A mentira política anda à solta

Não há lei que criminalize um governante que recorra sistematicamente à propaganda falaciosa.

1. Num país com tantas leis e cheio de criminalizações por pecadilhos, faz falta legislação que responsabilize e condene políticos executivos por mentirem à boca cheia. Um dos primeiros a ter de prestar contas seria o ministro da Saúde. Manuel Pizarro passou a quadra natalícia a mentir despudoradamente sobre a situação nos hospitais, banalizando e desvalorizando o calvário dos doentes. Isto, enquanto no terreno o que se via era degradante, com dezenas de horas de espera para casos graves e encaminhados por algumas triagens feitas sem critério. Ao ponto de haver mortes nas salas de espera. Ao caos hospitalar somaram-se Centros de Saúde fechados, mas dados como abertos, e enfermeiros impreparados no SNS24. Milhares de doentes passavam mais de doze horas em condições infra-humanas, tendo, alguns, depois de fazer tournées por farmácias à procura de medicamentos de uso restrito ou esgotados. Imagine-se o calvário para quem tem mobilidade reduzida ou não tem carro. O linguarudo Pizarro nada disto reconhecia e passava horas nas televisões a achar tudo praticamente normal. Proclamava loas ao SNS várias vezes ao dia. A sua propaganda levava a que, à porta dos hospitais, estivessem jornalistas que afirmavam urbi et orbi que as listas de espera estavam a diminuir. Já não eram de dez ou doze horas. Iam só em oito ou nove. Fabuloso! Um exemplo de jornalismo de portaria, sem imagens do caos interior. Perante a catástrofe, nem um dos líderes das oposições se apresentou nos hospitais sem prevenir, coisa que ninguém lhes poderia negar como representantes do desgraçado povo português.

2. O congresso socialista confirmou que a primeira alternativa a si próprio é precisamente o PS, como recentemente escreveu o histórico Vítor Ramalho. Espalhados por diversas correntes e extratos sociais, os socialistas souberam mais uma vez juntar-se à volta de uma solução. Cozinharam um entendimento dinâmico, depois de uma campanha interna que acabou por ajudar o partido a manter-se na ribalta, enquanto o seu governo anunciava benesses. Na Expo, os socialistas despediram-se de Costa com carinho. Colocaram-no na reserva ativa da República como vítima. Saudaram um novo líder, mas colocaram nos órgãos dirigentes o seu opositor interno, José Luís Carneiro, que também será deputado. É um sinal de maturidade, ao contrário do que tem sucedido no PSD, no qual o putativo sucessor fica fora das soluções, o que, mais tarde, limita a sua ação, como se viu com Rio e com Montenegro. No PS, o saneamento e o exílio interno são coisa rara. O pragmatismo é a regra. Por exemplo, o partido sabe que tem de invocar perigos antidemocráticos extremistas, grandes conspiradores e ameaçar com o fim do Estado social para captar os moderados. Por isso potencia angústias nos que estão mais fragilizados. Exacerba o perigo da nova AD ficar nas mãos dos liberais e do Chega. Alerta paranoicamente para um neofascismo xenófobo inexistente. E projeta Marcelo como um agitador irresponsável (como se fosse ele que tivesse demitido ou investigado Costa). O PS ignora até que foi Costa quem lançou a recandidatura de Marcelo a 23 de maio de 2021, numa visita à Autoeuropa. Pelo meio, o PS ataca a justiça (com fundamento em “timings” efetivamente suspeitos de divulgação de notícias corretas baseadas em recursos). Tudo isto e muito mais irá o PS repetir até à exaustão para manter no poder uma máquina instalada em todos os apetecíveis lugares públicos e muitos privados. Esperemos que, mesmo assim, pessoas como Pedro Nuno Santos, Francisco Assis, José Luís Carneiro e até Carlos César não deixem o partido entrar numa deriva delirante, antes ou depois das eleições, se o resultado não permitir uma solução estável. O PS tem história, figuras e obra na construção democrática que superam, largamente, pela positiva os momentos infelizes, como os que deram origem à auto demissão de António Costa, o qual, se a Justiça estiver errada, tem muito caminho político para percorrer, como mostra a sua ida ao fecho do congresso. Ali, ouviu a proclamação de um novo tempo socialista, anunciado por Pedro Nuno Santos. Mais à esquerda. Supostamente mais justo. Mais distributivo, mas mais caro para quem contribui com impostos. O plano económico e social de PNS tem algo de utópico, mas é bonito. Uma coisa é certa: o PS mantém-se, hoje, forte candidato a vencer as legislativas de março. O problema para PNS seria governar a seguir. Com os seus tópicos programáticos, acabar em falência como os gregos Tsipras e Varoufakis seria uma forte probabilidade. Mas, quem como ele conhece a governação sabe bem que a realidade pragmática se impõe sempre, permitindo apenas limitadas variantes. Na política democrática uma coisa é o verbo e outra a ação!

