Hoje, domingo, dia em que escrevo, tive não apenas a sensação, mas a certeza de que este mundo já não é o meu. Esse a que chamei meu acabou. Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás. Penso agora nisso e não consigo perceber como e quando o meu mundo morreu, e um outro, ao qual não pertenço, nasceu, principiou a balbuciar e a gatinhar, depois a erguer-se sobre as pernas, a andar e a fazer-se ouvir, com uma voz cada vez mais alta. Havia sinais, mas pareciam coisas sem sentido, a princípio nem lhes dava importância. Por exemplo, a falência das antigas regras de tratamento. Não se tratava um homem desconhecido por senhor Jorge, mas por senhor Maia. Era o último nome que indicava uma pertença e constituía a identidade. Quando a moda do primeiro nome começou, talvez já o meu mundo estivesse moribundo.

Esta sensação de não se pertencer ao mundo em que se vive não é inédita. Contudo, cada um tem a sua experiência e é essa que conta para ele. O meu mundo começou antes de eu nascer. Começou em 1945, com o fim da segunda grande guerra. Nasci nele e fui por ele moldado, mesmo se vivi muitos anos num país que estava fora do mundo que existia. Esse mundo que me acolheu fugia de um outro tenebroso. Trazia uma promessa de liberdade, que demorou, como tudo, a chegar a Portugal. Havia nele um conjunto de valores e de perspectivas do que era uma vida digna de ser vivida, tanto ao nível moral como político. Havia também a ilusão, vejo-o agora, de que esse mundo tinha um grande futuro diante de si. Nós que vivíamos nesse mundo fugíamos das trevas e não sabíamos que nos estávamos a dirigir de novo para elas.

Aqueles que viveram, em 1974, quase trinta anos depois, a chegada do mundo que começara em 1945, lembram-se que as grandes figuras políticas de então, apesar de defensoras de um regime de liberdade, eram figuras graves. Tinha-se a percepção de que elas estavam seriamente preocupadas com o rumo da comunidade. Não sei bem quando isso se perdeu, mas talvez tenha sido no início deste milénio. Esse mundo da gravitas política está morto. Talvez tenha morrido quando deixei de ser o senhor Maia e passei a ser o senhor Jorge. Um mundo em que apenas os clowns fascinam o eleitorado, onde gente sem programa, a não ser aproveitar a liberdade para a matar, nem ideias sobre o país é idolatrada pelas novas gerações já não é o meu mundo. Vivemos já, estou convicto, num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria.

Hoje, domingo, dia em que escrevo, tive não apenas a sensação, mas a certeza de que este mundo já não é o meu. Esse a que chamei meu acabou. Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás. Penso agora nisso e não consigo perceber como e quando o meu mundo morreu, e um outro, ao qual não pertenço, nasceu, principiou a balbuciar e a gatinhar, depois a erguer-se sobre as pernas, a andar e a fazer-se ouvir, com uma voz cada vez mais alta. Havia sinais, mas pareciam coisas sem sentido, a princípio nem lhes dava importância. Por exemplo, a falência das antigas regras de tratamento. Não se tratava um homem desconhecido por senhor Jorge, mas por senhor Maia. Era o último nome que indicava uma pertença e constituía a identidade. Quando a moda do primeiro nome começou, talvez já o meu mundo estivesse moribundo.

Esta sensação de não se pertencer ao mundo em que se vive não é inédita. Contudo, cada um tem a sua experiência e é essa que conta para ele. O meu mundo começou antes de eu nascer. Começou em 1945, com o fim da segunda grande guerra. Nasci nele e fui por ele moldado, mesmo se vivi muitos anos num país que estava fora do mundo que existia. Esse mundo que me acolheu fugia de um outro tenebroso. Trazia uma promessa de liberdade, que demorou, como tudo, a chegar a Portugal. Havia nele um conjunto de valores e de perspectivas do que era uma vida digna de ser vivida, tanto ao nível moral como político. Havia também a ilusão, vejo-o agora, de que esse mundo tinha um grande futuro diante de si. Nós que vivíamos nesse mundo fugíamos das trevas e não sabíamos que nos estávamos a dirigir de novo para elas.

Aqueles que viveram, em 1974, quase trinta anos depois, a chegada do mundo que começara em 1945, lembram-se que as grandes figuras políticas de então, apesar de defensoras de um regime de liberdade, eram figuras graves. Tinha-se a percepção de que elas estavam seriamente preocupadas com o rumo da comunidade. Não sei bem quando isso se perdeu, mas talvez tenha sido no início deste milénio. Esse mundo da gravitas política está morto. Talvez tenha morrido quando deixei de ser o senhor Maia e passei a ser o senhor Jorge. Um mundo em que apenas os clowns fascinam o eleitorado, onde gente sem programa, a não ser aproveitar a liberdade para a matar, nem ideias sobre o país é idolatrada pelas novas gerações já não é o meu mundo. Vivemos já, estou convicto, num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria.

