A Argentina elegeu como Presidente da República um homem de direita com a alcunha de ‘El Loco’. E que, de facto, tem aspeto de louco. E que fez uma campanha eleitoral com propostas consideradas «uma loucura» pelas pessoas ‘sensatas’.

Poucos dias depois, a Holanda votou maioritariamente num homem chamado Geert Wilders, considerado um dos políticos de direita mais radicais da Europa.

Nas próximas eleições francesas, Marine Le Pen surge como favorita à sucessão de Macron no Eliseu.

Na Hungria e na Polónia governam políticos que se assumem abertamente de direita, Viktor Orbán e Morawiecki, que a Comissão Europeia está constantemente a repreender.

Em Itália, o Governo é liderado por Giorgia Meloni, cujo direitismo todos conhecem, e na Suécia e na Finlândia os respetivos Governos têm ministros de partidos considerados de extrema-direita.

Nos Estados Unidos, Donald Trump lidera as sondagens e pode ser o ex-futuro Presidente.

No Brasil, Bolsonaro perdeu as eleições por uma unha negra com Lula da Silva e não está excluída a hipótese de regressar ao Planalto em próximas eleições.

E as pessoas não se interrogam?

Riem-se por a Argentina ter escolhido ‘um louco’ para a Presidência; indignam-se com a hipótese de Trump voltar à Casa Branca e de Marine Le Pen poder chegar ao Eliseu; insultam Orbán e Meloni; mas não param um minuto para tentar perceber o que está a acontecer, e por que está a acontecer?

Ora, o que está a acontecer é muito simples: cada vez há mais pessoas fartas do centrão, dos políticos do sistema, do politicamente correto. E que preferem votar em ‘loucos’ a aturar os políticos tradicionais.

Aquilo a que estamos a assistir é a uma explosão de descontentamentos. À recusa radical de um modo de fazer política.

É necessário dizer que, se políticos como Trump, Bolsonaro, Meloni ou Le Pen são loucos, o mundo que os políticos ‘responsáveis’ do centro estão a criar parece um manicómio. Se uns são loucos, os outros promovem a loucura.

Que dizer de um concurso de beleza feminina eleger como expoente máximo um homem? E de um rapaz dizer-se rapariga e o diretor da escola exigir que os professores o tratem como tal?

E de medidas tontas como a construção de casas de banho para raparigas e rapazes sem distinção de sexo?

E de movimentos como o Me Too, que destroem carreiras por factos não provados ocorridos às vezes há mais de 30 anos?

E será normal instituir-se uma indústria da morte, com médicos especialistas não em tratar mas em matar?

E como pode aceitar-se a distribuição de subsídios a torto e a direito para ganhar votos, desmotivando as pessoas de trabalhar – e impondo depois uma brutal carga fiscal?

E, noutro plano, como podem considerar-se ‘normais’ fenómenos de indisciplina grave nas escolas, com professores a serem humilhados, e um ambiente de batalha campal onde ensinar se torna quase impossível?

Ou concordar-se com a existência de fronteiras de portas escancaradas, criando condições para o aumento dos conflitos raciais, para a explosão de fenómenos de xenofobia, para a existência de guetos, pondo em perigo a segurança?

É evidente que tudo isto, que tem vindo a agravar-se no Ocidente, teria mais cedo ou mais tarde de originar uma revolta.

E é isto que explica o crescimento da extrema-direita nos países ocidentais e, em Portugal, o crescimento do Chega. Os comentadores indignam-se com esse crescimento. Diabolizam os potenciais votantes naquele partido, mostrando o seu desprezo pelo voto popular – que só é bom quando vai ao encontro dos seus desejos.

E os políticos do sistema exaltam-se. Se pudessem, proibiam os partidos de extrema-direita. Não percebem que são eles próprios que criam as condições para eles crescerem.

Em Portugal, os partidos ‘aceitáveis’, antes de olharem para o Chega, deviam olhar para si próprios. Não basta dizer mal do Chega, isso até o pode beneficiar. Para atacar o Chega é preciso retirar-lhe os argumentos. Ora, a indisciplina nas escolas, as medidas tontas como as casas de banho mistas, a entrada descontrolada de imigrantes, o pagamento de subsídios para tudo e mais alguma coisa com consequências brutais na carga fiscal, tudo isso são ofertas feitas ao extremismo.

Antes da demissão do Governo, ouvi Ana Catarina Mendes afirmar, convictamente, que a política do Executivo era abrir a porta a todos os que quisessem entrar, fosse qual fosse a sua proveniência. Mas será essa uma atitude responsável?

A imigração é um problema seríssimo que não pode ser encarado com leveza.

São os partidos centrais que criam o caldo de cultura onde os populismos florescem.

A extrema-direita cresce no Ocidente, e vai crescer ainda mais, se a situação não se alterar. Se os partidos ditos ‘centrais’ não tiverem coragem para ser firmes, capazes de exercer a autoridade, e continuarem a ter medo dos grupos de ativistas que impõem à maioria leis estapafúrdias.

Quando os partidos centrais perceberem isto, não terão de recear os populismos nem passar a vida a falar deles.

Há 20 anos que o digo – e a realidade, ano após ano, não tem parado de me dar razão.

QOSHE - Loucos são sempre os outros - José António Saraiva
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Loucos são sempre os outros

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07.12.2023

A Argentina elegeu como Presidente da República um homem de direita com a alcunha de ‘El Loco’. E que, de facto, tem aspeto de louco. E que fez uma campanha eleitoral com propostas consideradas «uma loucura» pelas pessoas ‘sensatas’.

Poucos dias depois, a Holanda votou maioritariamente num homem chamado Geert Wilders, considerado um dos políticos de direita mais radicais da Europa.

Nas próximas eleições francesas, Marine Le Pen surge como favorita à sucessão de Macron no Eliseu.

Na Hungria e na Polónia governam políticos que se assumem abertamente de direita, Viktor Orbán e Morawiecki, que a Comissão Europeia está constantemente a repreender.

Em Itália, o Governo é liderado por Giorgia Meloni, cujo direitismo todos conhecem, e na Suécia e na Finlândia os respetivos Governos têm ministros de partidos considerados de extrema-direita.

Nos Estados Unidos, Donald Trump lidera as sondagens e pode ser o ex-futuro Presidente.

No Brasil, Bolsonaro perdeu as eleições por uma unha negra com Lula da Silva e não está excluída a hipótese de regressar ao Planalto em próximas eleições.

E as pessoas não se interrogam?

Riem-se por a Argentina ter escolhido ‘um louco’ para a Presidência; indignam-se com a hipótese de Trump voltar à Casa........

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