Tristezas

Os casos novelescos de corrupção e o estardalhaço da Justiça apagam uma realidade muitas vezes miserável.

1. O terramoto político da Madeira juntou-se à confusão no país em geral, que já obriga a eleições legislativas nacionais e a regionais nos Açores. O mesmo pode suceder na Madeira. O tempo no país todo é muito agitado, política e socialmente. Governantes e opositores andam nervosos. A comunicação social está histérica e patética, sobretudo a televisiva. A imprensa (escrita é pleonasmo) mantém alguma serenidade. O Presidente Marcelo deixou a fase prolixa a que recorre quando as coisas estão normais ou quer agitar as águas. Está contido. É sinal de tempos complexos. A sua sabedoria vem ao de cima, quando passam 50 anos sobre o 25 de Abril, com um balanço muito aquém do desejável. O Presidente é o garante das instituições e da democracia. É fundamentalmente dele que vai depender a leitura provavelmente complexa do resultado das legislativas e, mais adiante, a eventual convocação de outras eleições na Madeira, uma vez passado o prazo de seis meses em que o seu parlamento não pode ser dissolvido.

2. É verdade que a campanha do IKEA é original, genial e satírica. Também é verdade que o programa mais visto na televisão é o de Araújo Pereira, uma espécie de bobo da corte muito parcial, incapaz de se meter a sério com o seu campo ideológico. Comunismo e caviar é sempre a aviar! O nosso proverbial humor instantâneo (parecido com o do fatalista povo russo) diz muito sobre nós. É fruto da degradação ética e do lamaçal em que estamos. Não há dia sem escândalos, sem corrupção, sem casos, casinhos e casões, envolvendo supostos malandros, meios incomensuráveis de justiça, comunicados que geram logo crises e comentadores a nascer como cogumelos selvagens. Depois nunca mais se sabe nada, até chegar a um momento político crítico. Estamos, precisamente, em crise política profunda devido a um assunto de justiça que envolve um primeiro-ministro e gente próxima dele. Isto, enquanto um antecessor, José Sócrates, está há dez anos sem ser julgado por um emaranhado de golpes que envolve muitos milhões em corrupção, que arrasta com ele gente como Ricardo Salgado e proclamados grandes gestores da PT. Corre tudo paralelo a outro processo que se alonga e envolve uma elite nacional arrivista que mandava na EDP. Não haja ilusões! O que começou há uma década vai levar outra, no mínimo. É triste! Tal como é triste ver o que se passa na Madeira. É triste ver o comportamento de Maló de Abreu, que não precisava de se meter em confusões materiais. É triste ver casos de golas anti- incêndio que pegam fogo. É triste ver suspeitas sobre a casa do líder da oposição. É triste olhar para polícias a ganhar miseravelmente e manifestarem-se aos milhares. É triste ver que os funcionários judiciais nunca mais têm o problema resolvido. É triste ver a situação dos militares e a incapacidade de assegurarmos a soberania completa do nosso espaço. É triste ver o que se passou na TAP. Mas também é triste ver o foguetório à volta de tudo. A Justiça está descontrolada. Não pelo que faz. Mas pelo tempo que leva e pelo estardalhaço publicitário de que se rodeia e promove. Ao ponto de antigos procuradores gerais sentirem grande desconforto. Os meios levados para a Madeira lembram a invasão de Granada pelos americanos no tempo de Reagan. Como é possível acreditar que não há coincidências quando se multiplicam e convergem temporalmente investigações sobre políticos e agentes económicos? Quando a natureza é essa sabe-se tudo da investigação. Mas quando se passa no mundo obscuro do narcotráfico não se sabe nada. Nem os nomes dos presos, quanto mais dos juízes, dos procuradores ou dos polícias. Muito menos dos milhares de milhões que o negócio dos estupefacientes gera e onde são aplicados. Afinal para onde vai essa quantidade enorme de dinheiro? Nem os jornalistas de investigação judiciária o dizem. Limitam-se à política e aos negócios. Este clima mediático serve o governo. Deixa-se de falar da vida dos comuns mortais. Tapa-se o país real. Durante semanas tratou-se noticiosamente das horas de espera cruéis nos hospitais, do fecho das urgências de toda a ordem, especialmente as de obstetrícia. No Natal mostrou-se a fome nas ruas, a falta de casas, a degradação desumana da vida dos velhos e dos imigrantes do Indostão. Os casos novelescos de uma justiça que faz entradas de leão em vidas ricas apagam judiciosamente a desgraça quotidiana e os media deixam-se ir nisso. Fazem com que em tempo eleitoral não se fale em profundidade da pobreza, do desemprego, da falta de casas, da saúde e dos projetos que cada um diz querer desenvolver.