3. Horas depois do fecho do congresso socialista foi apresentada a nova Aliança Democrática. Junta ao PSD, ao CDS e a notáveis independentes um resíduo tóxico e perigoso do PPM. Tudo se passou logicamente no Porto, onde a AD original germinou. Essa AD79 foi um motor de transformação da sociedade mesmo depois do desaparecimento trágico de Sá Carneiro e Amaro da Costa. Balsemão e Freitas do Amaral conseguiram, através dela, reformas civilistas inéditas, até que o projeto se esgotou. Ao contrário do que hoje alguma esquerda diz, os fundadores da AD79 não eram na altura considerados e respeitados. Eram, sim, apelidados de fascistas. Sá Carneiro era mesmo destratado por não ser casado com Snu Abecassis. Quem tiver dúvidas que leia a imprensa da época, designadamente o Diário e alguns vespertinos. A AD-2024 não transporta com ela uma enorme energia de mudança como a de Sá Carneiro. Mas é fundada numa intenção reformista que se deseja social democrata e democrata cristã. Se se verificar que é apenas uma proposta neoliberal ao jeito do “passismo”, não será opção. Esse terreno está demarcado pelo Chega e os liberais. A luta desta AD terá de ser pelo voto útil da direita e pela captação dos moderados do centro, cansados de perder qualidade de vida.

4. Em vez de denunciarem a situação hospitalar, políticos e comentadores gastaram três dias a comentar uma compra de ações dos CTT pelo Governo. A manobra duvidosa não merecia um tratamento mediático tão monumental. Deu um jeitão ao governo e ao PS, ao desviar o foco dos hospitais, que é aquilo que preocupa os portugueses.

5. Logo que se soube do inquérito judiciário ao primeiro-ministro e da sua demissão depois de se terem encontrado mais de 75 mil euros escondidos no escritório do seu chefe de gabinete, escreveu-se aqui que era bom que Luís Montenegro se preparasse para que o suposto caso de ter auferido favorecimentos fiscais na reconstrução da sua casa de família, em Espinho. fosse trazido à baila. Não tardou. Há dias, o diligente Ministério Público fez saber que está tudo a ser investigado e logo em três processos. No totobola de justiça lá apareceu o inevitável “X” entre PS e PSD. Claro que se trata objetivamente de uma coincidência. A mesma que logo no início do congresso socialista plantou uma notícia sobre o recurso do Ministério Público, revelando que Costa está agora a ser investigação por prevaricação. “Honi Soit qui mal y pense!”. E quem é que investiga o Ministério Público que comanda as investigações? Será que o seu conselho superior tem independência para isso ou é corporativo?

6. O mundo da comunicação social está em ebulição e cheio de casos por resolver. Um deles prende-se com a direção do Cenjor, o discreto, mas eficaz Centro Protocolar de Formação de Jornalistas, que tanto serve profissionais como aspirantes à profissão. Liderado durante anos pela competentíssima Deolinda Almeida, o Cenjor está sem direção. O perfil do substituto é fácil de definir: alguém jornalista, relativamente jovem, dinâmico, criativo, com carreira, a par das novas tecnologias, conhecedor das redes sociais, das “fake news” que corroem o sistema e que saiba ajudar a fazer das fraquezas negócio. Veremos o que sai na rifa.

7. A propósito de jornalismo, vem aí o congresso da classe. Foi convocado para janeiro (de 18 a 21), em Lisboa, ainda antes da crise política atual. Esperemos que a crise política não ofusque os trabalhos, sobretudo num momento em que o jornalismo atravessa uma profunda transformação. com muitas empresas a soçobrarem.

