Ver (e ir) mais longe aos ombros de gigantes

Ver (e ir) mais longe aos ombros de gigantes

Luís Oliveira e Silva 27/02/2024 09:32

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A generalidade dos programas dos partidos políticos que se apresentam às próximas eleições oscilam entre visões corporativas e platitudes, fazendo-nos questionar se existe uma visão para a centralidade da ciência, da tecnologia e do ensino superior no futuro do nosso país (ou se, estamos apenas perante elementos decorativos).

Numa carta de 5 de fevereiro de 1675, o físico Isaac Newton escreveu ao seu adversário científico, e polimata, Robert Hooke “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” [1] popularizando uma expressão que remonta à Idade Média. Apesar de vários autores [2] argumentarem que Newton ironizava sobre a baixa estatura (física) de Hooke (algo bastante verosímil, dada a personalidade de Newton), a expressão sobreviveu como metáfora para a forma como as descobertas e os avanços do presente se alicerçam nas descobertas, nos avanços e nos cientistas do passado.

Recordei esta expressão recentemente, por exemplo na preparação das celebrações do 25 de Abril de 1974 na Academia das Ciências de Lisboa, ou nas palestras das X Jornadas de Engenharia Física organizadas a semana passada pelos estudantes de Engenharia Física Tecnológica e do seu Núcleo de Física do Técnico. Nestas jornadas, e na apresentação de Carlos Fiolhais ou no debate com Eduardo Marçal Grilo, Ministro da Educação entre 1995 e 1999 e José António Paixão, Presidente da Sociedade Portuguesa de Física, foi sempre enfatizado o progresso extraordinário da ciência e do ensino superior em Portugal desde o 25 de Abril de 1974, aos ombros de alguns gigantes do nosso passado recente, ilustrado através da evolução dos indicadores quantitativos ou da experiência pessoal dos participantes nos debates.

As oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal que se abrem aos jovens no ensino superior, quer em Portugal quer no estrangeiro, são hoje significativamente mais ricas e diversas e abrangem um número muito maior de jovens, várias ordens de grandeza maior do que há 50 anos. As intervenções dos estudantes que participaram nestas jornadas no Técnico mostram a ansiedade da decisão, perante a liberdade e todos os percursos possíveis para o seu futuro, mas demonstram que são hoje, como lembrava Marçal Grilo, “cidadãos do Mundo”, livres, educados e preparados para enfrentar os maiores desafios intelectuais e científicos em qualquer parte do globo.

Partimos com grande atraso: cultura universitária sem forte tradição científica, mesmo nas instituições criadas com a primeira república, núcleos mais activos da universidade silenciados, dimensão sub-crítica no ensino superior e na ciência a que acedia apenas uma fracção reduzida e muito exclusiva da população. Só conseguimos começar verdadeiramente a romper estas limitações a partir de meados dos anos 80 do séc. XX o que torna o progresso que hoje observamos ainda mais impressionante.

Muitas das intervenções revelam, no entanto, aquilo a que chamei o “Spleen da Ciência em Portugal no séc. XXI” em homenagem às coleções de poemas em prosa de Charles Baudelaire do final do séc. XIX. Num desses poemas, “Spleen de Paris”, Baudelaire transmitia a melancolia e tristeza cosmopolita do final de século. Em relação à ciência e às Universidades em Portugal, sente-se também alguma melancolia, um hiato de transição, a sensação de saber que todo o potencial que encerramos (dos estudantes, dos cientistas, da comunidade, das instituições) ainda está verdadeiramente por concretizar.

A ambição dos últimos 50 anos está parcialmente cumprida - as questões que se nos colocam hoje são semelhantes às questões filosóficas da meia-idade (da ciência moderna em Portugal?) [2]): “É só isto?” ou “E agora?”. Será que tal, como com Baudelaire, este “Spleen da Ciência em Portugal” é a antecipação de grandes transformações sociais, culturais e científicas do, um novo salto qualitativo (na Ciência e nas universidades), que nos permita reforçar a ambição que nos trouxe aqui?