3. O que nos é prometido politicamente por quem governa é virtual. Fala-se de um novo aeroporto que já custou milhões em estudos e nem tem sítio previsto desde há sessenta anos. Há desenhos sobre o TGV que teremos talvez daqui a quinze anos. Porém, há países que já têm centenas de máquinas e carruagens obsoletas. Têm mais de três décadas. Estão paradas com mais de vinte milhões de quilómetros. Ainda hão de nos impingir uma quantas recauchutadas. O clima que se vive leva a uma desconfiança geral em relação aos partidos e aos políticos que têm poder e o exercem. Como se a maioria que os integra não fosse constituída por assaltantes. Ora, há gente séria na política por estranho que isso possa parecer. Mesmo esses têm problemas graves porque quem tem vontade de fazer em Portugal é sistematicamente confrontado com uma teia de leis que impossibilita toda e qualquer obra de média dimensão. Pouca gente fala da corrupção pequenina e manhosa que facilita e dá um jeitinho, por exemplo na inspeção do carro indispensável para trabalhar e levar filhos à escola. Essa pequena golpada é fruto da pobreza e da necessidade. É quase normal. É como a fuga aos milhares de taxas e impostos diretos e indiretos. São tantos que fugir deles é visto como legítima defesa. Quem se aproveita disto tudo são os partidos que estão fora do poder. Lutam para entrar nele. Quando lá estiverem serão iguais ou piores. Já se viu com o Bloco de Esquerda e o gravíssimo caso Robles e outro em Salvaterra com um autarca. Agora a preocupação é com o Chega. Só se fala de Ventura. Uns acham que ao chegar ao poder só trará gente pura. Outros acham que implantaria um regime fascista ou de extrema-direita. É ridículo! O que aconteceria nesse dia é exatamente o mesmo que se passa com os outros partidos. Teria um misto de oportunistas e gente séria, esperando que mais destes do que dos primeiros, o que não é óbvio pela amostra. Os nossos políticos são em regra honestos, o que não significa competentes ou que lutem pelo poder com ética. Mas o que dizer por exemplo do comportamento dos bancos que cá atuam? É normal levarem meses para subir taxas de juros de depósitos e funcionarem quase ao minuto para ajustar para cima as dos empréstimos? Será normal as companhias de seguros de saúde arrastarem o mais que podem os pagamentos das despesas? Será legítimo as concessionárias das autoestradas deixarem-nas degradar? Não, não é! É o mesmo procedimento do que o dos políticos oportunistas. Com a diferença de que a a Justiça não os incomoda, a não ser através de ações inócuas do tipo das da ASAE. Por tudo isso tudo, o “tuga” está cansado de ser enganado e sem retorno. Pouco empreendedor, quer receber muito e dar pouco. Sempre que pode foge às responsabilidades e ao emprego. Desde que apareceu, a auto-baixa multiplica-se. Parece tornar-se um flagelo. Feita para acabar com a burocracia, gerou outro problema. É bom para quem está doente mesmo. É esplêndido para os oportunistas que a usam para alargar pontes, apesar dos salários serem descontados. Mas, afinal, para quem ganha mal que diferença faz? Nenhuma. O dinheiro não chega para nada. Quando se estudar este novo fenómeno certamente se verificará que nas empresas que remuneram bem e consideram os seus funcionários haverá menos abusos do que nas dos exploradores. E haverá sempre o caso do setor público onde cada um vai quando lhe apetece e onde muitos administradores são lá postos pela mesma forma como os cágados sobem às árvores.

