Seletos e selecionados, no país dos arbítrios
Apesar dos seletos, do seu brilho e do incomensurável poder de arbítrio e de destruição, a Justiça não funciona.
O triunfo da presunção de tolerável funcionamento da sociedade, assente numa incapacidade para reconhecer o óbvio das disfunções e para não persistir em soluções que contribuem para a degradação do compromisso geral com a Democracia e o Estado de Direito, é meio caminho andado para a perpetuação dos seletos e dos alvos seletivos, a toque de arbítrio.
Os seletos são espécie de casta de ungidos por poderes e proteções especiais a quem tudo é permitido a coberto do estatuto, da missão ou da relevância do posicionamento adquirido e mantido nas dinâmicas da sociedade. É aqui que se inscrevem os poderes judiciais, os interesses económicos instalados, alguns poderes políticos, as quintinhas burocráticas e classes profissionais que, a toque da unção, exercitam a função de forma modelar, amiúde longe da existência de rigor, critério e sentido de equilíbrios. Com regularidade, os seletos convergem, articulam-se e preservam-se além dos respetivos ecossistemas para a obtenção de determinados objetivos, sempre sob a capa de intocáveis relevâncias gerais, mas a coberto da obtenção de determinados resultados ou impacto, sempre a jogar com as falhas de funcionamento da sociedade e o perfil de funcionamento das instituições.
É assim que assistimos ao (des)funcionamento da justiça na evidência dos quotidianos e nas expressões dos casos mediáticos, plenos de arbítrios, da substância à forma, num bailado de convergência de seletos que coloca em causa o regular funcionamento do Estado de Direito Democrático. Porventura, alguns dirão que em diferente escala sempre foi assim, mas, na forma, é quase tudo chocante: os calendários, as inconsistências, as mediatizações, as convergências de seletos e os arbítrios. Porquê uns e outros não? Porquê só aqueles, quando se sabe que existem outros? Porquê na praça pública em vez de no quadro do funcionamento regular das fases da administração da justiça? Porquê a ausência de explicação e de escrutínio?
A resposta só pode ser a de que, apesar dos seletos, do seu brilho e do incomensurável poder de arbítrio e de destruição, a justiça não funciona. Porque funcionar deveria significar uma expressão normalizada, com critério e sentido de justiça, que se projeta na sociedade para avaliar a conformidade de todos e de tudo com a legislação em vigor, não só de alguns, os selecionados para alvos. Porque funcionar deveria significar o desenvolvimento da investigação, do julgamento e da decisão do juízo, sem ser antecedido da construção de perceções e da sentença da praça pública. Porque funcionar deveria significar um exercício em nome do Estado desenvolvido por cidadãos equilibrados, rigorosos, sem preconceitos e com noção dos impactos irreversíveis e consequentes das suas ações. E deveria significar também a redução dos arbítrios, das convergências entre justiça e media, das violações do segredo de justiça e do ajuste global do funcionamento do sistema à realidade atual.
Manter o atual desfasamento da realidade, numa presunção de normalidade do funcionamento desmentida todos os dias, nas insuficiências, nos conluios, das disfunções e nas inconsistências, é implodir o Estado de Direito, pilar fundamental da Democracia conquistada em Abril de 1974. O arbítrio, os seletos e os alvos seletivos eram coisa de outros tempos, não idos, porque mantêm expressões na atualidade, em diversas latitudes e com diferentes graus de relevância. Direitos, liberdades, deveres e garantias de geometria variável é tudo que não precisamos depois de 50 anos de outro respirar. Justicialismo, julgamentos na praça pública e justiça popular são expressões inaceitáveis num Estado de Direito. Como em tantas coisas das nossas vivências individuais e comunitárias, reconhecer as disfunções é pressuposto fundamental para ajustar, corrigir e erradicar funcionamentos que minam a confiança, a eficácia e o compromisso com a democracia.
A justiça não está a funcionar como deve num Estado de Direito, é preciso coragem para corrigir, não em função do umbigo ou do caso concreto, mas norteados pelo interesse geral, a equidade, a eficácia e o sentido de justiça. A presunção de intocabilidade de protagonistas políticos pelo posicionamento alcançado junto de setores da justiça e desmultiplicação de conluios de interesses convergentes arbitrários já fizeram dano suficiente à sociedade portuguesa para persistir o quadro de indigência vigente. Os políticos e os cidadãos têm de ser mais do que os poetas, na visão de Fernando Pessoa. “O poeta é um fingidor”, nós não temos de o ser. É agir.
NOTAS FINAIS
NAVALNY. Não há limites para a barbárie direta ou induzida de Putin. Quando se julga ter assistido ao expoente máximo, novas fronteiras são ultrapassadas pelo triunfo de todos os meios para a manutenção dos fins, sem margem de tolerância com a diferença. A cegueira autocrática na expressão máxima a exigir toda a vigilância e preparação. Trump só pode agravar este quadro de miséria.
ORIGINAIS E FOTOCÓPIAS. Os debates eleitorais reforçaram a inconsistência dos zigzagues e a cristalização de alguns protagonistas, num contexto de originais e fotocópias de produtos e soluções que antecedem o reforço dos apelos ao voto útil, para a manutenção ou mudança, e à incontornável emergência de vítimas desse exercício.
