Há algumas semanas encontrei nas Amoreiras Rui Carp, antigo secretário de Estado do Orçamento de Cavaco Silva. Falando da situação política, disse-me considerar provável que o Partido Socialista ganhe as próximas legislativas, pois – adiantava – «os portugueses são socialistas». Esta afirmação ficou a borbulhar-me na cabeça. ‘Serão os portugueses socialistas’? Tendo em conta os últimos oito anos, em que António Costa governou sem grande oposição, tendemos a pensar que sim.

Mas recuando no tempo, começamos a ter dúvidas.

Não é verdade que os mesmos portugueses que deram a maioria absoluta a António Costa tinham dado duas maiorias absolutas consecutivas a Cavaco Silva?

Nesse tempo, dir-se-ia que os portugueses eram ‘cavaquistas’.

E, no tempo de Salazar, não foram eles ‘salazaristas’ quase até ao fim? Se houvesse eleições livres, Salazar teria ganho facilmente todos os sufrágios, pelo menos até 1958 (ano das presidenciais em que concorreu Humberto Delgado).

E durante a Primeira República não votaram quase sempre em Afonso Costa?

E antes, no tempo da Monarquia, não eram ‘monárquicos liberais’, depois de terem sido ferozmente ‘miguelistas’?

Ou seja: os portugueses já foram tudo: miguelistas, liberais, afonsistas, salazaristas, cavaquistas, socráticos, costistas.

Já votaram à esquerda, ao centro e à direita, tudo dependendo de quem está no poder.

E, assim, a palavra certa para classificar os portugueses é: ‘situacionistas’ (como escrevia certeiramente há umas semanas Guilherme Valente).

Os portugueses têm medo de mudar.

E quanto mais envelhecido estiver o país, mais será assim.

Basta pensar no seguinte: desde o 25 de Abril, todos os primeiros-ministros que se recandidataram no exercício de funções ganharam as eleições. Assim aconteceu com Cavaco, com Guterres, com Sócrates, com António Costa.

Recandidataram-se e venceram.

Até Pedro Passos Coelho venceu, depois dos horrores que se disseram sobre ele e o seu Governo no tempo da troika.

Tendo em conta este situacionismo, este ‘estar com quem está no poder’, este horror à mudança, dir-se-ia que o PS ganhará as próximas eleições.

Mas calma!

É que aí entra na equação um outro fator: todos os partidos que estavam no Governo, mas cujos primeiros-ministros se demitiram (ou foram demitidos), perderam as eleições seguintes: o PS perdeu depois da demissão de Guterres, o PSD perdeu depois da demissão de Santana Lopes, o PS perdeu de novo depois da demissão de Sócrates.

E, para agravar as coisas, nenhum partido que mudou de líder depois de anos no poder ganhou a seguir.

Fernando Nogueira, que rendeu Cavaco Silva na liderança do PSD (que não quis recandidatar-se a novo mandato), perdeu.

Ferro Rodrigues, que rendeu António Guterres no PS (que se demitiu na sequência de maus resultados numas eleições autárquicas), perdeu.

Isto é factual, faz sentido, e parece constituir uma regra.

Ora, tendo em vista a demissão de António Costa, e a sua substituição na liderança do PS por Pedro Nuno Santos, pode dizer-se que este, com grande probabilidade, vai perder as eleições de 10 de março.

Muitos analistas antecipam hoje a derrota de Pedro Nuno Santos em função dos resultados das sondagens. Ora, nos dias que correm, as sondagens têm muito pouco valor. Nos Açores, davam a vitória ao PS e quem ganhou foi o PSD. Nas últimas legislativas, davam um empate entre o PSD e o PS e este ganhou folgadamente. Em Lisboa, davam a vitória a Fernando Medina e quem ganhou foi Carlos Moedas.

E este não é um problema das empresas portuguesas: lá fora passa-se o mesmo.

Em Inglaterra, já deram a vitória aos trabalhistas e ganharam os conservadores.

Nos EUA, em 2017, davam a vitória a Hillary Clinton e ganhou Donald Trump.

As sondagens têm falhado rotundamente.

Luís Montenegro não deve, pois, considerar-se favorito nas próximas eleições por estar hoje à frente na maioria das sondagens.

Nem deve considerar-se menos favorito pelo facto de os portugueses serem ‘socialistas’, como dizia Rui Carp.

Os portugueses não são socialistas, nem sociais-democratas, nem centristas.

São situacionistas: votam em quem está no poder.

E quando quem está no poder se demite, ou é demitido, votam na alternativa mais óbvia.

Ora, o facto é que António Costa se demitiu e a alternativa mais óbvia é Luís Montenegro.

Claro como água!

QOSHE - Quem vai ganhar em 10 de março? - José António Saraiva
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Quem vai ganhar em 10 de março?

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24.02.2024

Há algumas semanas encontrei nas Amoreiras Rui Carp, antigo secretário de Estado do Orçamento de Cavaco Silva. Falando da situação política, disse-me considerar provável que o Partido Socialista ganhe as próximas legislativas, pois – adiantava – «os portugueses são socialistas». Esta afirmação ficou a borbulhar-me na cabeça. ‘Serão os portugueses socialistas’? Tendo em conta os últimos oito anos, em que António Costa governou sem grande oposição, tendemos a pensar que sim.

Mas recuando no tempo, começamos a ter dúvidas.

Não é verdade que os mesmos portugueses que deram a maioria absoluta a António Costa tinham dado duas maiorias absolutas consecutivas a Cavaco Silva?

Nesse tempo, dir-se-ia que os portugueses eram ‘cavaquistas’.

E, no tempo de Salazar, não foram eles ‘salazaristas’ quase até ao fim? Se houvesse eleições livres, Salazar teria ganho facilmente todos os sufrágios, pelo menos até 1958 (ano das presidenciais em que concorreu Humberto Delgado).

E durante a Primeira República não votaram quase sempre em Afonso Costa?

E antes, no tempo da Monarquia,........

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