Ciclo de Criatividade e IA

O início de um novo ano é a altura ideal para darmos asas à nossa imaginação e antever o que o futuro nos trará. Há um ano, dificilmente conseguiríamos imaginar todas as consequências do lançamento público em 30 de novembro da versão do ChatGPT usando o GPT-3.5. Ao dar a qualquer pessoa a possibilidade de interagir com um modelo de linguagem de grande escala, abriu a porta a inúmeras aplicações para esta tecnologia. Sabemos que pode ajudar na composição de uma mensagem de correio eletrónico, a encontrar erros em programas de computador, a fazer os trabalhos de casa ou a desenvolver novos medicamentos. Trata-se de um excelente exemplo do ciclo de criatividade que Tina Seelig apresenta no seu livro "Creativity Rules": a imaginação é antever coisas que não existem, a criatividade é a aplicação da imaginação a um desafio, a inovação é o uso da criatividade para gerar soluções únicas e o empreendedorismo é a aplicação da inovação para que uma nova ideia possa ser útil a muitas pessoas, inspirando a sua imaginação e reiniciando o ciclo.

A imaginação e a criatividade são características que, até agora, considerávamos serem próprias dos humanos, apesar de alguns animais demonstrarem comportamentos que indicam a presença de simulações mentais e algum pensamento criativo. A criatividade está associada ao pensamento divergente, um processo mental que envolve a geração de uma ampla variedade de ideias, soluções ou respostas para um problema. Esta associação levou um grupo de psicólogos a desenvolver um estudo em que pediram a cerca de 9 mil participantes que indicassem 10 nomes comuns com a menor relação possível entre si. Um algoritmo computacional que calcula a distância semântica entre essas palavras atribui uma classificação sobre o grau de criatividade da pessoa. Esta classificação mostrou correlacionar-se positivamente com duas outras medidas de criatividade (poderá fazer o seu próprio teste de criatividade em www.datcreativity.com). Fiz o teste para avaliar o grau de criatividade do GPT-4. Usando apenas o contexto dado no site, obtive um resultado de cerca de 75, superior a 33% das pessoas que realizaram o teste. Conhecendo a proverbial preguiça dos modelos de linguagem, repeti o teste com uma explicação mais detalhada da tarefa, obtendo uma classificação de 79, superior a 57% dos que realizaram o teste. Com algumas iterações adicionais atingiu um resultado superior a 83% dos participantes.

Ethan Mollick, um professor da Wharton School da Universidade da Pensilvânia refere 3 trabalhos de 2023 que avaliam o potencial da inteligência artificial (IA) para a criatividade. O primeiro, de Girotra, Meincke, Terwiesch, e Ulrich, compara a capacidade de estudantes de inovação e desenho de produto com o ChatGPT-4 na geração de ideias para novos produtos que possam ser comercializados por um custo inferior a 50 dólares. Para isso usaram 200 ideias geradas por alunos universitários em 2021 (antes da disponibilidade do ChatGPT) e 200 ideias geradas pelo ChatGPT-4, metade sem qualquer exemplo e outra metade dando alguns exemplos de boas ideias. As 400 ideias foram avaliadas por jovens em idade universitária. Os resultados mostraram que as ideias do ChatGPT resultaram numa probabilidade média de venda de 46,8%, sem exemplos, e 49,3% com exemplos. As ideias dos estudantes tiveram uma probabilidade média de vendas de 40,4%. Das 40 ideias com melhor avaliação, 35 foram geradas pelo ChatGPT. Os resultados mostram que oferecer exemplos ajuda o sistema a ter melhor desempenho. O segundo estudo de Boussioux, Lane, Zhang, Jacimovic, e Lakhani, utilizou como base um concurso de ideias de negócio relacionadas com a economia circular. Das ideias submetidas por humanos selecionaram-se aleatoriamente 54 e juntaram-se 180 ideias geradas pelo ChatGPT-4. A avaliação realizada por especialistas considerou as primeiras como mais inovadoras, mas as segundas mostraram ter maior valor ambiental e financeiro. Um terceiro trabalho de Doshi e Hauser focou-se na geração de ideias para escrita criativa e comparou histórias curtas escritas por escritores que usaram a IA para gerarem 3 a 5 ideias como inspiração com histórias escritas sem esse apoio. O estudo mostrou que as histórias escritas pelos primeiros mostraram ser mais criativas e agradáveis de ler. No entanto, os escritores que tiveram apoio na geração de ideias escreveram histórias mais parecidas entre si.

