À semelhança do ano passado partilho alguns dos livros que li em 2023 e que mais me surpreenderam ou se revelaram interessantes. Não tenho por hábito procurar ler o que está na moda ou acabou de sair das editoras, razão pela qual algumas das escolhas são de livros com alguns anos. O primeiro deles é ‘The Ottomans Centuries’, de Lord Kinross. Escrito nos anos 70, continua a ser uma referência para se entender o que foi o Império Otomano e o que é hoje a Turquia. Kinross, historiador escocês especialista em história islâmica e autor da biografia de Ataturk, descreve-nos com minúcia e numa prosa escorreita o percurso do império otomano desde a sua ascensão, passando pelo apogeu e seguido de uma lenta decadência que se torna numa verdadeira agonia final. A obra é imensa, mas há um aspecto que é de realçar devido à sua relevância para a actual guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Trata-se do domínio do Mar Negro pelos Otomanos, efémero e nem sempre total, mas que Istambul tentou manter contra os ataques russos do século XVIII, com o apoio dos povos nativos. O domínio do Mar Negro era um ponto essencial para a segurança dos Otomanos e, a partir do momento em que tal se tornou impossível, o objectivo foi o de evitar que os Russos dominassem a margem norte do mar. A geoestratégia raramente varia porque a geografia é fixa e o papel que Erdogan tem querido assumir na mediação do conflito entre Kiev e Moscovo tem razão de ser antiga. Para Istambul, a Ucrânia é o Estado tampão que impede que Moscovo se instale na margem norte do Mar Negro.

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Uma das surpresas mais agradáveis deste ano foi ‘Aftermath – Life in the Fallout of the Third Reich, 1945-1955’, de Harald Jähner. Comprei este livro no ano passado, mas apenas o li este ano e arrependi-me de imediato por não o ter feito mais cedo. Desde sempre me questionei sobre como teria sido a vida na Alemanha depois de Maio de 1945 e é sobre esse período até 1955 que o livro se debruça. Para minha surpresa, Jähner não se cinge aos acontecimento políticos (que até são pouco referidos), mas à vida social e ao dia-a-dia dos alemães nessa época. As longas caminhadas dos soldados germânicos de um ponto na Europa para as suas casas destruídas, o regresso dos prisioneiros e deslocados de guerra da Alemanha para os seus países de origem, a fome, o mercado negro e o papel das crianças na busca (ou roubo) de comida e utensílios indispensáveis para se viver, o entulho e a limpeza das ruas, o ressurgimento da imprensa e do divertimento, o papel que as mulheres tiveram nesse período tão conturbado, o impacto da presença norte-americana e, a parte mais corajosa e assombrosa do livro porque escrito por um alemão, o sentimento de culpa e o modo como os alemães conviveram com ela, lideram com ela, não a ultrapassaram mas dela fizeram a sua força para, dos escombros, se tornarem na maior economia da Europa e uma das mais poderosas do mundo. O livro é fantástico e já está traduzido para português pela D. Quixote.

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Alguns livros lidos em 2023

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24.12.2023

À semelhança do ano passado partilho alguns dos livros que li em 2023 e que mais me surpreenderam ou se revelaram interessantes. Não tenho por hábito procurar ler o que está na moda ou acabou de sair das editoras, razão pela qual algumas das escolhas são de livros com alguns anos. O primeiro deles é ‘The Ottomans Centuries’, de Lord Kinross. Escrito nos anos 70, continua a ser uma referência para se entender o que foi o Império Otomano e o que é hoje a Turquia. Kinross, historiador escocês especialista em história islâmica e autor da biografia de Ataturk, descreve-nos com minúcia e numa prosa escorreita o percurso do império otomano desde a sua ascensão, passando pelo apogeu e seguido de uma lenta decadência que se torna numa verdadeira agonia final. A obra é imensa, mas há um aspecto que é de realçar devido à sua........

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