Nas instalações da FIL, no Parque das Nações, a dois passos do Tejo, representou-se uma comédia que rivalizou com as melhores revistas à portuguesa dos tempos áureos do Parque Mayer. Todos os q ue estão minimamente dentro dos meandros da política sabem como são, de há muito, as relações entre António Costa e Pedro Nuno Santos. Detestam-se. Há muito tempo que Pedro Nuno Santos fazia em privado críticas a António Costa e à sua governação.

E, quando ainda era ministro, todos o viram anunciar uma suposta decisão do Governo sobre o novo aeroporto de Lisboa numa altura em que Costa estava ausente do país.

Soube-se depois que o anúncio fora feito à revelia do primeiro-ministro, e Pedro Nuno Santos teve de engolir a brincadeira.
Mas o terreno estava marcado.

E desde aí o PS dividiu-se, com muitos militantes a juntarem-se à sua volta.
Perante isto, foi com estupefação que assistimos na FIL a uma cena extraordinária: António Costa ir buscar Pedro Nuno Santos ao seu lugar no Congresso e conduzi-lo até ao centro do palco.
Era nítido o incómodo por parte do novo líder, sentindo-se a ser levado como uma criancinha até à luz dos holofotes.
Não era ele que se impunha: era o pai que o levava pela mão.
Mas no dia seguinte o filho vingar-se-ia.

O discurso de domingo de Pedro Nuno Santos foi um modelo de fingimento. Simulando que elogiava a governação de António Costa, demoliu-a de alto a baixo. Falando do que tenciona fazer se for eleito primeiro-ministro, o novo líder adiantou duas ideias.
Primeira: em lugar de dispersar os apoios estatais por muitas áreas da economia, vai concentrá-los em dois ou três setores escolhidos estrategicamente pelo Governo.

Ora, quem foi o primeiro-ministro que distribuiu apoios a esmo, que aprovou subsídios para tudo e mais alguma coisa, que dispersou dinheiro por muitas e variadas áreas para garantir votos?
Pedro Passos Coelho?
Não: António Costa.
Em segundo lugar, Pedro Nuno Santos disse que não terá medo de decidir e agir, pois governar é exatamente tomar decisões e concretizá-las.
Ora, quem foi o primeiro-ministro que mostrou mais incapacidade de decisão, mais medo de fazer reformas, de avançar com medidas estruturais?
Pedro Passos Coelho?
Não: António Costa.

Para exemplificar este ponto da indecisão, Pedro Nuno Santos teve o desplante de citar o caso do novo aeroporto, provocando risos na sala.
Todos sabemos que, quando Passos Coelho saiu do Governo, a decisão estava tomada: era a Portela 1.
E quem fez voltar tudo para trás?
O Governo do Partido Socialista.
Fingindo estar a atacar Passos Coelho, Pedro Nuno Santos estava afinal a recordar a incapacidade de decisão de António Costa.

Mas o novo líder socialista não se ficou por aqui. Glorificando a governação de António Costa, elogiando-a, dizendo que foi estupenda, que tudo correu no melhor dos mundos, Pedro Nuno Santos acabou a admitir que o SNS não está bem, que na educação há dificuldades, que na habitação há muito para fazer, etc. – ou seja, que há problemas em todo lado.

Após oito anos de Costa no Governo, o país está cheio de dificuldades.
E quem vai resolver os problemas?

Ele, Pedro Nuno Santos, com a experiência entretanto adquirida, com a sua energia, com a sua capacidade de decisão, com a sua vontade.
Ele vai resolver num ápice tudo aquilo que António Costa em oito anos não foi capaz de resolver.

A meio do discurso, alguns socialistas aperceberam-se da comédia que o novo líder estava a representar e deixaram de o aplaudir.
Assim aconteceu com Augusto Santos Silva, por exemplo.

Não foi, porém, o caso de António Costa.
Fingindo acreditar nos fingidos elogios de Pedro Nuno Santos, Costa foi sempre batendo palmas com fingido entusiasmo.
E, no fim, foi o primeiro a levantar-se e a aplaudir de pé.
Era o último passo daquela comédia.

Pedro Nuno Santos criticava fingindo que elogiava, Costa aplaudia fingindo que não tinha percebido as críticas.
Mas eu percebo-o: também António Costa se quer pendurar em Pedro Nuno Santos, para este não o esquecer, não o deixar cair, para não lhe fazer o mesmo que Costa fez a Sócrates, proibindo o partido de falar em casos judiciais.

Mas atenção: Pedro Nuno Santos já foi dizendo nos corredores da FIL que o PS tem de deixar de falar da Justiça, tem de deixar a Justiça trabalhar em paz – e precisa é de se concentrar na política, em dar esperança aos portugueses.
O caso promete.

António Costa vai querer continuar a andar por aí – e Pedro Nuno Santos não vai querer ser ensombrado por ninguém.

QOSHE - Uma comédia na FIL - José António Saraiva
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Uma comédia na FIL

9 1
14.01.2024

Nas instalações da FIL, no Parque das Nações, a dois passos do Tejo, representou-se uma comédia que rivalizou com as melhores revistas à portuguesa dos tempos áureos do Parque Mayer. Todos os q ue estão minimamente dentro dos meandros da política sabem como são, de há muito, as relações entre António Costa e Pedro Nuno Santos. Detestam-se. Há muito tempo que Pedro Nuno Santos fazia em privado críticas a António Costa e à sua governação.

E, quando ainda era ministro, todos o viram anunciar uma suposta decisão do Governo sobre o novo aeroporto de Lisboa numa altura em que Costa estava ausente do país.

Soube-se depois que o anúncio fora feito à revelia do primeiro-ministro, e Pedro Nuno Santos teve de engolir a brincadeira.
Mas o terreno estava marcado.

E desde aí o PS dividiu-se, com muitos militantes a juntarem-se à sua volta.
Perante isto, foi com estupefação que assistimos na FIL a uma cena extraordinária: António Costa ir buscar Pedro Nuno Santos ao seu lugar no Congresso e conduzi-lo até ao centro do palco.
Era nítido o incómodo por parte do novo líder, sentindo-se a ser levado como uma criancinha até........

© Jornal SOL


Get it on Google Play