A capacidade dos humanos em gerar novas ideias não aparece do nada. É o fruto da combinação de conceitos resultantes da aprendizagem e experiência de vida que cobre, frequentemente, muitos domínios do saber. Esta é a razão da importância da diversidade nas equipas de inovação: permitem uma base de conceitos mais alargada com maior potencial de gerar uma combinação inovadora. É, também, neste aspeto que os modelos de linguagem de grande escala apresentam vantagens. A vastidão dos materiais com que foram treinados dá-lhes a capacidade de produzirem associações inesperadas, encontrando ligações mais profundas entre textos que escapam aos humanos. Juntam a isto um parâmetro de aleatoriedade, conhecido como temperatura, que faz produzir resultados diferentes em cada iteração. No entanto, essa variabilidade não produz uma diversidade de ideias comparável com as produzidas por um grande número de humanos. Apesar de ainda não chegar ao nível de pessoas muito criativas, a IA mostra já ter a capacidade de gerar ideias com aplicação prática e com potencial para ajudar os humanos no seu processo criativo.

Tenho dificuldade em imaginar que novas aplicações da IA surgirão no ano que agora se inicia, mas as empresas e as pessoas irão certamente descobrir usos inovadores para o trabalho e para a vida diária. Uma coisa é certa, o ciclo de criatividade continuará em 2024.


Luís Caldas de Oliveira

Professor do Instituto Superior Técnico

O início de um novo ano é a altura ideal para darmos asas à nossa imaginação e antever o que o futuro nos trará. Há um ano, dificilmente conseguiríamos imaginar todas as consequências do lançamento público em 30 de novembro da versão do ChatGPT usando o GPT-3.5. Ao dar a qualquer pessoa a possibilidade de interagir com um modelo de linguagem de grande escala, abriu a porta a inúmeras aplicações para esta tecnologia. Sabemos que pode ajudar na composição de uma mensagem de correio eletrónico, a encontrar erros em programas de computador, a fazer os trabalhos de casa ou a desenvolver novos medicamentos. Trata-se de um excelente exemplo do ciclo de criatividade que Tina Seelig apresenta no seu livro "Creativity Rules": a imaginação é antever coisas que não existem, a criatividade é a aplicação da imaginação a um desafio, a inovação é o uso da criatividade para gerar soluções únicas e o empreendedorismo é a aplicação da inovação para que uma nova ideia possa ser útil a muitas pessoas, inspirando a sua imaginação e reiniciando o ciclo.

A imaginação e a criatividade são características que, até agora, considerávamos serem próprias dos humanos, apesar de alguns animais demonstrarem comportamentos que indicam a presença de simulações mentais e algum pensamento criativo. A criatividade está associada ao pensamento divergente, um processo mental que envolve a geração de uma ampla variedade de ideias, soluções ou respostas para um problema. Esta associação levou um grupo de psicólogos a desenvolver um estudo em que pediram a cerca de 9 mil participantes que indicassem 10 nomes comuns com a menor relação possível entre si. Um algoritmo computacional que calcula a distância semântica entre essas palavras atribui uma classificação sobre o grau de criatividade da pessoa. Esta classificação mostrou correlacionar-se positivamente com duas outras medidas de criatividade (poderá fazer o seu próprio teste de criatividade em www.datcreativity.com). Fiz o teste para avaliar o grau de criatividade do GPT-4. Usando apenas o contexto dado no site, obtive um resultado de cerca de 75, superior a 33% das pessoas que realizaram o teste. Conhecendo a proverbial preguiça dos modelos de linguagem, repeti o teste com uma explicação mais detalhada da tarefa, obtendo uma classificação de 79, superior a 57% dos que realizaram o teste. Com algumas iterações adicionais atingiu um resultado superior a 83% dos participantes.

Ethan Mollick, um professor da Wharton School da Universidade da Pensilvânia refere 3 trabalhos de 2023 que avaliam o potencial da inteligência artificial (IA) para a criatividade. O primeiro, de Girotra, Meincke, Terwiesch, e Ulrich, compara a capacidade de estudantes de inovação e desenho de produto com o ChatGPT-4 na geração de ideias para novos produtos que possam ser comercializados por um custo inferior a 50 dólares. Para isso usaram 200 ideias geradas por alunos universitários em 2021 (antes da disponibilidade do ChatGPT) e 200 ideias geradas pelo ChatGPT-4, metade sem qualquer exemplo e outra metade dando alguns exemplos de boas ideias. As 400 ideias foram avaliadas por jovens em idade universitária. Os resultados mostraram que as ideias do ChatGPT resultaram numa probabilidade média de venda de 46,8%, sem exemplos, e 49,3% com exemplos. As ideias dos estudantes tiveram uma probabilidade média de vendas de 40,4%. Das 40 ideias com melhor avaliação, 35 foram geradas pelo ChatGPT. Os resultados mostram que oferecer exemplos ajuda o sistema a ter melhor desempenho. O segundo estudo de Boussioux, Lane, Zhang, Jacimovic, e Lakhani, utilizou como base um concurso de ideias de negócio relacionadas com a economia circular. Das ideias submetidas por humanos selecionaram-se aleatoriamente 54 e juntaram-se 180 ideias geradas pelo ChatGPT-4. A avaliação realizada por especialistas considerou as primeiras como mais inovadoras, mas as segundas mostraram ter maior valor ambiental e financeiro. Um terceiro trabalho de Doshi e Hauser focou-se na geração de ideias para escrita criativa e comparou histórias curtas escritas por escritores que usaram a IA para gerarem 3 a 5 ideias como inspiração com histórias escritas sem esse apoio. O estudo mostrou que as histórias escritas pelos primeiros mostraram ser mais criativas e agradáveis de ler. No entanto, os escritores que tiveram apoio na geração de ideias escreveram histórias mais parecidas entre si.

