Basta olharmos para os últimos resultados dos exames nacionais do 9.º ano de matemática para percebermos que a relação que os alunos têm com a disciplina é cada vez mais difícil.

58% dos alunos tiveram um resultado negativo. Mais: um em cada dez alunos não chegou aos 10%! Se considerarmos que a matemática é essencial na vida pessoal, académica e profissional, este só pode ser um assunto para o qual devemos olhar com preocupação.

São muitas as razões que podem ser apontadas para estes resultados. As mais recentes prendem-se com a falta de professores, alunos sem aulas e, claro, as costas largas da pandemia. Naturalmente todos estes fatores contam, sobretudo cumulativamente. Quando esperávamos que houvesse um reforço das aprendizagens depois dos trágicos anos de pandemia, os alunos foram confrontados com greves e falta de professores. Mas este não é um problema recente, nem está relacionado só com o 9.º ano, mas com todo o percurso até ao final do 3.º ciclo.

A matemática entra na vida das crianças no pré-escolar através das contagens naturais e espontâneas do dia-a-dia, seja do número de meninos da sala, dos que faltam, dos pratos, talheres e copos que se põem à mesa, da partilha e divisão, da introdução de formas e padrões e também de todas as brincadeiras que serão a base para um raciocínio lógico, matemático e hipotético-dedutivo. Estes são talvez os anos em que a matemática é ensinada e aprendida com maior naturalidade, prazer e também de forma mais eficaz.

No 1.º ciclo o programa passa a ser imposto, demasiado vasto e por vezes confuso. Não só é extenso, como os conteúdos são díspares e com pouco tempo de consolidação. Os alunos ainda mal aprenderam a tabuada (muitos nunca a chegam a aprender!) e já estão nas contas de dividir e nas frações. Na correria de cumprir o programa, por maior que seja o esforço, a sensibilidade ou a criatividade do professor, é fácil que muitos alunos terminem o 4.º ano sem estarem preparados para a complexidade do 2.º ciclo. E aí começa uma nova correria contra o tempo, com uma sucessão de conteúdos dispersos mal assimilados – que requerem um nível de abstração que ainda não está totalmente desenvolvido –, que se vão acumulando impiedosamente. Começam também as explicações fora da escola, que evidenciam e agravam as injustiças sociais.

Chegados ao 9.º ano, parte-se do princípio de que todos os alunos, independentemente das suas características, deverão dominar uma série de aprendizagens ‘essenciais’ que vão da resolução de problemas e raciocínio matemático às inequações, funções algébricas, equações, geometria, distâncias, trigonometria ou probabilidades. Como os conteúdos são demasiados, alguns são tratados com superficialidade e a maioria dos alunos não os consegue acompanhar, acabando por desenvolver aversão à disciplina, sem nunca descobrir nela a beleza que alguns matemáticos lhe encontram.

A matemática é crucial a todos os níveis, não só em termos práticos, mas também ao nível do desenvolvimento cognitivo, pelo que é preocupante que seja uma disciplina inimiga dos alunos.

Seria importante olhar de frente para este problema e perceber até que ponto, além das lacunas da pandemia ou da falta de professores, o programa curricular e a forma de ensino da disciplina são adequados. Segundo os resultados dos exames parece que não. Será que as aprendizagens essenciais são adquiridas? Faz sentido este programa curricular, independentemente do percurso escolar e escolha profissional de cada jovem? Será que não pode criar animosidades com a disciplina e condicionar a escolha da área no 10.º ano e por consequência a escolha profissional? Não é evidente que estes resultados vão ter implicações graves na motivação e autoestima dos alunos?

Teria curiosidade de saber qual seria a média dos exames nacionais de matemática do 9.º ano se fossem realizados pela população adulta da nossa sociedade.

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com

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O problema da matemática: os números não enganam

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27.02.2024

Basta olharmos para os últimos resultados dos exames nacionais do 9.º ano de matemática para percebermos que a relação que os alunos têm com a disciplina é cada vez mais difícil.

58% dos alunos tiveram um resultado negativo. Mais: um em cada dez alunos não chegou aos 10%! Se considerarmos que a matemática é essencial na vida pessoal, académica e profissional, este só pode ser um assunto para o qual devemos olhar com preocupação.

São muitas as razões que podem ser apontadas para estes resultados. As mais recentes prendem-se com a falta de professores, alunos sem aulas e, claro, as costas largas da pandemia. Naturalmente todos estes fatores contam, sobretudo cumulativamente. Quando esperávamos que houvesse um reforço das aprendizagens depois dos trágicos anos de pandemia, os alunos foram confrontados com greves e falta de professores. Mas este não é um problema recente, nem está relacionado só com o 9.º ano, mas com todo o percurso até ao final do 3.º ciclo.

A matemática entra........

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