1. O terramoto político da Madeira juntou-se à confusão no país em geral, que já obriga a eleições legislativas nacionais e a regionais nos Açores. O mesmo pode suceder na Madeira. O tempo no país todo é muito agitado, política e socialmente. Governantes e opositores andam nervosos. A comunicação social está histérica e patética, sobretudo a televisiva. A imprensa (escrita é pleonasmo) mantém alguma serenidade. O Presidente Marcelo deixou a fase prolixa a que recorre quando as coisas estão normais ou quer agitar as águas. Está contido. É sinal de tempos complexos. A sua sabedoria vem ao de cima, quando passam 50 anos sobre o 25 de Abril, com um balanço muito aquém do desejável. O Presidente é o garante das instituições e da democracia. É fundamentalmente dele que vai depender a leitura provavelmente complexa do resultado das legislativas e, mais adiante, a eventual convocação de outras eleições na Madeira, uma vez passado o prazo de seis meses em que o seu parlamento não pode ser dissolvido.

2. É verdade que a campanha do IKEA é original, genial e satírica. Também é verdade que o programa mais visto na televisão é o de Araújo Pereira, uma espécie de bobo da corte muito parcial, incapaz de se meter a sério com o seu campo ideológico. Comunismo e caviar é sempre a aviar! O nosso proverbial humor instantâneo (parecido com o do fatalista povo russo) diz muito sobre nós. É fruto da degradação ética e do lamaçal em que estamos. Não há dia sem escândalos, sem corrupção, sem casos, casinhos e casões, envolvendo supostos malandros, meios incomensuráveis de justiça, comunicados que geram logo crises e comentadores a nascer como cogumelos selvagens. Depois nunca mais se sabe nada, até chegar a um momento político crítico. Estamos, precisamente, em crise política profunda devido a um assunto de justiça que envolve um primeiro-ministro e gente próxima dele. Isto, enquanto um antecessor, José Sócrates, está há dez anos sem ser julgado por um emaranhado de golpes que envolve muitos milhões em corrupção, que arrasta com ele gente como Ricardo Salgado e proclamados grandes gestores da PT. Corre tudo paralelo a outro processo que se alonga e envolve uma elite nacional arrivista que mandava na EDP. Não haja ilusões! O que começou há uma década vai levar outra, no mínimo. É triste! Tal como é triste ver o que se passa na Madeira. É triste ver o comportamento de Maló de Abreu, que não precisava de se meter em confusões materiais. É triste ver casos de golas anti- incêndio que pegam fogo. É triste ver suspeitas sobre a casa do líder da oposição. É triste olhar para polícias a ganhar miseravelmente e manifestarem-se aos milhares. É triste ver que os funcionários judiciais nunca mais têm o problema resolvido. É triste ver a situação dos militares e a incapacidade de assegurarmos a soberania completa do nosso espaço. É triste ver o que se passou na TAP. Mas também é triste ver o foguetório à volta de tudo. A Justiça está descontrolada. Não pelo que faz. Mas pelo tempo que leva e pelo estardalhaço publicitário de que se rodeia e promove. Ao ponto de antigos procuradores gerais sentirem grande desconforto. Os meios levados para a Madeira lembram a invasão de Granada pelos americanos no tempo de Reagan. Como é possível acreditar que não há coincidências quando se multiplicam e convergem temporalmente investigações sobre políticos e agentes económicos? Quando a natureza é essa sabe-se tudo da investigação. Mas quando se passa no mundo obscuro do narcotráfico não se sabe nada. Nem os nomes dos presos, quanto mais dos juízes, dos procuradores ou dos polícias. Muito menos dos milhares de milhões que o negócio dos estupefacientes gera e onde são aplicados. Afinal para onde vai essa quantidade enorme de dinheiro? Nem os jornalistas de investigação judiciária o dizem. Limitam-se à política e aos negócios. Este clima mediático serve o governo. Deixa-se de falar da vida dos comuns mortais. Tapa-se o país real. Durante semanas tratou-se noticiosamente das horas de espera cruéis nos hospitais, do fecho das urgências de toda a ordem, especialmente as de obstetrícia. No Natal mostrou-se a fome nas ruas, a falta de casas, a degradação desumana da vida dos velhos e dos imigrantes do Indostão. Os casos novelescos de uma justiça que faz entradas de leão em vidas ricas apagam judiciosamente a desgraça quotidiana e os media deixam-se ir nisso. Fazem com que em tempo eleitoral não se fale em profundidade da pobreza, do desemprego, da falta de casas, da saúde e dos projetos que cada um diz querer desenvolver.