1. Num país com tantas leis e cheio de criminalizações por pecadilhos, faz falta legislação que responsabilize e condene políticos executivos por mentirem à boca cheia. Um dos primeiros a ter de prestar contas seria o ministro da Saúde. Manuel Pizarro passou a quadra natalícia a mentir despudoradamente sobre a situação nos hospitais, banalizando e desvalorizando o calvário dos doentes. Isto, enquanto no terreno o que se via era degradante, com dezenas de horas de espera para casos graves e encaminhados por algumas triagens feitas sem critério. Ao ponto de haver mortes nas salas de espera. Ao caos hospitalar somaram-se Centros de Saúde fechados, mas dados como abertos, e enfermeiros impreparados no SNS24. Milhares de doentes passavam mais de doze horas em condições infra-humanas, tendo, alguns, depois de fazer tournées por farmácias à procura de medicamentos de uso restrito ou esgotados. Imagine-se o calvário para quem tem mobilidade reduzida ou não tem carro. O linguarudo Pizarro nada disto reconhecia e passava horas nas televisões a achar tudo praticamente normal. Proclamava loas ao SNS várias vezes ao dia. A sua propaganda levava a que, à porta dos hospitais, estivessem jornalistas que afirmavam urbi et orbi que as listas de espera estavam a diminuir. Já não eram de dez ou doze horas. Iam só em oito ou nove. Fabuloso! Um exemplo de jornalismo de portaria, sem imagens do caos interior. Perante a catástrofe, nem um dos líderes das oposições se apresentou nos hospitais sem prevenir, coisa que ninguém lhes poderia negar como representantes do desgraçado povo português.

2. O congresso socialista confirmou que a primeira alternativa a si próprio é precisamente o PS, como recentemente escreveu o histórico Vítor Ramalho. Espalhados por diversas correntes e extratos sociais, os socialistas souberam mais uma vez juntar-se à volta de uma solução. Cozinharam um entendimento dinâmico, depois de uma campanha interna que acabou por ajudar o partido a manter-se na ribalta, enquanto o seu governo anunciava benesses. Na Expo, os socialistas despediram-se de Costa com carinho. Colocaram-no na reserva ativa da República como vítima. Saudaram um novo líder, mas colocaram nos órgãos dirigentes o seu opositor interno, José Luís Carneiro, que também será deputado. É um sinal de maturidade, ao contrário do que tem sucedido no PSD, no qual o putativo sucessor fica fora das soluções, o que, mais tarde, limita a sua ação, como se viu com Rio e com Montenegro. No PS, o saneamento e o exílio interno são coisa rara. O pragmatismo é a regra. Por exemplo, o partido sabe que tem de invocar perigos antidemocráticos extremistas, grandes conspiradores e ameaçar com o fim do Estado social para captar os moderados. Por isso potencia angústias nos que estão mais fragilizados. Exacerba o perigo da nova AD ficar nas mãos dos liberais e do Chega. Alerta paranoicamente para um neofascismo xenófobo inexistente. E projeta Marcelo como um agitador irresponsável (como se fosse ele que tivesse demitido ou investigado Costa). O PS ignora até que foi Costa quem lançou a recandidatura de Marcelo a 23 de maio de 2021, numa visita à Autoeuropa. Pelo meio, o PS ataca a justiça (com fundamento em “timings” efetivamente suspeitos de divulgação de notícias corretas baseadas em recursos). Tudo isto e muito mais irá o PS repetir até à exaustão para manter no poder uma máquina instalada em todos os apetecíveis lugares públicos e muitos privados. Esperemos que, mesmo assim, pessoas como Pedro Nuno Santos, Francisco Assis, José Luís Carneiro e até Carlos César não deixem o partido entrar numa deriva delirante, antes ou depois das eleições, se o resultado não permitir uma solução estável. O PS tem história, figuras e obra na construção democrática que superam, largamente, pela positiva os momentos infelizes, como os que deram origem à auto demissão de António Costa, o qual, se a Justiça estiver errada, tem muito caminho político para percorrer, como mostra a sua ida ao fecho do congresso. Ali, ouviu a proclamação de um novo tempo socialista, anunciado por Pedro Nuno Santos. Mais à esquerda. Supostamente mais justo. Mais distributivo, mas mais caro para quem contribui com impostos. O plano económico e social de PNS tem algo de utópico, mas é bonito. Uma coisa é certa: o PS mantém-se, hoje, forte candidato a vencer as legislativas de março. O problema para PNS seria governar a seguir. Com os seus tópicos programáticos, acabar em falência como os gregos Tsipras e Varoufakis seria uma forte probabilidade. Mas, quem como ele conhece a governação sabe bem que a realidade pragmática se impõe sempre, permitindo apenas limitadas variantes. Na política democrática uma coisa é o verbo e outra a ação!

