A minha crónica Suicídio em direto, sobre a ‘terça-feira negra’ em que o Chega inviabilizou a eleição de Aguiar-Branco para a presidência da Assembleia da República, suscitou forte reação por parte de muitos leitores. Aí eu afirmava que André Ventura, com o seu gesto, tinha feito um erro monumental. A maioria dos leitores, porém, defendia que a responsabilidade pelo que aconteceu não foi de Ventura mas de Montenegro, com a sua teimosia do «não é não».

Ora, entendamo-nos.

Eu também critiquei essa estratégia, que condicionava muito o futuro do PSD e podia acabar num beco sem saída.

E que, como depois se veria, não teve qualquer efeito prático, pois o Chega conseguiu mais de um milhão de votos, mostrando que a ‘chantagem’ do voto útil por parte de Montenegro não funcionou.

Só que isto é passado.

Nas eleições de 10 de março, o PS foi afastado do Governo e registou-se uma claríssima maioria dos partidos de direita, com o PSD, o CDS, a IL e o Chega a conseguirem 138 deputados.

E era perante este ‘novo quadro político’ que os partidos deviam posicionar-se.

Um novo quadro em que o «não é não» de Montenegro tinha forçosamente de ser levado em linha de conta.

Não valia a pena ignorá-lo.

André Ventura sabia perfeitamente que o líder social-democrata não podia dar o dito por não dito e negociar com ele um acordo de Governo.

Não era possível.

Compreendo que fizesse pressão nesse sentido, até para atirar para cima de Montenegro o odioso da recusa; mas estava farto de saber que o outro não poderia voltar atrás.

Se o fizesse, perderia todo o crédito.

Portanto, para André Ventura, a atitude inteligente não era insistir no assunto: era criar um modus vivendi que viabilizasse a maioria de direita que existe no Parlamento.

Era dar a esta maioria um ‘conteúdo prático’.

As pessoas querem que os políticos governem – não querem que façam birras, nem amuem, nem se acusem mutuamente ou se envolvam em guerras estéreis.

As pessoas votaram numa mudança, e esperavam que ela se concretizasse.

Ora, o que fez André Ventura?

Posto entre uma clivagem clara direita/esquerda, absteve-se.

Contra tudo o que as pessoas pensavam, veio dizer que não há nenhuma maioria de direita no Parlamento – há um bloco liderado pelo PS, outro liderado pelo PSD, e há o Chega.

E qual é a consequência prática disto?

É que na AR passou a existir uma maioria de esquerda, pois o bloco liderado pelo PS é maioritário: tem 92 deputados contra 88 do bloco liderado pelo PSD.

E isto bloqueia qualquer mudança.

Mais: empurra o PSD para acordos com o PS, como já aconteceu (e, pelo andar da carruagem, ameaça acontecer ainda mais).

Está a caminhar-se em Portugal para um pântano. Se a maioria de direita funcionasse, haveria a esperança de uma verdadeira mudança política e do avanço de algumas reformas de que o país precisa para se desenvolver; mas com acordos entre o PSD e o PS, todas as reformas ficam comprometidas.

A mudança sonhada é adiada sine die.

E pergunto: foi nisto que a maioria dos eleitores votou?

Mas vou mais longe.

Se este Governo cair, e formos novamente para eleições, o que resultará delas?

O Chega ganhará, ficando com condições para governar sozinho?

Não creio.

O PSD conseguirá atingir a maioria absoluta?

Também não é previsível.

E assim sendo, nada mudará substancialmente.

O presente quadro manter-se-á no essencial.

À direita continuará o diálogo de surdos.

É tempo, pois, de pensarmos com a razão e não com o coração.

O PSD tem de ser sensato e não pode hostilizar o Chega; não sendo possível fazer com ele um acordo de Governo, tem de manter abertas as portas do diálogo e a disponibilidade para acordos pontuais.

E André Ventura não pode esticar a corda, não pode fazer figura de menino birrento e, sempre que houver uma clivagem entre esquerda e direita, tem de votar à direita e não abster-se.

Os políticos têm de se comportar como adultos responsáveis.

É isso que o país espera deles.

Quem não o perceber, será fortemente penalizado em futuras eleições.

Nenhum eleitor de direita ou centro-direita perceberá que o PSD e o Chega tiveram o pássaro na mão, com uma ampla maioria no Parlamento, e o deixaram fugir.

Montenegro não pode voltar atrás no que disse, mas tem de ser humilde; e André Ventura deve ter presente um conhecido ditado português: ‘Quem tudo quer, tudo perde’.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt

QOSHE - O fantasma do pântano - José António Saraiva
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O fantasma do pântano

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14.04.2024

A minha crónica Suicídio em direto, sobre a ‘terça-feira negra’ em que o Chega inviabilizou a eleição de Aguiar-Branco para a presidência da Assembleia da República, suscitou forte reação por parte de muitos leitores. Aí eu afirmava que André Ventura, com o seu gesto, tinha feito um erro monumental. A maioria dos leitores, porém, defendia que a responsabilidade pelo que aconteceu não foi de Ventura mas de Montenegro, com a sua teimosia do «não é não».

Ora, entendamo-nos.

Eu também critiquei essa estratégia, que condicionava muito o futuro do PSD e podia acabar num beco sem saída.

E que, como depois se veria, não teve qualquer efeito prático, pois o Chega conseguiu mais de um milhão de votos, mostrando que a ‘chantagem’ do voto útil por parte de Montenegro não funcionou.

Só que isto é passado.

Nas eleições de 10 de março, o PS foi afastado do Governo e registou-se uma claríssima maioria dos partidos de direita, com o PSD, o CDS, a IL e o Chega a conseguirem 138 deputados.

E era perante este ‘novo quadro político’ que os partidos deviam posicionar-se.

Um novo quadro em que o «não é........

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