O Chega tem no próximo ano e meio a sua prova de fogo. Ou mantém-se como um elefante na sala, como um partido destrutivo, à imagem do que tem sido até aqui – e começará a cansar –, ou torna-se um partido essencial para a construção de um novo tempo, de uma nova política – e aí tem hipóteses de crescer.

É uma evidência: a grande estrela das legislativas foi o Chega, que mais do que quadruplicou os votos e os deputados, passando de 12 para 50. Lembro-me de um debate realizado há uns quatro anos sobre o futuro da direita, para o qual uma estação televisiva convidou o PSD, o CDS e a IL… ignorando o Chega. Lembro-me de uma grande reportagem (financiada pela Gulbenkian) transmitida em plena campanha eleitoral que era pura propaganda contra o Chega.

Lembro-me de Ana Gomes gritar que o Chega deveria ser ilegalizado.

Ora, esta estratégia política e jornalística falhou.

Ignorar o Chega, insultar o Chega, bater no Chega só contribuiu para o fazer crescer.

E por isso os partidos (e muitos jornalistas e comentadores) estão hoje confrontados com novas questões:

– Qual será a melhor maneira de combater o Chega?

– Qual será a estratégia certa para o PSD: chegar-se mais ao centro ou encostar-se à direita, de modo a estancar o crescimento do Chega?

– Qual será a estratégia correta para a esquerda: continuar a dizer que o Chega é ‘xenófobo’, ‘racista’, ‘fascista’, etc., ou mudar de disco?

O crescimento do Chega deveu-se a dois fenómenos complementares: à desilusão dos portugueses em relação aos partidos existentes (e mesmo em relação à democracia) e à adesão às suas ‘causas’ e propostas. As suas ‘causas’ são conhecidas: a defesa do nacionalismo; o combate à ideologia de género; o controlo da imigração; e o respeito pela autoridade (no qual se integra o tema dos ciganos).

Ora, é incompreensível que os grandes partidos tenham entregue de bandeja ao Chega todos estes temas.

Como entender que o Governo socialista tenha retirado do símbolo do Estado a esfera armilar e as quinas?

Como perceber que em tempos difíceis os deputados tenham andado ocupados com as casas de banho mistas nas escolas?

Como explicar que todos os partidos, CDS incluído, tenham deixado ao Chega o exclusivo da luta contra a imigração descontrolada?

O Chega cresceu, pois, por erros crassos dos partidos centrais e por ‘falta de comparência’ destes em questões importantes para muita gente.

E depois, a estas lutas ‘civilizacionais’, Ventura juntou propostas muito concretas: o combate à corrupção; a satisfação de reivindicações corporativas (polícias, professores, agricultores, etc.); o alívio fiscal; o apoio aos reformados.

Muitas destas promessas são inexequíveis, já se sabe, mas pouco importa: como o Chega não irá para o Governo, não terá de cumprir nada. E fica esta ideia na cabeça dos polícias, dos reformados, dos professores: «Este gajo é o único que nos defende, que se importa connosco». Isto é o que interessa.

Sendo um partido de ‘causas’, o Chega encontrou um líder que, além de ser de longe o melhor tribuno, é um homem muito pragmático. Muito rápido a apanhar as ideias, a verbalizá-las e a concretizá-las.

Depois das eleições, desafiou Luís Montenegro a juntar-se a ele para formar Governo – sabendo de antemão que o outro não o faria.

Depois de dizer «Não é não», Montenegro não podia dizer «Sim».

Não se tratava de uma questão de ‘ego’, como disse Ventura: era uma questão de credibilidade; o líder do PSD não podia tornar-se primeiro-ministro montado num embuste – ou seja, numa falta à palavra dada.

Se o fizesse, ficaria ferido de morte.

Ventura sabia isto muito bem.

Por que insistiu, então, num acordo?

Para ter capital de queixa.

Para poder dizer ao país: «Nós oferecemos a hipótese de Portugal ter um Governo estável, mas o PSD não quis».

E assim apresentou-se como o ‘bom da fita’, apontando Montenegro como o ‘mau da fita’.

Mas o grande desafio do Chega é o próximo ano e meio. Aí, o partido terá a sua prova de fogo – crescendo ou definhando. E isso passa pelo seguinte: ou mantém-se como um elefante na sala, como um partido destrutivo, à imagem do que tem sido até aqui – e começará a cansar –, ou torna-se um partido essencial para a construção de um novo tempo, de uma nova política, de uma nova forma de trabalhar – e aí tem hipóteses de crescer.

Uma coisa estas eleições mostraram: os portugueses anseiam por uma mudança.

Assim, ou o Chega consegue impor-se como um partido positivo, capaz de dar ao país a esperança de um futuro diferente, ou falhará.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt

QOSHE - O grande desafio - José António Saraiva
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O grande desafio

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24.03.2024

O Chega tem no próximo ano e meio a sua prova de fogo. Ou mantém-se como um elefante na sala, como um partido destrutivo, à imagem do que tem sido até aqui – e começará a cansar –, ou torna-se um partido essencial para a construção de um novo tempo, de uma nova política – e aí tem hipóteses de crescer.

É uma evidência: a grande estrela das legislativas foi o Chega, que mais do que quadruplicou os votos e os deputados, passando de 12 para 50. Lembro-me de um debate realizado há uns quatro anos sobre o futuro da direita, para o qual uma estação televisiva convidou o PSD, o CDS e a IL… ignorando o Chega. Lembro-me de uma grande reportagem (financiada pela Gulbenkian) transmitida em plena campanha eleitoral que era pura propaganda contra o Chega.

Lembro-me de Ana Gomes gritar que o Chega deveria ser ilegalizado.

Ora, esta estratégia política e jornalística falhou.

Ignorar o Chega, insultar o Chega, bater no Chega só contribuiu para o fazer crescer.

E por isso os partidos (e muitos jornalistas e comentadores) estão hoje confrontados com novas questões:

– Qual será a melhor maneira de combater o Chega?

– Qual será a........

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