3. Horas depois do fecho do congresso socialista foi apresentada a nova Aliança Democrática. Junta ao PSD, ao CDS e a notáveis independentes um resíduo tóxico e perigoso do PPM. Tudo se passou logicamente no Porto, onde a AD original germinou. Essa AD79 foi um motor de transformação da sociedade mesmo depois do desaparecimento trágico de Sá Carneiro e Amaro da Costa. Balsemão e Freitas do Amaral conseguiram, através dela, reformas civilistas inéditas, até que o projeto se esgotou. Ao contrário do que hoje alguma esquerda diz, os fundadores da AD79 não eram na altura considerados e respeitados. Eram, sim, apelidados de fascistas. Sá Carneiro era mesmo destratado por não ser casado com Snu Abecassis. Quem tiver dúvidas que leia a imprensa da época, designadamente o Diário e alguns vespertinos. A AD-2024 não transporta com ela uma enorme energia de mudança como a de Sá Carneiro. Mas é fundada numa intenção reformista que se deseja social democrata e democrata cristã. Se se verificar que é apenas uma proposta neoliberal ao jeito do “passismo”, não será opção. Esse terreno está demarcado pelo Chega e os liberais. A luta desta AD terá de ser pelo voto útil da direita e pela captação dos moderados do centro, cansados de perder qualidade de vida.

4. Em vez de denunciarem a situação hospitalar, políticos e comentadores gastaram três dias a comentar uma compra de ações dos CTT pelo Governo. A manobra duvidosa não merecia um tratamento mediático tão monumental. Deu um jeitão ao governo e ao PS, ao desviar o foco dos hospitais, que é aquilo que preocupa os portugueses.

5. Logo que se soube do inquérito judiciário ao primeiro-ministro e da sua demissão depois de se terem encontrado mais de 75 mil euros escondidos no escritório do seu chefe de gabinete, escreveu-se aqui que era bom que Luís Montenegro se preparasse para que o suposto caso de ter auferido favorecimentos fiscais na reconstrução da sua casa de família, em Espinho. fosse trazido à baila. Não tardou. Há dias, o diligente Ministério Público fez saber que está tudo a ser investigado e logo em três processos. No totobola de justiça lá apareceu o inevitável “X” entre PS e PSD. Claro que se trata objetivamente de uma coincidência. A mesma que logo no início do congresso socialista plantou uma notícia sobre o recurso do Ministério Público, revelando que Costa está agora a ser investigação por prevaricação. “Honi Soit qui mal y pense!”. E quem é que investiga o Ministério Público que comanda as investigações? Será que o seu conselho superior tem independência para isso ou é corporativo?

6. O mundo da comunicação social está em ebulição e cheio de casos por resolver. Um deles prende-se com a direção do Cenjor, o discreto, mas eficaz Centro Protocolar de Formação de Jornalistas, que tanto serve profissionais como aspirantes à profissão. Liderado durante anos pela competentíssima Deolinda Almeida, o Cenjor está sem direção. O perfil do substituto é fácil de definir: alguém jornalista, relativamente jovem, dinâmico, criativo, com carreira, a par das novas tecnologias, conhecedor das redes sociais, das “fake news” que corroem o sistema e que saiba ajudar a fazer das fraquezas negócio. Veremos o que sai na rifa.

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09.01.2024

A mentira política anda à solta

Não há lei que criminalize um governante que recorra sistematicamente à propaganda falaciosa.