A capacidade dos humanos em gerar novas ideias não aparece do nada. É o fruto da combinação de conceitos resultantes da aprendizagem e experiência de vida que cobre, frequentemente, muitos domínios do saber. Esta é a razão da importância da diversidade nas equipas de inovação: permitem uma base de conceitos mais alargada com maior potencial de gerar uma combinação inovadora. É, também, neste aspeto que os modelos de linguagem de grande escala apresentam vantagens. A vastidão dos materiais com que foram treinados dá-lhes a capacidade de produzirem associações inesperadas, encontrando ligações mais profundas entre textos que escapam aos humanos. Juntam a isto um parâmetro de aleatoriedade, conhecido como temperatura, que faz produzir resultados diferentes em cada iteração. No entanto, essa variabilidade não produz uma diversidade de ideias comparável com as produzidas por um grande número de humanos. Apesar de ainda não chegar ao nível de pessoas muito criativas, a IA mostra já ter a capacidade de gerar ideias com aplicação prática e com potencial para ajudar os humanos no seu processo criativo.

Tenho dificuldade em imaginar que novas aplicações da IA surgirão no ano que agora se inicia, mas as empresas e as pessoas irão certamente descobrir usos inovadores para o trabalho e para a vida diária. Uma coisa é certa, o ciclo de criatividade continuará em 2024.


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Professor do Instituto Superior Técnico

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02.01.2024

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O início de um novo ano é a altura ideal para darmos asas à nossa imaginação e antever o que o futuro nos trará. Há um ano, dificilmente conseguiríamos imaginar todas as consequências do lançamento público em 30 de novembro da versão do ChatGPT usando o GPT-3.5. Ao dar a qualquer pessoa a possibilidade de interagir com um modelo de linguagem de grande escala, abriu a porta a inúmeras aplicações para esta tecnologia. Sabemos que pode ajudar na composição de uma mensagem de correio eletrónico, a encontrar erros em programas de computador, a fazer os trabalhos de casa ou a desenvolver novos medicamentos. Trata-se de um excelente exemplo do ciclo de criatividade que Tina Seelig apresenta no seu livro "Creativity Rules": a imaginação é antever coisas que não existem, a criatividade é a aplicação da imaginação a um desafio, a inovação é o uso da criatividade para gerar soluções únicas e o empreendedorismo é a aplicação da inovação para que uma nova ideia possa ser útil a muitas pessoas, inspirando a sua imaginação e reiniciando o ciclo.

A imaginação e a criatividade são características que, até agora, considerávamos serem próprias dos humanos, apesar de alguns animais demonstrarem comportamentos que indicam a presença de simulações mentais e algum pensamento criativo. A criatividade está associada ao pensamento divergente, um processo mental que envolve a geração de uma ampla variedade de ideias, soluções ou respostas para um problema. Esta associação levou um grupo de psicólogos a desenvolver um estudo em que pediram a cerca de 9 mil participantes que indicassem 10 nomes comuns com a menor relação possível entre si. Um algoritmo computacional que calcula a distância semântica entre essas palavras atribui uma classificação sobre o grau de criatividade da pessoa. Esta classificação mostrou correlacionar-se positivamente com duas outras medidas de criatividade (poderá fazer o seu próprio teste de criatividade em www.datcreativity.com). Fiz o teste para avaliar o grau de criatividade do GPT-4. Usando apenas o contexto dado no site, obtive um resultado de cerca de 75, superior a 33% das pessoas que realizaram o teste. Conhecendo a proverbial preguiça dos modelos de linguagem, repeti o teste com uma explicação mais detalhada da tarefa, obtendo uma classificação de 79, superior a 57% dos que realizaram o teste. Com algumas iterações adicionais atingiu um resultado superior a 83% dos participantes.

Ethan Mollick, um professor da Wharton School da Universidade da Pensilvânia refere 3 trabalhos de 2023 que avaliam o potencial da inteligência artificial (IA) para a criatividade. O primeiro, de Girotra, Meincke, Terwiesch, e Ulrich, compara a capacidade de estudantes de inovação e desenho de produto com o ChatGPT-4 na geração de ideias para novos produtos que possam ser comercializados por um custo inferior a 50 dólares. Para isso usaram 200 ideias geradas por alunos universitários em 2021 (antes da disponibilidade do ChatGPT) e 200 ideias geradas pelo ChatGPT-4, metade sem qualquer exemplo e outra metade dando alguns exemplos de boas ideias. As 400 ideias foram avaliadas por jovens em idade universitária. Os resultados mostraram que as ideias do ChatGPT resultaram numa probabilidade média de venda de 46,8%, sem........

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