Como previ, as críticas do Partido Socialista a Marcelo Rebelo de Sousa desapareceram como por encanto depois da eleição de Pedro Nuno Santos para secretário-geral.

De facto, o novo líder não tinha nenhum interesse em manter uma frente de combate contra o Presidente da República – frente essa aberta desastradamente por António Costa, com consequências desastrosas para si e para o partido (como depois se viu).

Pedro Nuno Santos percebeu logo isso, e deu instruções rigorosas aos socialistas para não falarem mais no assunto.

Apenas aqui e ali surge um comentador afeto ao PS, mais distraído, a dizer que, se das eleições de 10 de março não sair uma maioria parlamentar estável, a culpa é do Presidente – que levou ‘irresponsavelmente’ o país para eleições.

Por outro lado, António Costa, embora já tenha desaparecido de cena (como também antecipei), esforçou-se depois da demissão por provar que o seu Governo estava a governar bem e que a interrupção do mandato não fez sentido e devia ter sido evitada.

Recorde-se o seu afã em visitar obras, em acelerar decisões com vista ao futuro, como o TGV, em divulgar resultados.

Ainda na semana passada o ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, veio anunciar com pompa e circunstância que a dívida pública em 2023 ficou abaixo dos 100% do PIB – um feito notável, na verdade.

Mas isto conduz à questão inicial e leva-me a perguntar: será que Marcelo Rebelo Sousa cometeu mesmo um erro ao dissolver o Parlamento?

Será que não devia ter aceitado a demissão de António Costa? Ou, consumada esta, devia ter admitido a proposta de pôr Mário Centeno como primeiro-ministro?

É bom lembrar que a demissão de António Costa nada teve que ver com o Presidente da República. Foi uma decisão pessoal do primeiro-ministro – que nem sequer resultou do célebre último parágrafo do comunicado da Procuradoria-Geral da República, como ele afirmou.

Nem sequer dos famosos 75 800 euros encontrados no gabinete de Vítor Escária em S. Bento.

Nem mesmo da «indecente e má figura» de que falou Pedro Passos Coelho.

A gota de água chamou-se João Galamba.

Foi isso que precipitou tudo.

Tendo iniciado uma guerra com o Presidente da República a propósito de Galamba, o primeiro-ministro amarrou o seu destino ao do ministro das Infraestruturas; e ficou sem chão quando este caiu nas malhas da Justiça.

Quando as suspeitas da Operação Influencer desabaram em cheio sobre João Galamba, Costa sentiu que tinha perdido o braço-de-ferro que mantinha com Marcelo.

Se continuasse no cargo, ficaria numa posição fraquíssima.

Numa posição fragilíssima perante o Presidente da República e perante o país.

Não lhe restava pois outro caminho senão demitir-se.

Mas insisto: depois disto, o Presidente da República não poderia ter insistido com ele para ficar – ou, caso não fosse possível, nomear Mário Centeno para o substituir, deixando o resto na mesma e evitando dissolver o Parlamento?

Constitucionalmente podia; na prática, não.

Existia, como se sabe, o péssimo antecedente de Pedro Santana Lopes – que hoje reconhece que não deveria ter aceite ser primeiro-ministro sem ir a eleições.

Mas havia mais: o PS tinha de escolher um novo líder para render Costa – e como seriam as relações deste com Centeno?

Se o novo líder fosse Pedro Nuno Santos, como é natural, como articularia este a sua ação com a do novo primeiro-ministro?

As relações entre os dois não seriam nada fáceis.

Dificilmente Pedro Nuno Santos ficaria passivamente dois anos à espera para se candidatar à liderança do Governo.

Um Executivo assim formado duraria um ano, se durasse.

A não dissolução do Parlamento não resolveria, pois, coisa nenhuma – e os problemas políticos que as próximas eleições poderão colocar só seriam adiados.

A realidade é o que é. E Marcelo Rebelo de Sousa não tinha meios para a alterar. Marcelo pode ser criticado por muita coisa – mas neste processo não é sério nem justo assacarem-lhe responsabilidades.

O processo Influencer matou Galamba, Costa foi atingido por ricochete e tinha de se demitir, Marcelo não podia fazer outra coisa se não ir para eleições.

Se o não fizesse, a situação apodreceria e chegaríamos depois a eleições ainda pior.

QOSHE - A culpa será de Marcelo? - José António Saraiva
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A culpa será de Marcelo?

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10.02.2024

Como previ, as críticas do Partido Socialista a Marcelo Rebelo de Sousa desapareceram como por encanto depois da eleição de Pedro Nuno Santos para secretário-geral.

De facto, o novo líder não tinha nenhum interesse em manter uma frente de combate contra o Presidente da República – frente essa aberta desastradamente por António Costa, com consequências desastrosas para si e para o partido (como depois se viu).

Pedro Nuno Santos percebeu logo isso, e deu instruções rigorosas aos socialistas para não falarem mais no assunto.

Apenas aqui e ali surge um comentador afeto ao PS, mais distraído, a dizer que, se das eleições de 10 de março não sair uma maioria parlamentar estável, a culpa é do Presidente – que levou ‘irresponsavelmente’ o país para eleições.

Por outro lado, António Costa, embora já tenha desaparecido de cena (como também antecipei), esforçou-se depois da demissão por provar que o seu Governo estava a governar bem e que a interrupção do mandato não fez sentido e devia ter sido evitada.

Recorde-se o seu afã em visitar obras, em........

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