As eleições no PS correram como previsto. Ganhou Pedro Nuno Santos – que, ao contrário do que muitos comentadores dizem, não é líquido que perca as legislativas contra Montenegro. Por duas razões. Por um lado porque, por muito que custe a alguns setores, a verdade é que um bom número de portugueses gostou da governação socialista – que privilegiou o curto prazo e os apoios sociais, e desprezou o futuro.

Mas, nos dias que correm, quem se interessa verdadeiramente pelo futuro?
Numa época em que tudo é efémero, passageiro, fugidio, quem quer saber se o Governo vê um palmo à frente do nariz e se preocupa com o horizonte menos próximo?

As pessoas vivem hoje no imediato – e António Costa foi o primeiro-ministro certo para este tempo.

Fez uma governação à vista, não reformou nada, não fez uma única obra que se veja, mas foi tapando os buracos, melhorando um pouco as condições de vida dos mais pobres, distribuindo subsídios e oferecendo migalhas.
Com isso satisfez muita gente.

Que nas próximas eleições voltará a votar PS, acreditando que no essencial a política se vai manter sem grandes alterações.

Em segundo lugar, os eleitores votam mais em pessoas do que em programas.
O PSD pode ter um programa extraordinário, pode prometer a Lua, mas em última análise o que atrai o voto é a pessoa do líder.

E aí Pedro Nuno Santos tem uma clara vantagem sobre Luís Montenegro.
Projeta uma imagem mais forte, mais determinada, mostra maior capacidade de liderança, revela até uma pontinha de autoritarismo de que os portugueses sempre gostaram.

Como escrevi há oito dias, as qualidades de Pedro Nuno Santos são simultaneamente os seus defeitos. É um típico voluntarista – o que pode ser útil num país em que a incapacidade de decisão tem sido a marca dos últimos anos.

A cena que fez anunciando a localização do novo aeroporto de Lisboa, com a óbvia intenção de pôr à vista de todos a indecisão de António Costa, foi o exemplo mais acabado da sua impaciência.
É um homem impulsivo, que quando mete uma coisa na cabeça não se modera e leva tudo à frente.

Mas, por isso mesmo, a concentração de muito poder nas mãos de um político como este constitui um facto perigosíssimo.
Apertado, Pedro Nuno Santos pode fazer grandes asneiras.
Já fez algumas e é uma caixa de surpresas.
Não digo que seja um louco.

Mas a sua ideia de que Portugal não devia pagar as dívidas, fazendo tremer os banqueiros alemães; a reversão da privatização da TAP e de outras empresas de transportes públicos; o anúncio da localização do novo aeroporto feito à revelia do chefe do Governo, foram atos de perfeita loucura.
Estamos em risco de ter à frente do país um homem imprevisível.

Loucura também foi o que se passou com o caso das duas gémeas brasileiras. As críticas de alguns líderes políticos, de alguns comentadores e de alguns jornalistas deixaram-me atónito.
Quando atacam Marcelo Rebelo de Sousa, quando atacam Lacerda Sales, por terem dado sequência aos apelos que lhes chegaram sobre as gémeas brasileiras, o que pretendiam que eles fizessem?
Que deitassem os apelos para o lixo?

Entendamo-nos: se as gémeas tivessem passado à frente de alguém, se tivessem prejudicado alguém, o caso seria criticável.

Mas já foi cabalmente esclarecido que não havia lista de espera, pelo que ninguém ficou para trás.
Portanto, qual foi o crime?

Foi as meninas serem tratadas?

As pessoas ficariam mais contentes se elas tivessem sido devolvidas à origem sem tratamento?

As críticas que se ouviram, os ataques a que assistimos, levaram-me a perguntar a mim mesmo: será que os portugueses são mesmo maus?
Terão má índole?
Julgo que o problema será outro: primeiro, muitos socialistas viram no caso das gémeas uma oportunidade para se vingarem de Marcelo por ter dissolvido o Parlamento.
Escrevi-o na semana passada e reafirmo-o.
E depois, num segundo momento, o Chega e a IL aproveitaram o balanço para tentar denegrir o defunto Governo, atacando Lacerda Sales e por arrasto Marta Temido.
No fim, os jornalistas foram atrás – pois adoram escândalos e, nos tempos que correm, um imbróglio envolvendo o Presidente, o filho do Presidente, um secretário de Estado, uma ex-ministra e duas gémeas doentes de nacionalidade brasileira não é coisa que se deite fora.

QOSHE - Um homem perigoso e a maldade dos portugueses - José António Saraiva
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Um homem perigoso e a maldade dos portugueses

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23.12.2023

As eleições no PS correram como previsto. Ganhou Pedro Nuno Santos – que, ao contrário do que muitos comentadores dizem, não é líquido que perca as legislativas contra Montenegro. Por duas razões. Por um lado porque, por muito que custe a alguns setores, a verdade é que um bom número de portugueses gostou da governação socialista – que privilegiou o curto prazo e os apoios sociais, e desprezou o futuro.

Mas, nos dias que correm, quem se interessa verdadeiramente pelo futuro?
Numa época em que tudo é efémero, passageiro, fugidio, quem quer saber se o Governo vê um palmo à frente do nariz e se preocupa com o horizonte menos próximo?

As pessoas vivem hoje no imediato – e António Costa foi o primeiro-ministro certo para este tempo.

Fez uma governação à vista, não reformou nada, não fez uma única obra que se veja, mas foi tapando os buracos, melhorando um pouco as condições de vida dos mais pobres, distribuindo subsídios e oferecendo migalhas.
Com isso satisfez muita gente.

Que nas próximas eleições voltará a votar PS, acreditando que no........

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