Quando Sá Carneiro morreu, eu ainda era uma criança. Mas lembro-me da música sinfónica ininterrupta na televisão da sala, junto ao relógio antigo com o pêndulo a andar de um lado para o outro. Um jornalista apareceu a dar a notícia e a apelar à calma. O sentimento geral era de luto e perda de esperança, tinham-nos tirado algo precioso que eu não sabia bem qualificar. No entanto, o que descobri ao longo do tempo foi algo mais profundo e que me marcou distintivamente para o resto da vida: podem matar um homem mas não o seu sonho, se for uma ideia universal, altruísta e capaz de melhorar a vida de muita gente. Os discursos que fui depois ouvindo e os planos que fui lendo eram genuínos, com princípios políticos e sociais tendentes a regenerar um povo que clamou por justiça e desenvolvimento. O partido que Sá Carneiro fundou era assente na melhoria real da vida das pessoas, no derrube dos muros que se estavam a construir e um impulso económico irreversível no país. Num Portugal onde tudo era transacionável, deixava sempre claro que o mesmo não acontecia com a ética. Por vezes, na História da humanidade aparecem pessoas assim, o que faz com que sejam assassinados por homens a quem interessa a assimetria social e as divisões.

Candidatei-me a presidente da Câmara nas últimas eleições autárquicas porque considerava (e ainda considero) que a gestão de Rui Moreira e equipa destruíram a cidade que amo, onde nasci e onde vivo. Candidatei-me a presidente da Câmara nas últimas eleições autárquicas porque concebi um plano para melhorar a cidade, com sete eixos de atuação (habitação, economia, segurança, ação social, cultura, trânsito e ambiente). Na altura reuni e troquei impressões com os maiores especialistas para me pôr ao corrente da situação: reitor da Universidade do Porto, coordenador da Polícia Judiciária, diretora regional da PSP, bastonários e representantes de diversas Ordens profissionais, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, presidente do F.C. Porto, diretores do Boavista F. C., múltiplas associações de assistência social e companhias de teatro. Tudo gente com máxima competência técnica e extrema generosidade. Numas eleições afetadas pela pandemia e ostracizado pela comunicação social mainstream, o melhor programa eleitoral passou ao lado dos portuenses. Mesmo assim, fiz uma campanha assertiva e que deixou boas memórias em muita gente. O resto é história: Rui Moreira ganhou com 39% (não os 60% das sondagens um mês antes) e perdeu a maioria absoluta. A sua imagem já estava muito desgastada, fruto de uma governação que durante oito anos abandonou os portuenses e beneficiou apenas uma elite. Sempre de mãos dadas com o PS, o movimento Rui Moreira foi tomando o pequeno-almoço com a IL e almoçando com o CDS. Uma notícia do último sábado diz que quer dar o nome de Mário Soares a um jardim da cidade. As incongruências são de bradar aos céus e a incompetência parece não ter limites.

Hoje envio o meu cartão do Partido Social Democrata ao Dr. Luís Montenegro. O mesmo cartão laranja que sempre esteve orgulhoso na minha carteira. Também cesso funções como delegado da Assembleia Distrital do Porto. É uma decisão bem pensada e refleti sobre o assunto, porque infelizmente era uma hipótese que se falava há algum tempo. Mesmo assim, tive sempre esperança que fosse mais um boato sem significado. Agora que se concretizou, sair é a única coisa que posso fazer. Apesar da minha profunda admiração pelo fundador do PPD/PSD. Apesar da influência da minha escolha profissional pelo estudo do brilhantismo económico do professor Cavaco Silva. Apesar da profunda simpatia da gente que me levou ao partido. Apesar de tudo, às vezes é preciso mudarmos para os nossos ideais permanecerem. Porque ser militante de um partido político não é a mesma coisa que ser adepto de um clube de futebol: é algo mais profundo e que tem a ver com a nossa maneira de pensar, sentir, agir e ser. Porque o PSD passa a ser um partido de marca branca. Porque este já não é o partido de Sá Carneiro e de Cavaco Silva, mas uma agremiação de amigos. Porque esta é uma traição contra quem tem feito oposição, na Câmara do Porto, às políticas erradas do seu presidente e do seu movimento. A opção por Rui Moreira é mais um erro de Luís Montenegro, na sua curta mas desastrosa presidência. No entanto, sei que o PSD vai recuperar depois das estratégias erradas e deste veleiro que vai ao sabor do vento. Entretanto, o partido vai ter de passar por uma via sacra e infelizmente quando o país mais precisava de confiança e credibilidade. Mas tenho a certeza que surgirá um líder com mão firme no leme.

Quando Sá Carneiro morreu, eu ainda era uma criança. Mas lembro-me da música sinfónica ininterrupta na televisão da sala, junto ao relógio antigo com o pêndulo a andar de um lado para o outro. Por mim, estarei onde sempre estive: no combate pela justiça social, crescimento económico e desenvolvimento sustentável. Sobretudo, na urgência da luta para que o Porto se erga dos escombros. O pêndulo do relógio antigo continuam a andar de um lado para o outro. O tempo não pára. Mas os valores de Sá Carneiro estarão sempre comigo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Receba um alerta sempre que Diogo Araújo Dantas publique um novo artigo.

QOSHE - A segunda morte de Sá Carneiro - Diogo Araújo Dantas
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

A segunda morte de Sá Carneiro

30 3
23.04.2024

Quando Sá Carneiro morreu, eu ainda era uma criança. Mas lembro-me da música sinfónica ininterrupta na televisão da sala, junto ao relógio antigo com o pêndulo a andar de um lado para o outro. Um jornalista apareceu a dar a notícia e a apelar à calma. O sentimento geral era de luto e perda de esperança, tinham-nos tirado algo precioso que eu não sabia bem qualificar. No entanto, o que descobri ao longo do tempo foi algo mais profundo e que me marcou distintivamente para o resto da vida: podem matar um homem mas não o seu sonho, se for uma ideia universal, altruísta e capaz de melhorar a vida de muita gente. Os discursos que fui depois ouvindo e os planos que fui lendo eram genuínos, com princípios políticos e sociais tendentes a regenerar um povo que clamou por justiça e desenvolvimento. O partido que Sá Carneiro fundou era assente na melhoria real da vida das pessoas, no derrube dos muros que se estavam a construir e um impulso económico irreversível no país. Num Portugal onde tudo era transacionável, deixava sempre claro que o mesmo não acontecia com a ética. Por vezes, na História da humanidade aparecem pessoas assim, o que faz com que sejam assassinados por homens a quem interessa a assimetria social e as divisões.

Candidatei-me a presidente da Câmara nas últimas eleições autárquicas porque........

© Observador


Get it on Google Play