A armadilha do desenvolvimento do talento
Não parece ser com muros que combatemos a armadilha do desenvolvimento do talento, mas sim com a criação de condições que atraiam novos talentos.
Uma das frases sobre o futuro que mais gosto é a que foi dita pelo escritor de ficção científica William Gibson: “O futuro já está aqui, apenas não está muito bem distribuído”. Tenho a felicidade de trabalhar num dos locais onde o futuro chega mais cedo. Pude ver o potencial transformador da comunicação internacional por correio eletrónico em meados dos anos 80 do século passado e de usar a primeira versão de um navegador web em janeiro de 1993. Foi também no Técnico que assisti à mudança de mentalidade nos alunos que passaram pelas primeiras edições do programa Erasmus e do impacto que teve nas suas carreiras. Numa altura em que a União Europeia era ainda uma Comunidade Económica, o programa Erasmus introduziu o primeiro sentimento de pertença a uma Europa dos cidadãos começando pelo setor da sociedade com maior potencial para a desenvolver: os estudantes universitários. Há 37 anos, 3244 jovens de 11 países, entre os quais Portugal, tiveram a primeira experiência de mobilidade no ensino superior europeu. Atualmente, esse número é de cerca de 300.000 estudantes universitários por ano.
O programa Erasmus mostra aos estudantes as vantagens de uma carreira internacional, desmistificando as barreiras para a iniciar. Vários estudos mostram que a participação no programa Erasmus aumenta entre 18 e 24% a probabilidade de um estudante ir trabalhar para estrangeiro. Esta probabilidade é superior no caso de estudantes originários de níveis sociais mais desfavorecidos e é superior nos estudantes do sexo feminino em relação ao masculino. Num trabalho de 2013, Margarida Rodrigues do Joint Research Centre da Comissão Europeia, encontrou resultados em dados de 16 países que fazem uma associação positiva entre a mobilidade Erasmus e a futura mobilidade para trabalho e aumento de rendimentos. Os efeitos na futura mobilidade encontram-se em todos os países e áreas de educação, mas são mais evidentes nos países do Sul e do Leste da Europa.
A mobilidade internacional trouxe novos desafios a países como Portugal naquilo a que se chama de armadilha do desenvolvimento do talento: a baixa natalidade e o menor desenvolvimento económico torna dramática a saída dos graduados mais qualificados em áreas-chave para a economia. É frequente os governos procurarem sair desta armadilha oferecendo benesses aos que ficam, como o caso do Prémio Salarial em Portugal, em vez de reconhecerem a crescente importância das carreiras internacionais e criar condições atrativas para que estrangeiros as desenvolvam no seu país.
Temos muitos estudantes estrangeiros, que fizeram Erasmus ou outros programas de estudo, que gostariam de continuar essa boa experiência iniciando a sua carreira em Portugal. Para estes, a qualidade de vida será mais importante que o nível salarial. Infelizmente, nem a administração pública nem a grande maioria das empresas têm posições para profissionais qualificados que não dominem a língua portuguesa. Além disso, há dificuldades no reconhecimento do valor da formação do graduado e o ambiente das organizações não está preparado para a diversidade cultural.
As universidades têm dificuldades semelhantes. Apesar da capacidade de atração de professores e alunos internacionais ser um indicador da qualidade da universidade, os países europeus têm graus de internacionalização muito diferentes. Um estudo no âmbito do projeto ETER analisou a internacionalização do corpo docente das universidades de 16 países e juntou Portugal ao grupo do sul da Europa com as taxas de internacionalização mais baixas. O fator linguístico é um dos mais importantes, colocando nos escalões mais elevados de internacionalização os países em que o ensino é feito em inglês ou alemão. Outro fator é a diversidade nas condições que as universidades dos países oferecem para as atividades de investigação e inovação. A baixa internacionalização é uma das maiores fraquezas do sistema universitário europeu quando comparado, por exemplo, com o norte americano.
Passei grande parte da semana passada na Universidade Técnica de Graz, na Áustria, onde vi o que considero ser um futuro para o ensino superior na Europa. Estive num dos dois encontros anuais da aliança de universidades europeias Unite! que reúne 9 universidades de igual número de países, e que inclui a Universidade de Lisboa. Estes eventos juntam professores, investigadores, funcionários e estudantes com o objetivo de transformar e alinhar as suas instituições de origem nas dimensões do ensino, investigação e inovação. Os objetivos são muito diversos e ambiciosos: compatibilizar programas académicos e processos de reconhecimento de qualificações; criar ambientes de trabalho inclusivos onde as diferenças culturais e de língua sejam uma vantagem e não um obstáculo; usar a mobilidade dentro da aliança para tornar mais atrativas as carreiras de educação investigação e administração universitária; partilhar e padronizar boas práticas no ensino, investigação, inovação e gestão académica; promover a evolução de uma ciência moderna para uma ciência aberta.
A aliança Unite! faz parte da iniciativa da Comissão Europeia de alianças de universidades europeias, com o objetivo de fortalecer parcerias estratégicas de ensino, investigação e inovação entre instituições de ensino superior. Tem a ambição de atingir 60 alianças de universidades europeias envolvendo mais de 500 instituições de ensino superior. Ao reunir universidades de países diferentes, as alianças de universidades procuram promover uma mobilidade equilibrada do talento, sejam estudantes, professores, investigadores ou funcionários. Não parece ser com muros que combatemos a armadilha do desenvolvimento do talento, mas sim com a criação de condições que atraiam novos talentos. Felizmente, as universidades continuam a ser o sítio onde hoje podemos encontrar o futuro.
