Parece impossível que ainda haja quem não perceba a importância do fator pessoal na política. Recordo-me de que, em 1975 ou 76, mantive com Adriano Moreira uma discordância sobre este tema. Tínhamos ambos uma crónica matinal na Antena 1, suponho que ele às sextas-feiras e eu aos sábados; ora, Adriano defendia a irrelevância dos homens no curso da política, valorizando sobretudo os programas e as ideias (o que não deixava de ser estranho, tendo em conta que fora ministro de Salazar, cujo papel na nossa história contemporânea é por demais inquestionável).

Eu, pelo contrário, defendia a importância decisiva dos líderes.

E nós hoje, olhando para trás, não podemos ter sobre isso duas opiniões: o PS foi um com Soares, outro (muito diferente) com Constâncio, outro ainda com Guterres, e assim por diante até aos dias de hoje, passando por Sócrates e António Costa.

E o mesmo acontece com o PSD.

Compare-se o PSD de Montenegro com o de Sá Carneiro, o de Balsemão com o de Cavaco Silva, o de Durão Barroso com o de Passos Coelho. Parecem realidades distintas.

O líder marca o estilo, marca o ritmo, é um referencial de seriedade ou de oportunismo, de credibilidade ou de demagogia, de estabilidade ou de insegurança.

Já Camões dizia: «Um fraco rei faz fraca a forte gente».

E a inversa também é verdadeira.

O PSD com Cavaco teve sozinho mais de 50% dos votos em eleições legislativas, valor que nenhum outro líder alcançou e dificilmente será alcançado.

Apesar destas evidências, ainda um dia destes a ex-líder do BE, Catarina Martins, que não é propriamente burra, afirmava que o importante não são os líderes mas as propostas.

Esquecia-se de que as propostas precisam de homens que as concretizem – pois não se impõem por si, no vazio – e há líderes com mais capacidade concretizadora do que outros.

Os eleitores percebem isto, e votam muito em pessoas. Às vezes melhor do que os comentadores, percecionam as forças e fraquezas dos políticos – e o resultado do voto é, regra geral, sensato. Dito isto, importa analisar rapidamente a qualidade dos líderes que se propõem às próximas eleições.

Começo por André Ventura, que em todas as sondagens surge destacadíssimo como o líder do 3.º maior partido português.

Mas não começou bem, falhando nos temas e no argumentário.

Tendo criticado duramente o Estado por distribuir subsídios a esmo, surgiu a prometer tudo a todos, como um vendilhão de feira.

Tendo-se imposto pelas suas posições de rutura em três áreas (imigração, ideologia de género e patriotismo), falou sobretudo de temas que não domina, defendendo promessas inexequíveis.

E tornou-se importuno, ao interromper constantemente os adversários.

Melhorou depois, batendo com clareza Mariana Mortágua e Pedro Nuno Santos.

Luís Montenegro tem estado bastante melhor neste papel de ‘gladiador’ do que estivera na situação de líder errante (prestando declarações avulsas aos jornalistas, que pouco marcavam).

Assumiu uma postura credível, foi corajoso ao recusar promessas demagógicas (como a abolição das SCUT no interior, proposta pelo PS), passou a imagem de um homem sereno, responsável e seguro daquilo que diz.

Transmite confiança às pessoas, dando ideia de que estudou bem os dossiês, já sendo possível ver nele o futuro primeiro-ministro.

O papel de Pedro Nuno Santos era (e é) o mais difícil de todos.

Cabia-lhe, primeiro, desfazer a imagem do enfant terrible que assustava os alemães, tendo de se apresentar como um homem razoável, moderado e maduro; depois, precisava de se demarcar do Governo de António Costa, sem, contudo, o atacar frontalmente (até porque fez parte dele).

Assim, apresentou-se com um ar gentil e dialogante, contrariando a sua natureza; mas não é por aí que o gato vai às filhoses.

O problema é quando tem de explicar como é que o mesmo partido que esteve 8 anos no poder vai fazer diferente do que fez até aqui.

Aí, torce-se todo.

E acaba por adiantar que os governos de António Costa não foram tão maus como se diz, e até fizeram muitas coisas boas.

Ora, é isso que os adversários querem ouvir; nessa altura, podem dizer-lhe na cara que se fosse eleito faria ‘mais do mesmo’.

E como os eleitores esperam sempre que das eleições surja alguma coisa de novo, Pedro Nuno Santos acaba por sair a perder.

Uma breve palavra para os líderes dos pequenos. Dos cinco, o melhor é indiscutivelmente Rui Rocha. Sempre o achei acutilante e certeiro, e estranhei as duras críticas que lhe faziam. Estes debates estão a confirmar o que eu pensava. Mariana Mortágua enterrou-se com a história da avó. Além disso, a única coisa que tem para propor é ‘mais Estado’. Nacionalização dos CTT e da REN, não privatização da TAP, etc., como se a gestão pública em Portugal fosse um modelo de eficiência. É uma conversa fiada que já não pega.

Inês Sousa Real é uma verdadeira ‘picareta falante’, mas o formato destes debates, que não permite intervenções longas, não a favorece, retirando-lhe o seu principal trunfo.

Paulo Raimundo é uma mosca morta. Talvez seja um bom funcionário para gerir o partido internamente, mas não sabe falar para fora, para o país.

Rui Tavares é um intelectual muito celebrado em certos círculos, poderá ser bem-intencionado, mas não arrasta multidões. Será no máximo útil para fazer acordos à esquerda. Et voilà! Para a semana há mais.

QOSHE - O fator pessoal - José António Saraiva
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O fator pessoal

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18.02.2024

Parece impossível que ainda haja quem não perceba a importância do fator pessoal na política. Recordo-me de que, em 1975 ou 76, mantive com Adriano Moreira uma discordância sobre este tema. Tínhamos ambos uma crónica matinal na Antena 1, suponho que ele às sextas-feiras e eu aos sábados; ora, Adriano defendia a irrelevância dos homens no curso da política, valorizando sobretudo os programas e as ideias (o que não deixava de ser estranho, tendo em conta que fora ministro de Salazar, cujo papel na nossa história contemporânea é por demais inquestionável).

Eu, pelo contrário, defendia a importância decisiva dos líderes.

E nós hoje, olhando para trás, não podemos ter sobre isso duas opiniões: o PS foi um com Soares, outro (muito diferente) com Constâncio, outro ainda com Guterres, e assim por diante até aos dias de hoje, passando por Sócrates e António Costa.

E o mesmo acontece com o PSD.

Compare-se o PSD de Montenegro com o de Sá Carneiro, o de Balsemão com o de Cavaco Silva, o de Durão Barroso com o de Passos Coelho. Parecem realidades distintas.

O líder marca o estilo, marca o ritmo, é um referencial de seriedade ou de oportunismo, de credibilidade ou de demagogia, de estabilidade ou de insegurança.

Já Camões dizia: «Um fraco rei faz fraca a forte gente».

E a inversa também é verdadeira.

O PSD com Cavaco........

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