OPS vai a votos neste fim de semana. Os dois candidatos, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, protagonizaram uma campanha civilizada, que fez lembrar a história da lebre e da tartaruga. O primeiro partiu com grande vantagem, correu mais, teve mais gente à sua volta, mas neste momento olha para o lado e vê que não conseguiu distanciar-se muito do adversário.
Com pezinhos de lã, Carneiro foi crescendo, sem se precipitar, mostrando um invejável controlo emocional.
Não disse coisas extraordinárias, sensacionais?
Mas foi exatamente esse o seu trunfo.

Ele impôs-se pela serenidade, pela urbanidade, pela tranquilidade, pelo bom senso – e não pela gritaria, pela truculência, pelas frases grandiloquentes.
Nunca se enervou, nunca pronunciou uma palavra deselegante, nunca se furtou ao diálogo – e foi desse modo que se demarcou do opositor.
E como governante, tem um currículo invejável.
Num Verão quentíssimo, não se ouviu falar em fogos florestais.
Pedro Nuno Santos foi quase o oposto: enquanto esteve no Governo cometeu erros sucessivos.

Reverteu a privatização da TAP, metendo-se num enorme buraco que acabou por custar ao Estado milhares de milhões de euros.
Mais tarde anunciou a localização do novo aeroporto de Lisboa à revelia do primeiro-ministro, sendo obrigado a recuar e pedir desculpa.
E a seguir, veio a indemnização a Alexandra Reis e a inevitável demissão.
Carneiro tem uma folha limpa como governante, Pedro Nuno tem um cadastro recheado de casos. Mas estes episódios podem ser vistos de duas maneiras. Um homem que levou o país a perder muitos milhões, revertendo por razões ideológicas processos já concluídos (não só da TAP mas de empresas rodoviárias);

Um homem que para continuar no Governo fez uma cena à maneira do Perdoa-me!, num confrangedor pedido de desculpas aos portugueses e ao primeiro-ministro;

Um homem que foi apanhado a mentir, ao dizer que não tinha tido nada que ver com a indemnização a Alexandra Reis, vindo depois a reconhecer que afinal tomara conhecimento do assunto, mas entretanto se ‘esquecera’;
Um homem que faz tudo isto e não cai no descrédito é um sobrevivente.
Alguém a ter em conta.
Foi aliás a perceção dessa força que levou a pendurarem-se nele muitos socialistas que nada têm que ver com a sua maneira de pensar e de agir – como Edite Estrela, Sérgio Sousa Pinto, Álvaro Beleza ou Francisco Assis.
O poder atrai.

Eles querem ter um lugar no futuro do Partido Socialista e acham que terão mais hipóteses de o conseguir através de Pedro Nuno Santos do que de José Luís Carneiro.

Mas admitindo que aquele será o melhor líder para o PS, será o melhor líder para o país? Pedro Nuno Santos apresenta-se hoje como um homem moderado, que acredita no mercado, que quer as contas certas, que não vai atacar os privados e até protegerá as empresas.
Mas será essa a sua natureza?

Já se percebeu que, para chegar ao poder, ele diz e faz o que for preciso.
Recentemente, mandou um apoiante garantir que, se for ele a chefiar o próximo Governo, o tempo de serviço dos professores será integralmente contado.

Ora, quem era esse porta-voz?
Era o ministro da Educação do Governo cessante – aquele que, em meses de negociações com os professores, se recusara a aceitar a contagem integral desse tempo de serviço!
Ao menos, Pedro Nuno podia ter mandado outra pessoa, poupando o homem ao vexame de representar tão grotesco papel.
Mas não.
Quis mostrar quem manda – e que os seus fieis lhe obedecem.

Para captar votos, Pedro Nuno Santos faz o que for preciso. Diz tudo, oferece tudo. Perante o país, veste a pele do cordeiro. Mas a sua forma áspera, quase rude, de falar, as palavras duras que dedica aos outros partidos, o desprezo com que fala da ‘direita’, a afirmação de que reeditará a ‘geringonça’, não enganam: atrás da pele do cordeiro esconde-se um lobo.
O radicalismo de esquerda continua bem vivo dentro dele.
Assim, enquanto José Luís Carneiro, se chegar a primeiro-ministro, será aquilo que mostra, Pedro Nuno Santos pode meter-se em aventuras perigosas.

Pense-se na Grécia e em Varoufakis, do qual ele era um confesso admirador e cujo feitio partilha: tal como o grego, Pedro Nuno é um voluntarista.
Claro que, em condições normais, não cometerá os mesmos erros.
Mas se a situação em Portugal se complicar, se for muito pressionado, se a União Europeia o encostar à parede, a sua natureza poderá vir ao de cima.
Como na fábula do escorpião.

QOSHE - A lebre e a tartaruga - José António Saraiva
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A lebre e a tartaruga

19 14
17.12.2023

OPS vai a votos neste fim de semana. Os dois candidatos, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, protagonizaram uma campanha civilizada, que fez lembrar a história da lebre e da tartaruga. O primeiro partiu com grande vantagem, correu mais, teve mais gente à sua volta, mas neste momento olha para o lado e vê que não conseguiu distanciar-se muito do adversário.
Com pezinhos de lã, Carneiro foi crescendo, sem se precipitar, mostrando um invejável controlo emocional.
Não disse coisas extraordinárias, sensacionais?
Mas foi exatamente esse o seu trunfo.

Ele impôs-se pela serenidade, pela urbanidade, pela tranquilidade, pelo bom senso – e não pela gritaria, pela truculência, pelas frases grandiloquentes.
Nunca se enervou, nunca pronunciou uma palavra deselegante, nunca se furtou ao diálogo – e foi desse modo que se demarcou do opositor.
E como governante, tem um currículo invejável.
Num Verão quentíssimo, não se ouviu falar em fogos florestais.
Pedro Nuno Santos foi quase o oposto: enquanto esteve no Governo cometeu erros sucessivos.

Reverteu a privatização da TAP, metendo-se num enorme........

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