A finlandização da Europa?
Depois de a Finlândia ter aderido à NATO não se escapa à ironia de, pela mão de Trump, estarmos a assistir à finlandização do continente europeu.
Descontado o auto-atribuído “excepcionalismo”, há uma constante na política externa dos EUA: a alternância entre períodos de isolacionismo (mesmo que “limitado” a todo o continente, incluindo as Américas central e do Sul) e de intervencionismo. Como a Europa gosta de se ver como o umbigo do mundo, tende a confundir o intervencionismo americano noutras latitudes com um regresso ao isolacionismo. A decisão americana de se dedicar à China remonta a 2009, com Obama. Trump, enquanto Presidente, limitou-se, de forma desastrada, a reduzir o “pivot” para o Pacífico (o eufemismo para “agora vamos tratar da China”) a uma guerra comercial que não reduziu o desequilíbrio da balança de transacções correntes e só prejudicou o consumidor americano, em particular os mais pobres, supostamente uma parte substancial do seu eleitorado.
Biden teria gostado de regressar ao plano Obama mas tem tido de fazer face a duas distracções, uma iniciada por Putin a 24 de Fevereiro de 2022 e outra, desencadeada pelo Hamas a 7 de Outubro de 2023, em resposta ao projecto de Washington de delegar numa joint venture entre Israel e a Arábia Saudita a gestão do Médio Oriente. Os EUA consideram que já não precisam dos europeus e todos os Presidentes americanos, desde Eisenhower, disseram, com bons modos, ao velho mundo para tratar da sua defesa, o que implica pagá-la. Desde que Obama revogou a legislação que proibia os EUA de exportarem petróleo e gás natural em quantidades significativas, o Médio Oriente só conta em Washington quando em período eleitoral e se Israel o reivindicar.
Com Trump em campanha eleitoral não espanta o regresso do name shaming dos europeus que não respeitam o burden sharing na NATO. Dizer ao americano médio que os europeus não pagam a conta da defesa é um crowd pleaser. Entre as angústias existenciais de alemães e o generalizado free ride dos restantes, a Europa não tem uma capacidade real de defesa. Sem o amigo americano a garantia de legítima defesa colectiva que sustenta a NATO não vale o papel em que está escrito o artigo 5º do Tratado de Washington.
Mesmo que surja a vontade política, traduzida num súbito e violento aumento da despesa em defesa, os europeus precisarão de uma década para adquirirem capacidades militares efectivas. Esta estimativa vale para coisas tão comezinhas como a reposição dos stocks de munições, como explicou esta semana o CEO da Rheinmetall.
A necessidade de a Europa mudar de vida foi tornada evidente pela invasão da Ucrânia pela Rússia. A guerra por procuração que estamos a travar com Moscovo, mesmo que corresse bem, nunca desobrigaria os europeus de se dotarem de uma defesa que funcione como dissuasão de uma nova “operação militar especial”. A 27 de Fevereiro de 2022 Olaf Scholz pronunciou no Bundestag um discurso em que anunciou a necessidade de mudar de vida. Dois anos volvidos, o discurso Zeitenwende continua letra morta. Se Trump for re-eleito e se mantiver o convite a Putin para fazer aos “delinquent europeans” o que bem entender, a Europa finlandizar-se-á. Sem capacidades de defesa, sem orçamento, sem tempo, sem decisões políticas nacionais corajosas e sem um mecanismo institucional eficaz de tomada de decisões em matéria de defesa e de política externa na União Europeia (vítima dos vetos de Órban ao dia de hoje e de Fico nos dias de amanhã), os Europeus deverão organizar-se para pagar um tributo pela protecção de Trump ou pela não agressão de Putin.
Descontado o auto-atribuído “excepcionalismo”, há uma constante na política externa dos EUA: a alternância entre períodos de isolacionismo (mesmo que “limitado” a todo o continente, incluindo as Américas central e do Sul) e de intervencionismo. Como a Europa gosta de se ver como o umbigo do mundo, tende a confundir o intervencionismo americano noutras latitudes com um regresso ao isolacionismo. A decisão americana de se dedicar à China remonta a 2009, com Obama. Trump, enquanto Presidente, limitou-se, de forma desastrada, a reduzir o “pivot” para o Pacífico (o eufemismo para “agora vamos tratar da China”) a uma guerra comercial que não reduziu o desequilíbrio da balança de transacções correntes e só prejudicou o consumidor americano, em particular os mais pobres, supostamente uma parte substancial do seu eleitorado.
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