O Governo que tomou posse no dia 2 de Abril pode considerar-se um ‘bom cozinhado’.

Inclui pessoas do núcleo duro do PSD, como Pinto Luz, Leitão Amaro ou Pedro Duarte (para não falar de Paulo Rangel).

Pessoas com experiência em Bruxelas, como José Manuel Fernandes ou Nuno Melo.

Pessoas da sociedade civil, como Rita Júdice ou Dalila Rodrigues.

Pessoas do meio académico, como Fernando Alexandre, Rosário Ramalho ou o próprio Miranda Sarmento.

Pessoas com grande calo institucional, como Pedro Reis ou Castro Almeida.

Pessoas respeitadas nas respetivas áreas, como Margarida Blasco ou Ana Paula Martins.

Para não falar no equilíbrio homens/mulheres.

É certo que Montenegro não surpreendeu – o que é sempre uma mais-valia em política (e em qualquer área), – mas não é menos certo que às vezes há surpresas que acabam em cruéis desilusões, como foi o caso de Costa Silva no Governo cessante.

Vamos agora às grandes tarefas que este Governo tem pela frente.

1. Pôr o país a crescer mais. António Costa usou uma estratégia de distribuição de rendimentos e subsídios, que se revelou eficaz em termos de popularidade, mas comprometeu o crescimento. Costa diz que Portugal cresceu sempre acima da média europeia, o que é verdade. O problema é que cresceu sempre abaixo dos países com os quais estamos em competição direta, pelo que nos atrasámos relativamente. Há, portanto, que inverter esta tendência – e esse é o maior desafio deste Governo.

2. Cumprir as promessas eleitorais setoriais.

O PSD e o CDS fizeram muitas promessas de aumentar salários e regalias – desde professores a polícias, passando pelos médicos –, de subir pensões de reforma, etc., e o Governo tem de as cumprir, dê por onde der.

3. Baixar os impostos.

O PSD e o CDS garantiram que baixariam o IRS e o IRC, e não podem fugir a fazê-lo.

4. Manter as contas certas.

Tudo o que ficou dito tem de ser feito mantendo as contas em ordem, ou seja, não aumentando a dívida pública. António Costa deixa neste campo um importante legado: um superavit de 1,2% do PIB e a queda da dívida para menos de 100%. Ora, tendo o PSD andado anos a acusar os socialistas de acumularem dívida soberana, onerando as futuras gerações, não pode ser ele a vir estragar as contas.

Fazer tudo isto assemelha-se à quadratura do círculo.Dificilmente será possível. Mas há outra dimensão da governação que Montenegro não deverá ignorar. António Costa optou pela distribuição de rendimentos em desfavor do investimento público, que se reduziu quase a zero.

Ora, qualquer Governo, para lá de responder às necessidades das populações, deve ter outra preocupação: deixar um legado para o futuro.

Um Governo não pode ter apenas como objetivo gerir o dia-a-dia e ir tapando os buracos.

Tem de tentar ir mais longe.

Pensemos nas catedrais góticas: a sua construção implicou grandes sacrifícios na altura, mas constituem hoje símbolos notáveis da sua época.

Um Governo tem de ter esta ambição: deixar obra.

Deixar algo que se veja.

Tal faz parte da afirmação do Estado.

Salazar teve esta perceção e Cavaco Silva também – levantando, entre muitas outras obras, a Ponte Vasco da Gama.

Tudo isto, porém, só poderá ser feito se o Governo tiver tempo à sua frente e condições para governar. Ora, como se verificou na já célebre ‘terça-feira negra’, não há nenhuma maioria de direita no Parlamento – ao contrário do que todos pensavam.

Temos três blocos minoritários, sendo o maior o da esquerda (PS BE PCP Livre PAN), que soma 92 deputados; vem a seguir o bloco PSD IL CDS, com 88 deputados; e finalmente o Chega, com 50 deputados.

Isto mostra como a confusão criada pelo partido ADN teve uma influência determinante nos resultados eleitorais.

Ela ‘roubou’ 100 mil votos à AD, que lhe dariam mais 3 deputados (2 do PS e 1 do Chega) e tornariam o bloco de direita o maior do Parlamento (com 91 deputados contra 90 da esquerda).

Com essa configuração, o Chega não precisaria de votar favoravelmente as leis: elas passariam com a sua abstenção.

Agora, se o Chega se abstiver, a esquerda fica em maioria (foi o que aconteceu na novela da eleição de Aguiar-Branco).

Este Governo está, portanto, inteiramente nas mãos do Chega.

Precisa dos seus votos favoráveis.

E assim, a menos que André Ventura mude de orientação – não forçando o braço-de-ferro com Montenegro e tornando-se um parceiro ‘construtivo’ –, o Executivo não terá condições para governar.

O começo desta legislatura foi trágico – e, como escrevi, já não há remédio para a péssima primeira impressão que o grupo parlamentar do Chega deixou.

Vamos ver se tentará colar os cacos – ou persistirá na posição de elefante em loja de porcelana.

Se assim for, iremos rapidamente para eleições.

E aí, segundo penso, o Chega será fortemente penalizado.

QOSHE - Que fará André Ventura? - José António Saraiva
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Que fará André Ventura?

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06.04.2024

O Governo que tomou posse no dia 2 de Abril pode considerar-se um ‘bom cozinhado’.

Inclui pessoas do núcleo duro do PSD, como Pinto Luz, Leitão Amaro ou Pedro Duarte (para não falar de Paulo Rangel).

Pessoas com experiência em Bruxelas, como José Manuel Fernandes ou Nuno Melo.

Pessoas da sociedade civil, como Rita Júdice ou Dalila Rodrigues.

Pessoas do meio académico, como Fernando Alexandre, Rosário Ramalho ou o próprio Miranda Sarmento.

Pessoas com grande calo institucional, como Pedro Reis ou Castro Almeida.

Pessoas respeitadas nas respetivas áreas, como Margarida Blasco ou Ana Paula Martins.

Para não falar no equilíbrio homens/mulheres.

É certo que Montenegro não surpreendeu – o que é sempre uma mais-valia em política (e em qualquer área), – mas não é menos certo que às vezes há surpresas que acabam em cruéis desilusões, como foi o caso de Costa Silva no Governo cessante.

Vamos agora às grandes tarefas que este Governo tem pela frente.

1. Pôr o país a crescer mais. António Costa usou uma estratégia de distribuição de rendimentos e subsídios, que se revelou eficaz em termos de popularidade, mas comprometeu o crescimento. Costa diz que Portugal cresceu sempre........

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