3. O que nos é prometido politicamente por quem governa é virtual. Fala-se de um novo aeroporto que já custou milhões em estudos e nem tem sítio previsto desde há sessenta anos. Há desenhos sobre o TGV que teremos talvez daqui a quinze anos. Porém, há países que já têm centenas de máquinas e carruagens obsoletas. Têm mais de três décadas. Estão paradas com mais de vinte milhões de quilómetros. Ainda hão de nos impingir uma quantas recauchutadas. O clima que se vive leva a uma desconfiança geral em relação aos partidos e aos políticos que têm poder e o exercem. Como se a maioria que os integra não fosse constituída por assaltantes. Ora, há gente séria na política por estranho que isso possa parecer. Mesmo esses têm problemas graves porque quem tem vontade de fazer em Portugal é sistematicamente confrontado com uma teia de leis que impossibilita toda e qualquer obra de média dimensão. Pouca gente fala da corrupção pequenina e manhosa que facilita e dá um jeitinho, por exemplo na inspeção do carro indispensável para trabalhar e levar filhos à escola. Essa pequena golpada é fruto da pobreza e da necessidade. É quase normal. É como a fuga aos milhares de taxas e impostos diretos e indiretos. São tantos que fugir deles é visto como legítima defesa. Quem se aproveita disto tudo são os partidos que estão fora do poder. Lutam para entrar nele. Quando lá estiverem serão iguais ou piores. Já se viu com o Bloco de Esquerda e o gravíssimo caso Robles e outro em Salvaterra com um autarca. Agora a preocupação é com o Chega. Só se fala de Ventura. Uns acham que ao chegar ao poder só trará gente pura. Outros acham que implantaria um regime fascista ou de extrema-direita. É ridículo! O que aconteceria nesse dia é exatamente o mesmo que se passa com os outros partidos. Teria um misto de oportunistas e gente séria, esperando que mais destes do que dos primeiros, o que não é óbvio pela amostra. Os nossos políticos são em regra honestos, o que não significa competentes ou que lutem pelo poder com ética. Mas o que dizer por exemplo do comportamento dos bancos que cá atuam? É normal levarem meses para subir taxas de juros de depósitos e funcionarem quase ao minuto para ajustar para cima as dos empréstimos? Será normal as companhias de seguros de saúde arrastarem o mais que podem os pagamentos das despesas? Será legítimo as concessionárias das autoestradas deixarem-nas degradar? Não, não é! É o mesmo procedimento do que o dos políticos oportunistas. Com a diferença de que a a Justiça não os incomoda, a não ser através de ações inócuas do tipo das da ASAE. Por tudo isso tudo, o “tuga” está cansado de ser enganado e sem retorno. Pouco empreendedor, quer receber muito e dar pouco. Sempre que pode foge às responsabilidades e ao emprego. Desde que apareceu, a auto-baixa multiplica-se. Parece tornar-se um flagelo. Feita para acabar com a burocracia, gerou outro problema. É bom para quem está doente mesmo. É esplêndido para os oportunistas que a usam para alargar pontes, apesar dos salários serem descontados. Mas, afinal, para quem ganha mal que diferença faz? Nenhuma. O dinheiro não chega para nada. Quando se estudar este novo fenómeno certamente se verificará que nas empresas que remuneram bem e consideram os seus funcionários haverá menos abusos do que nas dos exploradores. E haverá sempre o caso do setor público onde cada um vai quando lhe apetece e onde muitos administradores são lá postos pela mesma forma como os cágados sobem às árvores.

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30.01.2024

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Os casos novelescos de corrupção e o estardalhaço da Justiça apagam uma realidade muitas vezes miserável.

