Há algumas semanas escrevi um texto sobre o tamanho dos carros, cujas dimensões têm vindo sempre a aumentar. A propósito, o leitor Rui Rodrigues, que se interessa pelo tema dos transportes e respetiva tecnologia, enviou-me depois os seguintes dados: «Os carros SUV já representam mais de 40% das novas viaturas. Um SUV pesa mais 200 Kg do que uma viatura normal. E em média consome mais 20% de energia, devido ao peso e ao maior volume da carroçaria. Neste momento, é uma das causas do aumento de consumo de energia no nosso país. A sua manutenção também é mais cara. Num dos modelos mais vendidos em Portugal, o Peugeot 3008, só a substituição de quatro pneus custa mil euros».

Basta isto para verificarmos as contradições e a hipocrisia do discurso ambiental. Dizem-nos que devemos comprar carros elétricos, que não são poluentes. Que devemos consumir gasolina verde, que é mais amiga do ambiente. Mas depois constroem-se carros cada vez maiores, com mais lata, com mais plástico, com maior consumo.

Muita gente compra um carro elétrico ou usa gasolina verde sentindo-se orgulhosa da sua contribuição para a preservação do planeta, não percebendo que está a ser vítima de um embuste. Com a sua capa ‘virtuosa’, o discurso ambientalista tornou-se um instrumento de marketing, um veículo de propaganda.

Noutro plano, vejam-se os produtos light, com ‘zero açúcar’ ou ‘zero gordura’. A sua intenção será defender a saúde das pessoas? Ou será levá-las a consumir mais, sem preocupações nem problemas de consciência? «Olha, podes beber disto à vontade, porque não tem açúcar». «Podes comer à vontade, porque não engorda». E as pessoas vão na conversa e consomem. Comem e bebem. Não se retraem.

Fingindo que está a contribuir para a defesa do ambiente, o discurso ambientalista, assumido pelas marcas e difundido pela publicidade, tem por único objetivo levar as pessoas a consumir. Ora, o aumento do consumo, que arrasta o aumento da produção, é exatamente o que está na base da catástrofe ambiental.

E ainda por cima de vez em quando descobre-se que esses produtos light têm consequências para a saúde bem piores do que os produtos tradicionais. Fala-se do espartano, por exemplo, que substitui o açúcar em algumas bebidas e parece mais perigoso.

Mas a propaganda verde estende-se a tudo e é cada vez mais contraditória e enganosa. Numa loja de chineses vi uns pequenos tubos de cola metidos numa grande e complicada embalagem de cartão. Estranhei. Mas depois percebi. Em local bem visível, lia-se: «Zero plástico». A diabolização do plástico tornou-se um meio de propaganda.

Que só é usado, porém, quando dá jeito.

Nos supermercados acabaram com a oferta de sacos de plástico – que, diga-se de passagem, davam bastante jeito. Mas, ao mesmo tempo, muitos produtos passaram a ser embalados em caixas de plástico perfeitamente desnecessárias. Aquilo que antes se vendia a granel, ou embrulhado num papel, ou metido num cartucho, vem hoje frequentemente embalado em plástico. Veem-se avantajadas caixas plásticas contendo no interior… dois bolos. E embalagens plastificadas com… quatro maçãs lá dentro. Aqui o plástico já não faz mal. Neste caso, a justificação é a saúde: assim é mais higiénico. Os produtos embalados são mais seguros. Enfim, alega-se aquilo que convém em cada situação. Mas o objetivo é sempre o mesmo: vender mais.

Para se ter uma ideia da proliferação das embalagens nos dias de hoje basta ver o lixo produzido por uma família. Há uns vinte anos, um simples saco dava para acomodar o desperdício de um dia. Hoje, um enorme caixote fica a deitar por fora com caixas de plástico, garrafas de plástico, caixas de cartão, garrafas e boiões de vidro, latas de metal, eu sei lá!

Vivemos num ambiente de mentira e hipocrisia.

Da propaganda ambiental passa-se à propaganda política, da qual toda a sinceridade está ausente e onde já só interessa a caça despudorada ao voto. E da propaganda política passa-se à promoção ideológica, que constantemente nos bombardeia com chavões como ‘racismo’, ‘xenofobia’, ‘homofobia’, ‘igualdade de género’, etc., que há uma década pouco se ouviam e que só têm contribuído para estimular reações contrárias – justificando a existência de organizações de defesa disto e daquilo, tipo SOS Racismo, que consomem cada vez mais grossas fatias do orçamento.

É este o mundo disgusting em que vivemos. Que leva os indivíduos a desconfiar de tudo: dos políticos, da publicidade, das mensagens ‘caridosas’. E que, passando da desconfiança nos políticos e nas instituições para as relações humanas, estraga por completo os laços entre as pessoas.

É triste escrever isto em tempo de Natal. Mas é exatamente nesta época que este mal mais se sente.

QOSHE - A hipocrisia ambientalista - José António Saraiva
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A hipocrisia ambientalista

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05.01.2024

Há algumas semanas escrevi um texto sobre o tamanho dos carros, cujas dimensões têm vindo sempre a aumentar. A propósito, o leitor Rui Rodrigues, que se interessa pelo tema dos transportes e respetiva tecnologia, enviou-me depois os seguintes dados: «Os carros SUV já representam mais de 40% das novas viaturas. Um SUV pesa mais 200 Kg do que uma viatura normal. E em média consome mais 20% de energia, devido ao peso e ao maior volume da carroçaria. Neste momento, é uma das causas do aumento de consumo de energia no nosso país. A sua manutenção também é mais cara. Num dos modelos mais vendidos em Portugal, o Peugeot 3008, só a substituição de quatro pneus custa mil euros».

Basta isto para verificarmos as contradições e a hipocrisia do discurso ambiental. Dizem-nos que devemos comprar carros elétricos, que não são poluentes. Que devemos consumir gasolina verde, que é mais amiga do ambiente. Mas depois constroem-se carros cada vez maiores, com mais lata, com mais plástico, com maior consumo.

Muita gente compra um carro elétrico ou usa gasolina verde sentindo-se orgulhosa da sua contribuição para a preservação do planeta, não percebendo que está a ser vítima de um embuste. Com........

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