Em crónica anterior, escrevi que Pedro Nuno Santos tinha duas tarefas prioritárias: Calar no PS as críticas ao Ministério Público; 2. Afastar a sombra de António Costa. De facto, tal como Costa fizera com Sócrates, o PS tinha de deitar para trás das costas as questões judiciais e concentrar-se na política. Não podia continuar a passar os dias a falar do processo Influencer e das maquinações dos procuradores. Em segundo lugar, Pedro Nuno Santos tinha de se libertar rapidamente do fantasma de António Costa. O novo líder não podia aceitar continuar a ser levado pela mão do líder cessante, como aconteceu no Congresso, em que Costa o transportou como uma criança até ao centro do palco, qual pai a levar o filho. Também não era bom para Pedro Nuno Santos que António Costa continuasse a ‘andar por aí’, a aparecer nas sessões públicas, a fazer inaugurações, como se o PS tivesse passado a ter dois líderes. Além destas duas ‘tarefas’ – calar os ataques à Justiça e afastar Costa -, Pedro Nuno Santos tinha uma terceira tarefa que não desenvolvi nessa crónica por falta de espaço mas não era menos importante: a regularização das relações com o Presidente da República. Estar em guerra com o Presidente era manter uma frente de luta que não lhe interessava nada e só o enfraquecia. Ele tinha visto os danos que o conflito com Marcelo Rebelo de Sousa provocara no Governo e na própria imagem de António Costa, e não queria reincidir no mesmo erro. Aeste propósito, é altura de perguntar: por que razão António Costa – que não é parvo – o fez? Por que abriu uma guerra com o Presidente da República para defender João Galamba? Foi isto que ninguém até hoje conseguiu explicar – mas que agora começa a ser mais claro. Já depois da queda do Governo, veio a público uma notícia à qual não se deu a necessária importância: António Costa, como primeiro-ministro, está a ser investigado por «prevaricação», isto é, por alegadamente ter feito uma lei à medida dos interesses de certo grupo económico. A ‘prová-lo’, foi divulgada uma conversa telefónica em que o advogado João Tiago Silveira, arguido no caso Influencer, afirmava ter estado com António Costa «durante quatro horas» a combinar os termos de uma lei que agilizava os procedimentos jurídicos num grande investimento a realizar por aquele grupo. E classificou esse estratagema como «malandro». Devo dizer que considero Costa um homem pessoalmente sério e incapaz de se deixar corromper. Isso, para mim, é ponto assente. Mas pode ter achado que o projeto em causa era importante para o país, aceitando participar numa pequena ‘malandrice’ para o viabilizar. Aliás, numa comunicação ao país depois da demissão, o ainda primeiro-ministro deixou no ar essa ideia, ao afirmar que havia burocracias que dificultavam investimentos de interesse nacional e que era necessário eliminá-las. António Costa queria que o projeto andasse para a frente – isso é hoje óbvio. Ora, quem era o ministro que tinha o assunto em mãos e até confraternizava em almoços e jantares com os investidores? João Galamba. Costa não podia, pois, deixar cair Galamba. Fazê-lo, era deitar tudo por terra. Isso explica por que razão o segurou – mesmo entrando em choque frontal com o Presidente da República, o que era um passo muito perigoso, como o futuro demonstrou. Ora, por tudo isto, Pedro Nuno Santos tinha de se afastar do caso. Refez a boa relação do PS com o Presidente da República e deu instruções para deixarem de lhe bater (repare-se que ninguém mais ouviu falar do caso das gémeas brasileiras). Do mesmo modo, industriou o partido para parar os ataques aos procuradores, ao Ministério Público e a Lucília Gago. E finalmente conseguiu que António Costa deixasse de ‘andar por aí’. Embora vá dando aqui e ali umas entrevistas, tentando não desaparecer por completo de cena, Costa já percebeu que Pedro Nuno Santos não o quer por perto – e, para não causar mal-estar nas hostes socialistas, resolveu ser mais discreto. Pode, pois, dizer-se que Pedro Nuno Santos fez bem o seu trabalho de casa: calou as críticas à Justiça, reconciliou-se com o Presidente e afastou Costa do caminho. Este é que perdeu – e está agora muito mais sozinho. Pode mesmo dizer-se que o PS já o esqueceu. A política é assim: cruel. Só o poder importa. Quem com ferro mata com ferro morre. António Costa matou o antecessor – e é agora enterrado pelo sucessor.

QOSHE - O PS já esqueceu António Costa - José António Saraiva
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O PS já esqueceu António Costa

8 1
27.01.2024

Em crónica anterior, escrevi que Pedro Nuno Santos tinha duas tarefas prioritárias: Calar no PS as críticas ao Ministério Público; 2. Afastar a sombra de António Costa. De facto, tal como Costa fizera com Sócrates, o PS tinha de deitar para trás das costas as questões judiciais e concentrar-se na política. Não podia continuar a passar os dias a falar do processo Influencer e das maquinações dos procuradores. Em segundo lugar, Pedro Nuno Santos tinha de se libertar rapidamente do fantasma de António Costa. O novo líder não podia aceitar continuar a ser levado pela mão do líder cessante, como aconteceu no Congresso, em que Costa o transportou como uma criança até ao centro do palco, qual pai a levar o filho. Também não era bom para Pedro Nuno Santos que António Costa continuasse a ‘andar por aí’, a aparecer nas sessões públicas, a fazer inaugurações, como se o PS tivesse passado a ter dois líderes. Além destas duas ‘tarefas’ – calar os ataques à Justiça e afastar Costa -, Pedro Nuno Santos tinha uma terceira tarefa que não desenvolvi nessa crónica por falta de espaço mas........

© Jornal SOL


Get it on Google Play