DIOGO RIBEIRO E OS PORTUGUESES EXCECIONAIS. Exultamos com as conquistas desportivas, desproporcionadas para o investimento que é feito, o individual, o comunitário e o estatal. Enquanto for assim, só a excecionalidade de alguns seres humanos portugueses podem significar resultados como as medalhas de ouro na natação e as vitórias individuais e nos desportos de equipa. Persistimos em querer colheita sem sementeira.
O triunfo da presunção de tolerável funcionamento da sociedade, assente numa incapacidade para reconhecer o óbvio das disfunções e para não persistir em soluções que contribuem para a degradação do compromisso geral com a Democracia e o Estado de Direito, é meio caminho andado para a perpetuação dos seletos e dos alvos seletivos, a toque de arbítrio.
Os seletos são espécie de casta de ungidos por poderes e proteções especiais a quem tudo é permitido a coberto do estatuto, da missão ou da relevância do posicionamento adquirido e mantido nas dinâmicas da sociedade. É aqui que se inscrevem os poderes judiciais, os interesses económicos instalados, alguns poderes políticos, as quintinhas burocráticas e classes profissionais que, a toque da unção, exercitam a função de forma modelar, amiúde longe da existência de rigor, critério e sentido de equilíbrios. Com regularidade, os seletos convergem, articulam-se e preservam-se além dos respetivos ecossistemas para a obtenção de determinados objetivos, sempre sob a capa de intocáveis relevâncias gerais, mas a coberto da obtenção de determinados resultados ou impacto, sempre a jogar com as falhas de funcionamento da sociedade e o perfil de funcionamento das instituições.
É assim que assistimos ao (des)funcionamento da justiça na evidência dos quotidianos e nas expressões dos casos mediáticos, plenos de arbítrios, da substância à forma, num bailado de convergência de seletos que coloca em causa o regular funcionamento do Estado de Direito Democrático. Porventura, alguns dirão que em diferente escala sempre foi assim, mas, na forma, é quase tudo chocante: os calendários, as inconsistências, as mediatizações, as convergências de seletos e os arbítrios. Porquê uns e outros não? Porquê só aqueles, quando se sabe que existem outros? Porquê na praça pública em vez de no quadro do funcionamento regular das fases da administração da justiça? Porquê a ausência de explicação e de escrutínio?
A resposta só pode ser a de que, apesar dos seletos, do seu brilho e do incomensurável poder de arbítrio e de destruição, a justiça não funciona. Porque funcionar deveria significar uma expressão normalizada, com critério e sentido de justiça, que se projeta na sociedade para avaliar a conformidade de todos e de tudo com a legislação em vigor, não só de alguns, os selecionados para alvos. Porque funcionar deveria significar o desenvolvimento da investigação, do julgamento e da decisão do juízo, sem ser antecedido da construção de perceções e da sentença da praça pública. Porque funcionar deveria significar um exercício em nome do Estado desenvolvido por cidadãos equilibrados, rigorosos, sem preconceitos e com noção dos impactos irreversíveis e consequentes das suas ações. E deveria significar também a redução dos arbítrios, das convergências entre justiça e media, das violações do segredo de justiça e do ajuste global do funcionamento do sistema à realidade atual.
Manter o atual desfasamento da realidade, numa presunção de normalidade do funcionamento desmentida todos os dias, nas insuficiências, nos conluios, das disfunções e nas inconsistências, é implodir o Estado de Direito, pilar fundamental da Democracia conquistada em Abril de 1974. O arbítrio, os seletos e os alvos seletivos eram coisa de outros tempos, não idos, porque mantêm expressões na atualidade, em diversas latitudes e com diferentes graus de relevância. Direitos, liberdades, deveres e garantias de geometria variável é tudo que não precisamos depois de 50 anos de outro respirar. Justicialismo, julgamentos na praça pública e justiça popular são expressões inaceitáveis num Estado de Direito. Como em tantas coisas das nossas vivências individuais e comunitárias, reconhecer as disfunções é pressuposto fundamental para ajustar, corrigir e erradicar funcionamentos que minam a confiança, a eficácia e o compromisso com a democracia.
A justiça não está a funcionar como deve num Estado de Direito, é preciso coragem para corrigir, não em função do umbigo ou do caso concreto, mas norteados pelo interesse geral, a equidade, a eficácia e o sentido de justiça. A presunção de intocabilidade de protagonistas políticos pelo posicionamento alcançado junto de setores da justiça e desmultiplicação de conluios de interesses convergentes arbitrários já fizeram dano suficiente à sociedade portuguesa para persistir o quadro de indigência vigente. Os políticos e os cidadãos têm de ser mais do que os poetas, na visão de Fernando Pessoa. “O poeta é um fingidor”, nós não temos de o ser. É agir.
NOTAS FINAIS
NAVALNY. Não há limites para a barbárie direta ou induzida de Putin. Quando se julga ter assistido ao expoente máximo, novas fronteiras são ultrapassadas pelo triunfo de todos os meios para a manutenção dos fins, sem margem de tolerância com a diferença. A cegueira autocrática na expressão máxima a exigir toda a vigilância e preparação. Trump só pode agravar este quadro de miséria.
ORIGINAIS E FOTOCÓPIAS. Os debates eleitorais reforçaram a inconsistência dos zigzagues e a cristalização de alguns protagonistas, num contexto de originais e fotocópias de produtos e soluções que antecedem o reforço dos apelos ao voto útil, para a manutenção ou mudança, e à incontornável emergência de vítimas desse exercício.
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