O ressurgimento das autocracias à cabeça de dois estados como a Rússia e a China, associado à crise de confiança no interior das democracias liberais está a produzir consequências no equilíbrio de poder a nível mundial. A invasão da Ucrânia pela Rússia, o renascimento das antigas desconfianças nas fronteiras da Hungria, Roménia e Ucrânia, o ataque terrorista do Hamas a Israel e as tensões no Mar do sul da China são um reflexo disso mesmo. No Ocidente receia-se que Moscovo ataque outros estados europeus e que a China invada Taiwan. Perante a dimensão global dos desafios, o que pode fazer um pequeno país como Portugal?

Antes de mais, dividir o processo em pequenos fases e concentrar-se no essencial. Na ponta ocidental da Europa, à beira do Atlântico, Portugal tem pouca ou nenhuma relevância na Europa de Leste e no Extremo Oriente. Mas, num mundo global, a mínima alteração do equilíbrio em qualquer zona do globo terá consequências imprevisíveis no seu todo. Até mesmo em regiões afastadas dos actuais e potenciais conflitos. Assim é o caso na América do Sul e de África, nomeadamente na África Ocidental, Central e Oriental, onde Portugal ainda tem alguma influência.

Quem compreendeu isso muito bem, e o disse a Marcelo Rebelo de Sousa, foi Volodymyr Zelensky. Aquando da visita do Presidente da República e Kiev, em Agosto de 2023, Zelensky pediu a colaboração de Portugal no esforço de aproximação às posições do bloco Ocidental de países como o Brasil, Angola e Cabo Verde. Não é a primeira vez que o papel de Portugal no Atlântico, nomeadamente no Atlântico Sul, é mencionado por um estrangeiro. Em Abril do ano passado, referi aqui o papel que o nosso país pode ter no alargamento da NATO para o Atlântico sul, nomeadamente através do Brasil e de Cabo Verde. A possibilidade de tal acontecer é remota, mas quanto à mesma não devemos ignorar dois aspectos: primeiro, que se uma organização atlântica como a NATO se estende até às fronteiras com a Rússia, nada impede que o mesmo não suceda para sul. Segundo, que esse alargamento para sul é um horizonte a longo prazo. Não é algo que tenha de ser concretizado de imediato ou até nos próximos 10, 20 anos, mas uma visão que, mesmo que não alcançada, dá escopo a outras soluções como uma parceria Portugal/Brasil na protecção dos mares em Cabo Verde e, quem sabe?, a inclusão de Angola nesse esforço. A projecção de uma tal parceria no Sahel (que a Rússia quer controlar em detrimento da França) teria consequências imprevisíveis a favor do Ocidente. Permitiria também que os países de língua oficial portuguesa assumissem um papel na defesa do Atlântico Sul. Algo que um breve olhar para o mapa esclarece não só ser uma possibilidade, mas também um dever.

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Uma política externa de longo prazo

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18.02.2024

O ressurgimento das autocracias à cabeça de dois estados como a Rússia e a China, associado à crise de confiança no interior das democracias liberais está a produzir consequências no equilíbrio de poder a nível mundial. A invasão da Ucrânia pela Rússia, o renascimento das antigas desconfianças nas fronteiras da Hungria, Roménia e Ucrânia, o ataque terrorista do Hamas a Israel e as tensões no Mar do sul da China são um reflexo disso mesmo. No Ocidente receia-se que Moscovo ataque outros estados europeus e que a China invada Taiwan. Perante a dimensão global dos desafios, o que pode fazer um pequeno país como Portugal?

Antes de mais, dividir o processo em pequenos fases e concentrar-se no essencial. Na ponta ocidental da Europa, à beira do Atlântico, Portugal tem........

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