A generalidade dos programas dos partidos políticos que se apresentam às próximas eleições oscilam entre visões corporativas e platitudes, fazendo-nos questionar se existe uma visão para a centralidade da ciência, da tecnologia e do ensino superior no futuro do nosso país (ou se, estamos apenas perante elementos decorativos). Por oposição, é nas intervenções, nas dúvidas, e nas ações dos jovens universitários e futuros cientistas e engenheiros, como aqueles que organizaram as Jornadas de Engenharia Física (e todas as outras jornadas organizadas pelos estudantes e que estas semanas enchem o Técnico) que encontramos a esperança para nos surpreenderem com as suas conquistas, os seus feitos futuros e a sua capacidade de mudar o mundo – elas e eles serão os gigantes em que nos apoiaremos para uma sociedade melhor.

[1] https://digitallibrary.hsp.org/index.php/ Detail/objects/9792
[2] Ver, por exemplo, J. Gribbin and M. Gribbin, Out of the Shadow of a Giant, William Collins, 2017
[3] Kieran Setiya, Midlife: a philosophical guide, Princeton University Press, 2017

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/

Numa carta de 5 de fevereiro de 1675, o físico Isaac Newton escreveu ao seu adversário científico, e polimata, Robert Hooke “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” [1] popularizando uma expressão que remonta à Idade Média. Apesar de vários autores [2] argumentarem que Newton ironizava sobre a baixa estatura (física) de Hooke (algo bastante verosímil, dada a personalidade de Newton), a expressão sobreviveu como metáfora para a forma como as descobertas e os avanços do presente se alicerçam nas descobertas, nos avanços e nos cientistas do passado.

Recordei esta expressão recentemente, por exemplo na preparação das celebrações do 25 de Abril de 1974 na Academia das Ciências de Lisboa, ou nas palestras das X Jornadas de Engenharia Física organizadas a semana passada pelos estudantes de Engenharia Física Tecnológica e do seu Núcleo de Física do Técnico. Nestas jornadas, e na apresentação de Carlos Fiolhais ou no debate com Eduardo Marçal Grilo, Ministro da Educação entre 1995 e 1999 e José António Paixão, Presidente da Sociedade Portuguesa de Física, foi sempre enfatizado o progresso extraordinário da ciência e do ensino superior em Portugal desde o 25 de Abril de 1974, aos ombros de alguns gigantes do nosso passado recente, ilustrado através da evolução dos indicadores quantitativos ou da experiência pessoal dos participantes nos debates.

As oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal que se abrem aos jovens no ensino superior, quer em Portugal quer no estrangeiro, são hoje significativamente mais ricas e diversas e abrangem um número muito maior de jovens, várias ordens de grandeza maior do que há 50 anos. As intervenções dos estudantes que participaram nestas jornadas no Técnico mostram a ansiedade da decisão, perante a liberdade e todos os percursos possíveis para o seu futuro, mas demonstram que são hoje, como lembrava Marçal Grilo, “cidadãos do Mundo”, livres, educados e preparados para enfrentar os maiores desafios intelectuais e científicos em qualquer parte do globo.

Partimos com grande atraso: cultura universitária sem forte tradição científica, mesmo nas instituições criadas com a primeira república, núcleos mais activos da universidade silenciados, dimensão sub-crítica no ensino superior e na ciência a que acedia apenas uma fracção reduzida e muito exclusiva da população. Só conseguimos começar verdadeiramente a romper estas limitações a partir de meados dos anos 80 do séc. XX o que torna o progresso que hoje observamos ainda mais impressionante.

