoramos esta semana os 50 anos da Revolução e da Democracia, pressuposto de vivências e dinâmicas individuais e comunitárias, com os legados no centro do debate político e dos exercícios de liberdade de expressão inerentes, no mundo real e no digital.

A verdade é que o legado deixou de ser algo estático, tipo herança, marca de ponto de partida para algo diferente, para ser um acervo sujeito a interpretações, modelações, evoluções e escrutínios. O legado já não é o que era. Precisa de mais rigor na sua construção, para ser resiliente ao contraditório, e de um alimento sustentado na sua renovação de valor como ponto de inspiração individual cívica e referência comunitária.

O legado democrático é incontornável como um todo sem preconceitos e sem entorses que possam gerar tentações de parte se querer sobrepor ao todo. No limite, além das perspetivas, das narrativas e das trincheiras restarão os factos, mas também as perceções que alimentam tantos posicionamentos, ânimos e descrenças.

À direita, apesar do acesso ao governo e à oportunidade de exercitar o poder em melhores condições do que a última experiência, com a troika e além dela, Pedro Passos Coelho queixa-se do abandono da defesa do legado da sua governação por Luís Montenegro. O pressuposto dos legados é serem pontos de partida para novos exercícios individuais e comunitários, não a fonte de todos os impulsos no presente e para futuro, como se o contexto da troika servisse de referência para realidades bem diferentes, embora com problemas estruturais que persistem, mas não são encarados com compromisso e sustentabilidade. O verdadeiro problema de Passos Coelho é que Luís Montenegro possa construir um legado maior que o deixado pelo anterior governo da direita, erradicando a oportunidade de demonstrar que é homem para fazer melhor e diferente, apesar dos indícios de bafio nos valores e princípios.

À esquerda, vivem-se tempos de desnorte, de inconsistência sobre qual o melhor posicionamento para enfrentar a direita no poder, com uma maioria frágil e início trôpego, mas com recursos para fazer mais e melhor do que da última vez que passaram pelo poder. A esquerda vive entre o legado da solução de governo partilhada e os resultados do exercício solitário de governo, com maioria absoluta, num quadro de fragilidade de funcionamento do Estado, dos serviços públicos e de catástrofe da herança eleitoral de António Costa. Excetuando as eleições legislativas de 2011, a esquerda (PS, PCP, BE e Livre) sempre foi mais forte eleitoralmente que a direita (PSD, CDS e Chega) desde 1995, na vitória de António Guterres. O legado deixado em 2024, é a esquerda mais franca desde 2011 e a direita mais forte desde 1995. Os 2.504.895 votos de 2024 na esquerda contrastam com os 3.277.093 de 1995. Os 3.356.534 votos de 2024 na direita contrastam com os 2.549.059 de 1995. É certo que a dicotomia está fragilizada, havendo quem sustente a emergência da relevância entre o tradicional e o novo, entre o mais do mesmo e algo que se propõe fazer diferente do que sempre foi feito, mas os factos são estes: uma esquerda frágil na representação eleitoral, uma direita forte, com soluções disruptivas, populistas e mobilizadoras.

Este quadro, de alguma miséria eleitoral, após quase uma década de poder de uma liderança, deveria aconselhar em contenção na defesa da herança, mas não, por preconceito ideológico ou compromisso de encargo - nunca questionar o passado herdado - o enleio é grande e a falta de rumo com sentido emerge. Acantonar parece ser a opção, em linha com o........

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