1. Num país com tantas leis e cheio de criminalizações por pecadilhos, faz falta legislação que responsabilize e condene políticos executivos por mentirem à boca cheia. Um dos primeiros a ter de prestar contas seria o ministro da Saúde. Manuel Pizarro passou a quadra natalícia a mentir despudoradamente sobre a situação nos hospitais, banalizando e desvalorizando o calvário dos doentes. Isto, enquanto no terreno o que se via era degradante, com dezenas de horas de espera para casos graves e encaminhados por algumas triagens feitas sem critério. Ao ponto de haver mortes nas salas de espera. Ao caos hospitalar somaram-se Centros de Saúde fechados, mas dados como abertos, e enfermeiros impreparados no SNS24. Milhares de doentes passavam mais de doze horas em condições infra-humanas, tendo, alguns, depois de fazer tournées por farmácias à procura de medicamentos de uso restrito ou esgotados. Imagine-se o calvário para quem tem mobilidade reduzida ou não tem carro. O linguarudo Pizarro nada disto reconhecia e passava horas nas televisões a achar tudo praticamente normal. Proclamava loas ao SNS várias vezes ao dia. A sua propaganda levava a que, à porta dos hospitais, estivessem jornalistas que afirmavam urbi et orbi que as listas de espera estavam a diminuir. Já não eram de dez ou doze horas. Iam só em oito ou nove. Fabuloso! Um exemplo de jornalismo de portaria, sem imagens do caos interior. Perante a catástrofe, nem um dos líderes das oposições se apresentou nos hospitais sem prevenir, coisa que ninguém lhes poderia negar como representantes do desgraçado povo português.

2. O congresso socialista confirmou que a primeira alternativa a si próprio é precisamente o PS, como recentemente escreveu o histórico Vítor Ramalho. Espalhados por diversas correntes e extratos sociais, os socialistas souberam mais uma vez juntar-se à volta de uma solução. Cozinharam um entendimento dinâmico, depois de uma campanha interna que acabou por ajudar o partido a manter-se na ribalta, enquanto o seu governo anunciava benesses. Na Expo, os socialistas despediram-se de Costa com carinho. Colocaram-no na reserva ativa da República como vítima. Saudaram um novo líder, mas colocaram nos órgãos dirigentes o seu opositor interno, José Luís Carneiro, que também será deputado. É um sinal de maturidade, ao contrário do que tem sucedido no PSD, no qual o putativo sucessor fica fora das soluções, o que, mais tarde, limita a sua ação, como se viu com Rio e com Montenegro. No PS, o saneamento e o exílio interno são coisa rara. O pragmatismo é a regra. Por exemplo, o partido sabe que tem de invocar perigos antidemocráticos extremistas, grandes conspiradores e ameaçar com o fim do Estado social para captar os moderados. Por isso potencia angústias nos que estão mais fragilizados. Exacerba o perigo da nova AD ficar nas mãos dos liberais e do Chega. Alerta paranoicamente para um neofascismo xenófobo inexistente. E projeta Marcelo como um agitador irresponsável (como se fosse ele que tivesse demitido ou investigado Costa). O PS ignora até que foi Costa quem lançou a recandidatura de Marcelo a 23 de maio de 2021, numa visita à Autoeuropa. Pelo meio, o PS ataca a justiça (com fundamento em “timings” efetivamente suspeitos de divulgação de notícias corretas baseadas em recursos). Tudo isto e muito mais irá o PS repetir até à exaustão para manter no poder uma máquina instalada em todos os apetecíveis lugares públicos e muitos privados. Esperemos que, mesmo assim, pessoas como Pedro Nuno Santos, Francisco Assis, José Luís Carneiro e até Carlos César não deixem o partido entrar numa deriva delirante, antes ou depois das eleições, se o resultado não permitir uma solução estável. O PS tem história, figuras e obra na construção democrática que superam, largamente, pela positiva os momentos infelizes, como os que deram origem à auto demissão de António Costa, o qual, se a Justiça estiver errada, tem muito caminho político para percorrer, como mostra a sua ida ao fecho do congresso. Ali, ouviu a proclamação de um novo tempo socialista, anunciado por Pedro Nuno Santos. Mais à esquerda. Supostamente mais justo. Mais distributivo, mas mais caro para quem contribui com impostos. O plano económico e social de PNS tem algo de utópico, mas é bonito. Uma coisa é certa: o PS mantém-se, hoje, forte candidato a vencer as legislativas de março. O problema para PNS seria governar a seguir. Com os seus tópicos programáticos, acabar em falência como os gregos Tsipras e Varoufakis seria uma forte probabilidade. Mas, quem como ele conhece a governação sabe bem que a realidade pragmática se impõe sempre, permitindo apenas limitadas variantes. Na política democrática uma coisa é o verbo e outra a ação!

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