Rui Tavares foi um dos vencedores da noite eleitoral e muitos atribuem esse bom resultado do Livre ao discurso sensato e coerente – isto é, uma esquerda civilizada sem os rancores de outros protagonistas… – do homem que em tempos foi eleito para Bruxelas pelo Bloco de Esquerda, tendo depois batido com a porta e ficado como independente. Olhando para 2011, o episódio ainda é mais caricato. Francisco Louçã, então líder do BE, escreveu um texto no Facebook a acusar Rui Tavares de ter ‘substituído’ algures, não se percebeu se em público ou privado, Fernando Rosas por Daniel Oliveira, como um dos quatro fundadores do partido. O certo é que a ‘guerra’ entre os dois levou Rui Tavares a continuar em Bruxelas, mas como independente.

Três anos depois, surgia o Livre, com Rui Tavares ao leme. Nas eleições legislativas de 2019, o partido conseguiu eleger Joacine Katar Moreira, que acabaria por optar pelo caminho que Tavares tinha seguido em Bruxelas, desfiliando-se do partido e continuando como independente noParlamento português. Tenho por Rui Tavares alguma simpatia intelectual, apesar de na maioria das vezes estarmos nos antípodas. Eu gosto do slogan ‘é proibido proibir’, ele gosta da política do cancelamento, além das outras questões ideológicas. Vem esta conversa a propósito do discurso de Tavares à saída do encontro com o Presidente da República, onde o líder do Livre mostrou o seu desagrado por Marcelo Rebelo de Sousa estar a receber os partidos antes de as contas finais das eleições estarem fechadas. Até aí, nada de mal. O problema é que Rui Tavares, sentindo que o vento lhe sopra de feição, logo acrescentou que a Esquerda é que deve ser convidada a governar, pois os votos do Chega não contam para nada. Calculo que Rui Tavares tenha feito as seguintes contas: a AD mais a Iniciativa Liberal, neste momento, têm 87 deputados, já a Esquerda com uma coisa chamada PAN, têm 89. Logo, já estão à frente e até podem ficar mais, caso os quatro votos dos círculos da Europa e do Resto do Mundo pendam para o PS.

Rui Tavares, como muitos políticos, já para não falar em algumas avantesmas que destilam veneno na televisão, não percebeu que os mais de seis milhões de pessoas que foram votar deram uma clara maioria à direita, mesmo que a AD recuse qualquer acordo parlamentar com o Chega. Defender que Marcelo deve dar à esquerda a possibilidade de governar é o mesmo que estar a anunciar ao mundo que o Chega no próximo ato eleitoral – que será muito em breve se tal aberração for para a frente, embora Marcelo ainda não esteja lelé da Cuca para entrar numa loucura dessas –, terá ainda mais do que 48 deputados, aproximando-se ou ultrapassando a AD.

Tudo isto é ainda mais estranho quando Pedro Nuno Santos já admitiu a derrota – calculo que tenha tido informações sobre os quatro mandatos que faltam, mas a suposta esquerda moderada não entende assim. Rui Tavares estará a ter resquícios da convivência com Francisco Louçã? Quererá ir para o Governo quando do outro lado estão mais do que 116 deputados? Insólito.

P. S. Ao analisar os resultados concelho a concelho vi alguns casos que o Chega ficou à frente da AD por um ou meia dúzia de votos e vice-versa. O que só comprova que todos os votos fazem a diferença