A decisão de extinguir o SEF foi tomada a quente, depois da morte de um imigrante ucraniano no aeroporto de Lisboa, num ambiente político totalmente diferente. Hoje, o foco das preocupações já não está nos maus-tratos infligidos a imigrantes, mas no perigo que estes podem representar para a segurança do país. E, nesse quadro, a extinção do SEF é pouco compreensível.

Há meia dúzia de semanas, talvez nem tanto, vi e ouvi a ministra Ana Catarina Mendes dizer, num programa televisivo em direto, respondendo a uma pergunta sobre a imigração, o seguinte: «A política do Governo é deixar entrar todos os que queiram vir para Portugal».

E há dias, sobre o mesmo tema, a mesma ministra afirmou: «A nossa prioridade é a recomposição das famílias».

Aparentemente, não há contradição entre as duas declarações.

Ambas representam uma posição favorável à imigração.

Eu não interpreto, porém, a questão desse modo.

E já explicarei porquê.

Entre uma declaração e outra, ocorreu um facto importantíssimo: o ataque do Hamas a Israel e o início da guerra naquela zona.

O ataque do Hamas, pela sua extrema violência – que foi programada e não acidental, o que a torna ainda mais assustadora –, pôs o Ocidente em estado de alerta.

Em toda a Europa – e também em Portugal – o risco de ações terroristas islâmicas aumentou dez vezes.

O Governo português teve de tomar medidas.

E Ana Catarina Mendes, ao dizer que a prioridade do Governo é a recomposição das famílias, disse implicitamente que as outras situações não são prioritárias.

Que podem ser proteladas.

Sem o assumir diretamente, o Governo terá reforçado o controlo nas fronteiras e a vigilância sobre a entrada de imigrantes.

Terá suspendido a política de portas escancaradas.

É óbvio que, depois de tudo o que dissera sobre as vantagens da imigração, o Executivo de António Costa não podia de um dia para o outro inverter o discurso e passar a dizer o contrário.

Tinha de encontrar uma fórmula que, parecendo simpática e humana para os imigrantes, apontasse noutro sentido, estabelecendo algumas limitações.

E a fórmula foi esta: dizer que aposta prioritariamente na reunificação das famílias.

Quem a pode contestar?

Mas, ao dizer isto, está implicitamente a condicionar a entrada de imigrantes que não se insira naquele objetivo.

Entretanto, se o que fica faz sentido, é incompreensível que, ao mesmo tempo, o Governo extinga o organismo especializado no controlo das fronteiras.
Se bem me lembro, o anúncio dessa extinção foi feito a quente pelo ministro Eduardo Cabrita depois da morte de um cidadão ucraniano nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, em consequência de agressões físicas infligidas por agentes daquela polícia.

O assassínio de Homenyuk provocara uma grande comoção – até porque estava muito fora dos nossos hábitos –, e a extinção do SEF foi a resposta política a esse sentimento.

Mas hoje o ambiente é completamente diferente.

É mesmo quase o oposto.

O foco da opinião pública já não está no modo como tratamos os imigrantes mas no perigo que estes podem representar para a segurança do país.

E, neste quadro, o fim do SEF causa imensa preocupação.

Como compreender que, quando a tensão entre o Ocidente e o mundo islâmico aumenta enormemente, e o espetro do terrorismo se agiganta, seja extinta a Polícia que controlava a entrada de estrangeiros em Portugal?

Aliás, vista à distância, a decisão de extinguir o SEF foi uma precipitação.
Ou uma jogada para proteger um ministro.
Nessa altura, Eduardo Cabrita já começava a estar fragilizado – e essa decisão foi uma manobra de sobrevivência.

Em nenhum país do mundo a morte de um cidadão por agentes de uma Polícia conduz diretamente à sua extinção.

Por esta lógica, provavelmente já nenhuma Polícia do mundo existiria.

O normal seria que os agentes envolvidos na agressão fossem punidos e julgados, como foram; que o diretor da Policia fosse demitido, mesmo não tendo relação com o caso; mas não fazia qualquer sentido extinguir o SEF.

Todos sabemos a dificuldade que existe na transferência de competências de um organismo para outro – qualquer que seja o setor – e o vazio que muitas vezes se cria.

Porquê correr agora este risco?

Para tranquilizar as pessoas, o Governo pode dizer que nada muda, que a segurança se manterá como dantes.

Mas se nada muda, por que se desmantelou o SEF?

Essa decisão só se justificaria para fazer uma mudança profunda nas responsabilidades e nos procedimentos.

Ora, é precisamente isso que ninguém compreende.

Ninguém percebe que se remodele o sistema de controlo das fronteiras, num momento em que o risco atinge valores máximos.

É como render a guarda de um palácio quando se está sob a ameça de um ataque.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt

QOSHE - A imprudente extinção do SEF - José António Saraiva
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A imprudente extinção do SEF

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04.11.2023

A decisão de extinguir o SEF foi tomada a quente, depois da morte de um imigrante ucraniano no aeroporto de Lisboa, num ambiente político totalmente diferente. Hoje, o foco das preocupações já não está nos maus-tratos infligidos a imigrantes, mas no perigo que estes podem representar para a segurança do país. E, nesse quadro, a extinção do SEF é pouco compreensível.

Há meia dúzia de semanas, talvez nem tanto, vi e ouvi a ministra Ana Catarina Mendes dizer, num programa televisivo em direto, respondendo a uma pergunta sobre a imigração, o seguinte: «A política do Governo é deixar entrar todos os que queiram vir para Portugal».

E há dias, sobre o mesmo tema, a mesma ministra afirmou: «A nossa prioridade é a recomposição das famílias».

Aparentemente, não há contradição entre as duas declarações.

Ambas representam uma posição favorável à imigração.

Eu não interpreto, porém, a questão desse modo.

E já explicarei porquê.

Entre uma declaração e outra, ocorreu um facto importantíssimo: o ataque do Hamas a Israel e o início da guerra naquela zona.

O ataque do Hamas, pela sua extrema violência – que foi programada e não acidental, o que a torna ainda........

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