Sem transumância, a estar onde sempre estive

Neste quadro de degradação e alguma miséria, acompanhada de uma certa transumância humana sem pingo de critério, coerência ou vergonha na cara, reconforta-me estar onde sempre estive ao longo da última década.

O mundo que se volatilizou em tudo, das convicções às circunstâncias, acolhe bem o recurso a todos os meios para atingir determinados fins. Por incrível que pareça, houve um tempo em que não era assim. Havia mínimos de configuração e compromisso em relação aos valores e princípios, que orientavam nas construções individuais e comunitárias, nas oportunidades e nos oportunismos. Existiam regras básicas de senso, coerência e previsibilidade na ação, dentro de uma banda larga de arbítrio até às linhas vermelhas e às esferas de liberdade dos outros. Hoje, só a relativização, a superficialidade e a ausência de mínimos de decência pode explicar o conjunto de fenómenos a que assistimos por parte dos protagonistas políticos como se continuasse a ser tudo possível em função dos egos ou da amálgama de interesses particulares com insuficiente músculo para serem mais do que algo apenas orientado para a afirmação pessoal, a conquista ou a manutenção do poder de turno.

Neste quadro de degradação e alguma miséria, acompanhada de uma certa transumância humana sem pingo de critério, coerência ou vergonha na cara, reconforta-me estar onde sempre estive ao longo da última década, antes e depois de ter funções políticas públicas.

Recordo a subversão da regra de que governa quem ganha as eleições, depois de uma onda de atropelos das convenções e dos tempos, conduziu a soluções de governos de circunstância, sem qualquer convergência em questões estruturais ao nível da construção europeia e da vocação atlântica, que durou enquanto o registo foi o de reposição e de distribuição de medidas positivas. O precedente gerado na República arredou o PS da governação da região autónoma dos Açores, mesmo tendo ganho as eleições, algo que António Costa não conseguiu em 2015. Fomos das poucas almas que, na Comissão Política Nacional do PS, estiveram contra o salve-se quem puder com a esquerda. Alguns que as validaram, com intervenções no limiar da raiva em relação aos adversários da solução, agora são impávida e serenamente contra.

Relembro a persistência de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios, em que a circunstância é sempre mais importante que o estrutural e com a consagração de um modus operandi em funções públicas emergente e consolidado na gestão autárquica de Lisboa, que se projetou no plano nacional, com deploráveis resultados para a degradação do ambiente político, do funcionamento do Estado de Direito e do compromisso com os pilares democráticos. Fomos dos poucos que, de forma sustentada, semanalmente, desde 2014, alertámos para os riscos sistémicos e de circunstância. Agora, tardiamente, alguns descobriram que há uma enorme tribalização da política, um desgaste democrático, um disfuncionamento das instituições e a extrema-direita tem o peso que tem e, infelizmente, a tendência é crescente.

Sublinho o desastre de parte das marcas do caminho percorrido, pelo que foi feito e pelo que ficou por fazer, por falta de uma visão integrada e estratégica do país, e a inconsistência dos resultados que, conjugados com as anteriores antecipações, eximem-nos de qualquer necessidade de sustentação ou presença no leilão pela alegada herança, em vésperas de 50 anos de Abril.

Não foram criadas condições para responder de forma sustentada aos problemas estruturais que nunca serão resolvidos por um governo apenas, em um ou dois turnos de poder, muito menos com a diabolização de quem pensa diferente no quadro democrático e ou está posicionado noutras esferas além do público ou das órbitas partidárias. Ora, não havendo recursos infinitos, é uma evidência de que todos contam e são precisos para concretizar mudanças, respostas e soluções. Mas, não, o que conta é o ego, o grupo, a tribo, o peso político e o meio adequado para o fim ou o nicho eleitoral.

Não estão a ser criadas nenhumas condições para um debate político que resgate o senso, o sentido de equilíbrio, o foco no bem comum, a ética, a decência em funções públicas e o relançamento dos pilares democráticos e do Estado de Direito. Na atual contenda, quase tudo se reconduz à moderação, à aditivação e à transumância de acervos patrimoniais em função dos fins, num esforço pragmático de mobilização tribalista e incoerente de temperos e recursos focados apenas na conquista do poder interno e na manutenção do posicionamento externo, com mais circunstância que projeto.

Sem cercas sanitárias em relação ao histórico, realizadas apesar de tudo entre 2011 e 2014, ou sobressalto cívico e político, tudo continuará na mesma, em rota de degradação e em perda a caminho dos 50 anos de vivência democrática. Os pontos de equilíbrio financeiro são outros, a custo dos contribuintes, do que mexe na economia e de um estado deplorável de serviços públicos fundamentais. É pena, pelo país, que eu, estando onde sempre estive, continuarei a pensar, a escrever e a dizer o que deveria ser feito para superar o lamaçal.