Muitas das intervenções revelam, no entanto, aquilo a que chamei o “Spleen da Ciência em Portugal no séc. XXI” em homenagem às coleções de poemas em prosa de Charles Baudelaire do final do séc. XIX. Num desses poemas, “Spleen de Paris”, Baudelaire transmitia a melancolia e tristeza cosmopolita do final de século. Em relação à ciência e às Universidades em Portugal, sente-se também alguma melancolia, um hiato de transição, a sensação de saber que todo o potencial que encerramos (dos estudantes, dos cientistas, da comunidade, das instituições) ainda está verdadeiramente por concretizar.

A ambição dos últimos 50 anos está parcialmente cumprida - as questões que se nos colocam hoje são semelhantes às questões filosóficas da meia-idade (da ciência moderna em Portugal?) [2]): “É só isto?” ou “E agora?”. Será que tal, como com Baudelaire, este “Spleen da Ciência em Portugal” é a antecipação de grandes transformações sociais, culturais e científicas do, um novo salto qualitativo (na Ciência e nas universidades), que nos permita reforçar a ambição que nos trouxe aqui?

A generalidade dos programas dos partidos políticos que se apresentam às próximas eleições oscilam entre visões corporativas e platitudes, fazendo-nos questionar se existe uma visão para a centralidade da ciência, da tecnologia e do ensino superior no futuro do nosso país (ou se, estamos apenas perante elementos decorativos). Por oposição, é nas intervenções, nas dúvidas, e nas ações dos jovens universitários e futuros cientistas e engenheiros, como aqueles que organizaram as Jornadas de Engenharia Física (e todas as outras jornadas organizadas pelos estudantes e que estas semanas enchem o Técnico) que encontramos a esperança para nos surpreenderem com as suas conquistas, os seus feitos futuros e a sua capacidade de mudar o mundo – elas e eles serão os gigantes em que nos apoiaremos para uma sociedade melhor.

[1] https://digitallibrary.hsp.org/index.php/ Detail/objects/9792
[2] Ver, por exemplo, J. Gribbin and M. Gribbin, Out of the Shadow of a Giant, William Collins, 2017
[3] Kieran Setiya, Midlife: a philosophical guide, Princeton University Press, 2017

Professor Catedrático do Departamento de Física, Instituto Superior Técnico
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Numa carta de 5 de fevereiro de 1675, o físico Isaac Newton escreveu ao seu adversário científico, e polimata, Robert Hooke “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” [1] popularizando uma expressão que remonta à Idade Média. Apesar de vários autores [2] argumentarem que Newton ironizava sobre a baixa estatura (física) de Hooke (algo bastante verosímil, dada a personalidade de Newton), a expressão sobreviveu como metáfora para a forma como as descobertas e os avanços do presente se alicerçam nas descobertas, nos avanços e nos cientistas do passado.

Recordei esta expressão recentemente, por exemplo na preparação das celebrações do 25 de Abril de 1974 na Academia das Ciências de Lisboa, ou nas palestras das X Jornadas de Engenharia Física organizadas a semana passada pelos estudantes de Engenharia Física Tecnológica e do seu Núcleo de Física do Técnico. Nestas jornadas, e na apresentação de Carlos Fiolhais ou no debate com Eduardo Marçal Grilo, Ministro da Educação entre 1995 e 1999 e José António Paixão, Presidente da Sociedade Portuguesa de Física, foi sempre enfatizado o progresso extraordinário da ciência e do ensino superior em Portugal desde o 25 de Abril de 1974, aos ombros de alguns gigantes do nosso passado recente, ilustrado através da evolução dos indicadores quantitativos ou da experiência pessoal dos participantes nos debates.

As oportunidades de desenvolvimento profissional e pessoal que se abrem aos jovens no ensino superior, quer em Portugal quer no estrangeiro, são hoje significativamente mais ricas e diversas e abrangem um número muito maior de jovens, várias ordens de grandeza maior do que há 50 anos. As intervenções dos estudantes que participaram nestas jornadas no Técnico mostram a ansiedade da decisão, perante a liberdade e todos os percursos possíveis para o seu futuro, mas demonstram que são hoje, como lembrava Marçal Grilo, “cidadãos do Mundo”, livres, educados e preparados para........

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