Professor do Instituto Superior Técnico
Uma das frases sobre o futuro que mais gosto é a que foi dita pelo escritor de ficção científica William Gibson: “O futuro já está aqui, apenas não está muito bem distribuído”. Tenho a felicidade de trabalhar num dos locais onde o futuro chega mais cedo. Pude ver o potencial transformador da comunicação internacional por correio eletrónico em meados dos anos 80 do século passado e de usar a primeira versão de um navegador web em janeiro de 1993. Foi também no Técnico que assisti à mudança de mentalidade nos alunos que passaram pelas primeiras edições do programa Erasmus e do impacto que teve nas suas carreiras. Numa altura em que a União Europeia era ainda uma Comunidade Económica, o programa Erasmus introduziu o primeiro sentimento de pertença a uma Europa dos cidadãos começando pelo setor da sociedade com maior potencial para a desenvolver: os estudantes universitários. Há 37 anos, 3244 jovens de 11 países, entre os quais Portugal, tiveram a primeira experiência de mobilidade no ensino superior europeu. Atualmente, esse número é de cerca de 300.000 estudantes universitários por ano.
O programa Erasmus mostra aos estudantes as vantagens de uma carreira internacional, desmistificando as barreiras para a iniciar. Vários estudos mostram que a participação no programa Erasmus aumenta entre 18 e 24% a probabilidade de um estudante ir trabalhar para estrangeiro. Esta probabilidade é superior no caso de estudantes originários de níveis sociais mais desfavorecidos e é superior nos estudantes do sexo feminino em relação ao masculino. Num trabalho de 2013, Margarida Rodrigues do Joint Research Centre da Comissão Europeia, encontrou resultados em dados de 16 países que fazem uma associação positiva entre a mobilidade Erasmus e a futura mobilidade para trabalho e aumento de rendimentos. Os efeitos na futura mobilidade encontram-se em todos os países e áreas de educação, mas são mais evidentes nos países do Sul e do Leste da Europa.
A mobilidade internacional trouxe novos desafios a países como Portugal naquilo a que se chama de armadilha do desenvolvimento do talento: a baixa natalidade e o menor desenvolvimento económico torna dramática a saída dos graduados mais qualificados em áreas-chave para a economia. É frequente os governos procurarem sair desta armadilha oferecendo benesses aos que ficam, como o caso do Prémio Salarial em Portugal, em vez de reconhecerem a crescente importância das carreiras internacionais e criar condições atrativas para que estrangeiros as desenvolvam no seu país.
Temos muitos estudantes estrangeiros, que fizeram Erasmus ou outros programas de estudo, que gostariam de continuar essa boa experiência iniciando a sua carreira em Portugal. Para estes, a qualidade de vida será mais importante que o nível salarial. Infelizmente, nem a administração pública nem a grande maioria das empresas têm posições para profissionais qualificados que não dominem a língua portuguesa. Além disso, há dificuldades no reconhecimento do valor da formação do graduado e o ambiente das organizações não está preparado para a diversidade cultural.
As universidades têm dificuldades semelhantes. Apesar da capacidade de atração de professores e alunos internacionais ser um indicador da qualidade da universidade, os países europeus têm graus de internacionalização muito diferentes. Um estudo no âmbito do projeto ETER analisou a internacionalização do corpo docente das universidades de 16 países e juntou Portugal ao grupo do sul da Europa com as taxas de internacionalização mais baixas. O fator linguístico é um dos mais importantes, colocando nos escalões mais elevados de internacionalização os países em que o ensino é feito em inglês ou alemão. Outro fator é a diversidade nas condições que as universidades dos países oferecem para as atividades de investigação e inovação. A baixa internacionalização é uma das maiores fraquezas do sistema universitário europeu quando comparado, por exemplo, com o norte americano.
Passei grande parte da semana passada na Universidade Técnica de Graz, na Áustria, onde vi o que considero ser um futuro para o ensino superior na Europa. Estive num dos dois encontros anuais da aliança de universidades europeias Unite! que reúne 9 universidades de igual número de países, e que inclui a Universidade de Lisboa. Estes eventos juntam professores, investigadores, funcionários e estudantes com o objetivo de transformar e alinhar as suas instituições de origem nas dimensões do ensino, investigação e inovação. Os objetivos são muito diversos e ambiciosos: compatibilizar programas académicos e processos de reconhecimento de qualificações; criar ambientes de trabalho inclusivos onde as diferenças culturais e de língua sejam uma vantagem e não um obstáculo; usar a mobilidade dentro da aliança para tornar mais atrativas as carreiras de educação investigação e administração universitária; partilhar e padronizar boas práticas no ensino, investigação, inovação e gestão académica; promover a evolução de uma ciência moderna para uma ciência aberta.
A aliança Unite! faz parte da iniciativa da Comissão Europeia de alianças de universidades europeias, com o objetivo de fortalecer parcerias estratégicas de ensino, investigação e inovação entre instituições de ensino superior. Tem a ambição de atingir 60 alianças de universidades europeias envolvendo mais de 500 instituições de ensino superior. Ao reunir universidades de países diferentes, as alianças de universidades procuram promover uma mobilidade equilibrada do talento, sejam estudantes, professores, investigadores ou funcionários. Não parece ser com muros que combatemos a armadilha do desenvolvimento do talento, mas sim com a criação de condições que atraiam novos talentos. Felizmente, as universidades continuam a ser o sítio onde hoje podemos encontrar o futuro.
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