NOTAS FINAIS

MARCELO E O ALGODÃO DOS AÇORES. A questão é política. O Presidente da República validou uma solução de governo, liderada por quem não ganhou as eleições, que foi insuficiente para viabilizar o orçamento dos Açores. Implodiu por dentro, é devolver a palavra ao povo ou fazer mais um jeitinho à direita e ao CHEGA. Foi assim com a solução governativa na República em 2021, o algodão é o mesmo e não engana.

SIM, NOS AÇORES, O PSD GOVERNOU COM O CHEGA. Qual sarna para o esforço de voto útil, o PSD nacional em modo de eleições e de resgate do armário das existências do poder passado, ensaiou defender que nada tinha com o CHEGA nos Açores. Pois, mentem descaradamente. Estavam casados e de papel passado. Houve acordo escrito e com assinaturas dos autóctones.

O mundo que se volatilizou em tudo, das convicções às circunstâncias, acolhe bem o recurso a todos os meios para atingir determinados fins. Por incrível que pareça, houve um tempo em que não era assim. Havia mínimos de configuração e compromisso em relação aos valores e princípios, que orientavam nas construções individuais e comunitárias, nas oportunidades e nos oportunismos. Existiam regras básicas de senso, coerência e previsibilidade na ação, dentro de uma banda larga de arbítrio até às linhas vermelhas e às esferas de liberdade dos outros. Hoje, só a relativização, a superficialidade e a ausência de mínimos de decência pode explicar o conjunto de fenómenos a que assistimos por parte dos protagonistas políticos como se continuasse a ser tudo possível em função dos egos ou da amálgama de interesses particulares com insuficiente músculo para serem mais do que algo apenas orientado para a afirmação pessoal, a conquista ou a manutenção do poder de turno.

Neste quadro de degradação e alguma miséria, acompanhada de uma certa transumância humana sem pingo de critério, coerência ou vergonha na cara, reconforta-me estar onde sempre estive ao longo da última década, antes e depois de ter funções políticas públicas.

Recordo a subversão da regra de que governa quem ganha as eleições, depois de uma onda de atropelos das convenções e dos tempos, conduziu a soluções de governos de circunstância, sem qualquer convergência em questões estruturais ao nível da construção europeia e da vocação atlântica, que durou enquanto o registo foi o de reposição e de distribuição de medidas positivas. O precedente gerado na República arredou o PS da governação da região autónoma dos Açores, mesmo tendo ganho as eleições, algo que António Costa não conseguiu em 2015. Fomos das poucas almas que, na Comissão Política Nacional do PS, estiveram contra o salve-se quem puder com a esquerda. Alguns que as validaram, com intervenções no limiar da raiva em relação aos adversários da solução, agora são impávida e serenamente contra.

Relembro a persistência de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios, em que a circunstância é sempre mais importante que o estrutural e com a consagração de um modus operandi em funções públicas emergente e consolidado na gestão autárquica de Lisboa, que se projetou no plano nacional, com deploráveis resultados para a degradação do ambiente político, do funcionamento do Estado de Direito e do compromisso com os pilares democráticos. Fomos dos poucos que, de forma sustentada, semanalmente, desde 2014, alertámos para os riscos sistémicos e de circunstância. Agora, tardiamente, alguns descobriram que há uma enorme tribalização da política, um desgaste democrático, um disfuncionamento das instituições e a extrema-direita tem o peso que tem e, infelizmente, a tendência é crescente.

Sublinho o desastre de parte das marcas do caminho percorrido, pelo que foi feito e pelo que ficou por fazer, por falta de uma visão integrada e estratégica do país, e a inconsistência dos resultados que, conjugados com as anteriores antecipações, eximem-nos de qualquer necessidade de sustentação ou presença no leilão pela alegada herança, em vésperas de 50 anos de Abril.

Não foram criadas condições para responder de forma sustentada aos problemas estruturais que nunca serão resolvidos por um governo apenas, em um ou dois turnos de poder, muito menos com a diabolização de quem pensa diferente no quadro democrático e ou está posicionado noutras esferas além do público ou das órbitas partidárias. Ora, não havendo recursos infinitos, é uma evidência de que todos contam e são precisos para concretizar mudanças, respostas e soluções. Mas, não, o que conta é o ego, o grupo, a tribo, o peso político e o meio adequado para o fim ou o nicho eleitoral.

Não estão a ser criadas nenhumas condições para um debate político que resgate o senso, o sentido de equilíbrio, o foco no bem comum, a ética, a decência em funções públicas e o relançamento dos pilares democráticos e do Estado de Direito. Na atual contenda, quase tudo se reconduz à moderação, à aditivação e à transumância de acervos patrimoniais em função dos fins, num esforço pragmático de mobilização tribalista e incoerente de temperos e recursos focados apenas na conquista do poder interno e na manutenção do posicionamento externo, com mais circunstância que projeto.