1. O terramoto político da Madeira juntou-se à confusão no país em geral, que já obriga a eleições legislativas nacionais e a regionais nos Açores. O mesmo pode suceder na Madeira. O tempo no país todo é muito agitado, política e socialmente. Governantes e opositores andam nervosos. A comunicação social está histérica e patética, sobretudo a televisiva. A imprensa (escrita é pleonasmo) mantém alguma serenidade. O Presidente Marcelo deixou a fase prolixa a que recorre quando as coisas estão normais ou quer agitar as águas. Está contido. É sinal de tempos complexos. A sua sabedoria vem ao de cima, quando passam 50 anos sobre o 25 de Abril, com um balanço muito aquém do desejável. O Presidente é o garante das instituições e da democracia. É fundamentalmente dele que vai depender a leitura provavelmente complexa do resultado das legislativas e, mais adiante, a eventual convocação de outras eleições na Madeira, uma vez passado o prazo de seis meses em que o seu parlamento não pode ser dissolvido.

2. É verdade que a campanha do IKEA é original, genial e satírica. Também é verdade que o programa mais visto na televisão é o de Araújo Pereira, uma espécie de bobo da corte muito parcial, incapaz de se meter a sério com o seu campo ideológico. Comunismo e caviar é sempre a aviar! O nosso proverbial humor instantâneo (parecido com o do fatalista povo russo) diz muito sobre nós. É fruto da degradação ética e do lamaçal em que estamos. Não há dia sem escândalos, sem corrupção, sem casos, casinhos e casões, envolvendo supostos malandros, meios incomensuráveis de justiça, comunicados que geram logo crises e comentadores a nascer como cogumelos selvagens. Depois nunca mais se sabe nada, até chegar a um momento político crítico. Estamos, precisamente, em crise política profunda devido a um assunto de justiça que envolve um primeiro-ministro e gente próxima dele. Isto, enquanto um antecessor, José Sócrates, está há dez anos sem ser julgado por um emaranhado de golpes que envolve muitos milhões em corrupção, que arrasta com ele gente como Ricardo Salgado e proclamados grandes gestores da PT. Corre tudo paralelo a outro processo que se alonga e envolve uma elite nacional arrivista que mandava na EDP. Não haja ilusões! O que começou há uma década vai levar outra, no mínimo. É triste! Tal como é triste ver o que se passa na Madeira. É triste ver o comportamento de Maló de Abreu, que não precisava de se meter em confusões materiais. É triste ver casos de golas anti- incêndio que pegam fogo. É triste ver suspeitas sobre a casa do líder da oposição. É triste olhar para polícias a ganhar miseravelmente e manifestarem-se aos milhares. É triste ver que os funcionários judiciais nunca mais têm o problema resolvido. É triste ver a situação dos militares e a incapacidade de assegurarmos a soberania completa do nosso espaço. É triste ver o que se passou na TAP. Mas também é triste ver o foguetório à volta de tudo. A Justiça está descontrolada. Não pelo que faz. Mas pelo tempo que leva e pelo estardalhaço publicitário de que se rodeia e promove. Ao ponto de antigos procuradores gerais sentirem grande desconforto. Os meios levados para a Madeira lembram a invasão de Granada pelos americanos no tempo de Reagan. Como é possível acreditar que não há coincidências quando se multiplicam e convergem temporalmente investigações sobre políticos e agentes económicos? Quando a natureza é essa sabe-se tudo da investigação. Mas quando se passa no mundo obscuro do narcotráfico não se sabe nada. Nem os nomes dos presos, quanto mais dos juízes, dos procuradores ou dos polícias. Muito menos dos milhares de milhões que o negócio dos estupefacientes gera e onde são aplicados. Afinal para onde vai essa quantidade enorme de dinheiro? Nem os jornalistas de investigação judiciária o dizem. Limitam-se à política e aos negócios. Este clima mediático serve o governo. Deixa-se de falar da vida dos comuns mortais. Tapa-se o país real. Durante semanas tratou-se noticiosamente das horas de espera cruéis nos hospitais, do fecho das urgências de toda a ordem, especialmente as de obstetrícia. No Natal mostrou-se a fome nas ruas, a falta de casas, a degradação desumana da vida dos velhos e dos imigrantes do Indostão. Os casos novelescos de uma justiça que faz entradas de leão em vidas ricas apagam judiciosamente a desgraça quotidiana e os media deixam-se ir nisso. Fazem com que em tempo eleitoral não se fale em profundidade da pobreza, do desemprego, da falta de casas, da saúde e dos projetos que cada um diz querer desenvolver.

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