A GRANDE CONFUSÃO. Estas eleições foram contaminadas por um facto que prejudicou manifestamente a AD mas pelo qual ela, aparentemente, foi a grande responsável. Refiro-me evidentemente à confusão entre as siglas ADN e AD. O PSD e o CDS (para não falar no PPM) já deviam saber que a sigla AD não poderia figurar no boletim de voto, pois se confundiria com ADN, partido que já existia. No boletim, apareceriam as palavras Aliança Democrática e não a sigla. Mesmo assim, fizeram uma coligação com aquelas iniciais e passaram toda a campanha eleitoral a falar de AD. A confusão era, pois, inevitável e os resultados confirmaram-no em absoluto: a ADN teve mais de 100 mil votos, ou seja, pouco menos do que o PAN e o dobro da diferença de votos entre a AD e o PS! Quer em Lisboa quer no Porto, a ADN alcançou quase 20 mil votos, e em Braga conseguiu 10 mil. Isto também explica os erros em todas as sondagens à boca das urnas: muitas pessoas que disseram ter votado na AD tinham afinal votado na ADN… Sem esta confusão, a diferença entre a AD e o PS teria sido de 2,4% e não de 0,8%. E em termos de deputados, seria de 7 e não de 2 (a AD teria mais 3 e o PS menos 2), o que poderia fazer grande diferença, como veremos.

ESQUERDA E DIREITA. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, a esquerda em Portugal teve muito menos votos do que a direita, impedindo uma nova ‘geringonça’. E isto significa uma mudança fundamental do mapa político. Mas, se tirarmos o Chega, a situação inverte-se: o bloco PS, BE, PCP, Livre e PAN tem 91 deputados, contra 87 do PSD, CDS e IL, o que significa que o Governo precisará dos votos a favor do Chega para fazer aprovar as leis. A abstenção do Chega não chegará. Caso não tivesse havido o problema da ADN, o resultado seria de 89-89, podendo ser revertido com os votos da emigração. Assim, não.

A ESPERANÇA. A vitória tangencial da AD sobre o PS mostra que Luís Montenegro não conseguiu cumprir o objetivo de oferecer aos portugueses uma nova esperança, depois de 8 anos de desgaste socialista. Quem corporizou para muita gente essa ‘nova esperança’ foi André Ventura (e, numa dimensão mais pequena, Rui Tavares). O primeiro quadruplicando os votos, o outro triplicando-os.

O FIM DO BIPARTIDARISMO. Como disse André Ventura, «o bipartidarismo acabou». E os outros partidos vão ter de se adaptar a isso, porque o Chega não é um fenómeno conjuntural, como foi o PRD. Basta olhar para o que está a acontecer na Europa. Esta situação faz-me lembrar outra, ocorrida em 1906, quando o rotativismo (nome que se dava então ao bipartidarismo) chegou ao fim, por via do aparecimento de um partido novo, liderado por João Franco. Aí, Franco também disse: «O rotativismo acabou!». Só que esse foi o anúncio do fim da Monarquia…

MARCELO. Perante este resultado eleitoral, muitos socialistas (incluindo António Costa) voltaram a atacar o PR, responsabilizo-o por esta ‘trapalhada’. Ora, como já expliquei, depois da demissão do primeiro-ministro, Marcelo não podia fazer outra coisa. Se aceitasse empossar Centeno como chefe do Governo, não dissolvendo o Parlamento, entrava-se numa situação muito confusa. As relações entre Centeno e Pedro Nuno Santos não seriam fáceis. E o que aconteceu agora aconteceria daqui a uns meses ou um ano, numa situação política mais degradada. Seria apenas um adiamento, que não resolveria coisa nenhuma.

O GOVERNO. Luís Montenegro vai formar um Governo minoritário com o CDS e a IL, mas sem o Chega, cumprindo a promessa que fez. O PS viabilizará o Governo mas ficará na oposição, com o resto da esquerda. O Chega passa a ser o fiel da balança do sistema político, podendo fazer maiorias com a esquerda ou com a direita.