Sem cercas sanitárias em relação ao histórico, realizadas apesar de tudo entre 2011 e 2014, ou sobressalto cívico e político, tudo continuará na mesma, em rota de degradação e em perda a caminho dos 50 anos de vivência democrática. Os pontos de equilíbrio financeiro são outros, a custo dos contribuintes, do que mexe na economia e de um estado deplorável de serviços públicos fundamentais. É pena, pelo país, que eu, estando onde sempre estive, continuarei a pensar, a escrever e a dizer o que deveria ser feito para superar o lamaçal.

NOTAS FINAIS

MARCELO E O ALGODÃO DOS AÇORES. A questão é política. O Presidente da República validou uma solução de governo, liderada por quem não ganhou as eleições, que foi insuficiente para viabilizar o orçamento dos Açores. Implodiu por dentro, é devolver a palavra ao povo ou fazer mais um jeitinho à direita e ao CHEGA. Foi assim com a solução governativa na República em 2021, o algodão é o mesmo e não engana.

SIM, NOS AÇORES, O PSD GOVERNOU COM O CHEGA. Qual sarna para o esforço de voto útil, o PSD nacional em modo de eleições e de resgate do armário das existências do poder passado, ensaiou defender que nada tinha com o CHEGA nos Açores. Pois, mentem descaradamente. Estavam casados e de papel passado. Houve acordo escrito e com assinaturas dos autóctones.

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Sem transumância, a estar onde sempre estive

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28.11.2023

Sem transumância, a estar onde sempre estive

Neste quadro de degradação e alguma miséria, acompanhada de uma certa transumância humana sem pingo de critério, coerência ou vergonha na cara, reconforta-me estar onde sempre estive ao longo da última década.

O mundo que se volatilizou em tudo, das convicções às circunstâncias, acolhe bem o recurso a todos os meios para atingir determinados fins. Por incrível que pareça, houve um tempo em que não era assim. Havia mínimos de configuração e compromisso em relação aos valores e princípios, que orientavam nas construções individuais e comunitárias, nas oportunidades e nos oportunismos. Existiam regras básicas de senso, coerência e previsibilidade na ação, dentro de uma banda larga de arbítrio até às linhas vermelhas e às esferas de liberdade dos outros. Hoje, só a relativização, a superficialidade e a ausência de mínimos de decência pode explicar o conjunto de fenómenos a que assistimos por parte dos protagonistas políticos como se continuasse a ser tudo possível em função dos egos ou da amálgama de interesses particulares com insuficiente músculo para serem mais do que algo apenas orientado para a afirmação pessoal, a conquista ou a manutenção do poder de turno.

Neste quadro de degradação e alguma miséria, acompanhada de uma certa transumância humana sem pingo de critério, coerência ou vergonha na cara, reconforta-me estar onde sempre estive ao longo da última década, antes e depois de ter funções políticas públicas.

Recordo a subversão da regra de que governa quem ganha as eleições, depois de uma onda de atropelos das convenções e dos tempos, conduziu a soluções de governos de circunstância, sem qualquer convergência em questões estruturais ao nível da construção europeia e da vocação atlântica, que durou enquanto o registo foi o de reposição e de distribuição de medidas positivas. O precedente gerado na República arredou o PS da governação da região autónoma dos Açores, mesmo tendo ganho as eleições, algo que António Costa não conseguiu em 2015. Fomos das poucas almas que, na Comissão Política Nacional do PS, estiveram contra o salve-se quem puder com a esquerda. Alguns que as validaram, com intervenções no limiar da raiva em relação aos adversários da solução, agora são impávida e serenamente contra.

Relembro a persistência de uma certa forma de fazer política em que os fins justificam todos os meios, em que a circunstância é sempre mais importante que o estrutural e com a consagração de um modus operandi em funções públicas emergente e consolidado na gestão autárquica de Lisboa, que se projetou no plano nacional, com deploráveis resultados para a degradação do ambiente político, do funcionamento do Estado de Direito e do compromisso com os pilares democráticos. Fomos dos poucos que, de forma sustentada, semanalmente, desde 2014, alertámos para os riscos sistémicos e de circunstância. Agora, tardiamente, alguns descobriram que há uma enorme tribalização da política, um desgaste democrático, um disfuncionamento das instituições e a extrema-direita tem o peso que tem e, infelizmente, a tendência é crescente.

Sublinho o desastre de parte das marcas do caminho percorrido, pelo que foi feito e pelo que ficou por fazer, por falta de uma visão integrada e estratégica do país, e a inconsistência dos resultados que, conjugados com as anteriores antecipações, eximem-nos de qualquer necessidade de sustentação ou presença no leilão pela alegada herança, em vésperas de 50 anos de Abril.

Não foram criadas condições para responder de forma sustentada aos problemas estruturais que nunca serão resolvidos por um governo apenas, em um ou dois........

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