Escreve Jorge Carreira Maia, nesta edição, ter a certeza de que este mundo já não é o seu e que o mundo a que chamou seu acabou. “Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás”, vai ele dizendo na suas palavras sempre lúcidas e brilhantes, concluindo que “vivemos já num mundo tenebroso, onde os clowns ainda não estão no poder, mas este já espera por eles, para que a História satisfaça a sua insaciável sede de sangue e miséria”.
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O dia 5 de Fevereiro de 2032, em que o Francisco Falcão fez 82 anos - aos quais nunca julgara ir chegar -, nasceu ainda mais frio do que os anteriores e este Inverno parecia ser nisso ainda pior que os que o antecederam, o que contribuiu para que cada vez com mais frequência ele se fosse deixando ficar na cama até mais tarde e neste dia festivo só de lá iria sair depois do meio-dia.
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Há dias atrás, no âmbito da pré-campanha eleitoral, visitei o lugar onde passei a maior parte da minha vida (47 anos), as oficinas da CP no Entroncamento.

Não que tivesse saudades, mas o espaço, o cheiro e acima de tudo a oportunidade de rever alguns companheiros que ainda por lá se encontram, que ainda lá continuam a vender a sua força de trabalho, foi uma boa recompensa.
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Quando me aborreço, mudo de canal. Vou seguindo os debates eleitorais televisivos, mas, saturado, opto por um filme no SYFY, onde a Humanidade tenta salvar com seus heróis americanizados da Marvel o planeta Terra, em vez de gramar as notas e as opiniões dos comentadores profissionais e partidocratas que se esfalfam na crítica ou no elogio do seu candidato de estimação.
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“Quando somos crianças, perguntamos sempre porquê, mas os adultos esquecem-se de continuar a perguntar. Limitam-se a aceitar.”

Colum McCann in Apeirogon

Na citação acima podemos encontrar a explicação para a passividade face aos desastres ambientais revelada pelas gerações menos jovens.
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Não veio do nada este tema, proposto aos meus alunos, para reflectirem e treinarem o domínio da escrita. Ele é recorrente em textos que lemos e analisamos e ainda foi discutido na sequência do visionamento de um filme, cuja personagem principal sofre de alzheimer.
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Declaração de interesses: sou sócio da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos há mais de 20 anos, sócio de quotas pagas e dos que não desistem de vez em quando e voltam a entrar, ao sabor das circunstâncias.
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Já, no passado, escrevi que só voltaria a crer numa justiça democrática em Portugal no dia em que Ricardo Salgado e José Sócrates se sentassem, em julgamento, no banco dos réus. O que tem acontecido nos últimos tempos abriu no meu cepticismo algumas frestas de esperança.
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Pede-se que as campanhas eleitorais sejam esclarecedoras, o que pressupõe a existência de um público a ser esclarecido. Esta ideia de esclarecimento está ligada à ideia de verdade. Esclarecer significa permitir aos eleitores o acesso à verdade.
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Este não é o meu mundo - jorge carreira maia

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22.02.2024

Hoje, domingo, dia em que escrevo, tive não apenas a sensação, mas a certeza de que este mundo já não é o meu. Esse a que chamei meu acabou. Não sei bem qual foi a hora em que as coisas mudaram, em que a megera da História me deixou para trás. Penso agora nisso e não consigo perceber como e quando o meu mundo morreu, e um outro, ao qual não pertenço, nasceu, principiou a balbuciar e a gatinhar, depois a erguer-se sobre as pernas, a andar e a fazer-se ouvir, com uma voz cada vez mais alta. Havia sinais, mas pareciam coisas sem sentido, a princípio nem lhes dava importância. Por exemplo, a falência das antigas regras de tratamento. Não se tratava um homem desconhecido por senhor Jorge, mas por senhor Maia. Era o último nome que indicava uma pertença e constituía a identidade. Quando a moda do primeiro nome começou, talvez já o meu mundo estivesse moribundo.

Esta sensação de não se pertencer ao mundo em que se vive não é inédita. Contudo, cada um tem a sua experiência e é essa que conta para ele. O meu mundo começou antes de eu nascer. Começou em 1945, com o fim da segunda grande guerra. Nasci nele e fui por ele moldado, mesmo se vivi muitos anos num país que estava fora do mundo que existia. Esse mundo que me acolheu fugia de um outro tenebroso. Trazia uma promessa de liberdade, que demorou, como tudo, a chegar a Portugal. Havia nele um conjunto de valores e de perspectivas do que era uma vida digna de ser vivida, tanto ao nível moral como político. Havia também a ilusão, vejo-o agora, de que esse mundo tinha um grande futuro diante de si. Nós que vivíamos nesse mundo fugíamos das trevas e não sabíamos que nos estávamos a dirigir de novo para elas.

Aqueles que viveram, em 1974, quase trinta anos depois, a chegada do mundo que começara em 1945, lembram-se que as grandes figuras políticas de então, apesar de defensoras de um regime de liberdade, eram figuras graves. Tinha-se a percepção de que elas estavam seriamente preocupadas com o rumo da comunidade. Não sei bem quando isso se perdeu, mas talvez tenha sido no início deste milénio. Esse mundo da gravitas política está morto. Talvez tenha morrido quando deixei de ser o senhor........

© Jornal Torrejano


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