VENTURA. O Chega não tem nenhuma vantagem em ir para o Governo, perdendo aquilo que o tem feito crescer: capitalizar o descontentamento. E o próximo ano e meio vai ser, para André Ventura, a prova dos nove: ou se impõe definitivamente, conseguindo concretizar fora do Governo algumas das suas propostas, ou se desacredita, constituindo-se em fator de instabilidade, juntando-se à esquerda e formando com ela uma força de bloqueio.

O PRÓXIMO ORÇAMENTO. O próximo OE será aprovado. É possível que o Governo faça algumas cedências pontuais ao Chega – mas, em qualquer caso, este não se arriscará a chumbá-lo, mandando outra vez o país para eleições. Fazê-lo seria um suicídio: os portugueses penalizá-lo-iam fortemente. Os exemplos do passado não deixam dúvidas a tal respeito.

O FUTURO. Apesar de a vitória da AD ser tangencial, o próximo Governo pode durar. Se governar bem, Montenegro fará a mesma trajetória de António Costa: em próximas eleições, ampliará a vantagem. Os portugueses são situacionistas. Votam em quem está no poder. Não nos esqueçamos de que, depois dos tempos ‘horríveis’ da troika, Passos Coelho bateu António Costa. Por isso, o importante para a AD era ganhar as eleições. E a partir do poder Luís Montenegro poderá fabricar a imagem forte que não conseguiu construir na oposição.

P. S – Em artigo publicado no seu blogue Causa Nossa, Vital Moreira escreveu que Marcelo Rebelo de Sousa tem de convidar Pedro Nuno Santos e não Luís Montenegro a formar Governo, pois o que conta são os partidos e não as coligações, e o PS é o partido individualmente com mais deputados. Ora, Vital Moreira está enganado. A Constituição não fala em partido mais votado ou com mais deputados. O Artigo 187.º (Formação do Governo) diz o seguinte: «O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais». Se os constituintes quisessem que fosse o líder do partido mais votado, tê-lo-iam escrito explicitamente. Mas não: quiseram dar ao PR uma margem de interpretação dos resultados. Ora, o próprio Pedro Nuno Santos reconheceu na noite eleitoral que não tinha condições para formar Governo, e o único que o pode fazer é mesmo Luís Montenegro. O que pretendeu Vital Moreira com isto? Porquê lançar mais confusão numa situação já de si complicada? Ainda por cima, com um argumento falso…

QOSHE - Portugal e o futuro - José António Saraiva
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Portugal e o futuro

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16.03.2024

A GRANDE CONFUSÃO. Estas eleições foram contaminadas por um facto que prejudicou manifestamente a AD mas pelo qual ela, aparentemente, foi a grande responsável. Refiro-me evidentemente à confusão entre as siglas ADN e AD. O PSD e o CDS (para não falar no PPM) já deviam saber que a sigla AD não poderia figurar no boletim de voto, pois se confundiria com ADN, partido que já existia. No boletim, apareceriam as palavras Aliança Democrática e não a sigla. Mesmo assim, fizeram uma coligação com aquelas iniciais e passaram toda a campanha eleitoral a falar de AD. A confusão era, pois, inevitável e os resultados confirmaram-no em absoluto: a ADN teve mais de 100 mil votos, ou seja, pouco menos do que o PAN e o dobro da diferença de votos entre a AD e o PS! Quer em Lisboa quer no Porto, a ADN alcançou quase 20 mil votos, e em Braga conseguiu 10 mil. Isto também explica os erros em todas as sondagens à boca das urnas: muitas pessoas que disseram ter votado na AD tinham afinal votado na ADN… Sem esta confusão, a diferença entre a AD e o PS teria sido de 2,4% e não de 0,8%. E em termos de deputados, seria de 7 e não de 2 (a AD teria mais 3 e o PS menos 2), o que poderia fazer grande diferença, como veremos.

ESQUERDA E DIREITA. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, a esquerda em Portugal teve muito menos votos do que a direita, impedindo uma nova ‘geringonça’. E isto significa uma mudança fundamental do mapa político. Mas, se tirarmos o Chega, a situação inverte-se: o bloco PS, BE, PCP, Livre e PAN tem 91 deputados,........

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