A pandemia trouxe-nos a saúde mental como um assunto com relevância pública. Multiplicaram-se as pessoas que passaram a partilhar dos seus episódios mais dolorosos e mais sombrios. A saúde mental passou a ser um ponto de passagem nos mais diversos discursos; desde os responsáveis políticos às empresas ou aos pais. E a forma como muitas organizações passaram a disponibilizar apoio psicológico aos seus funcionários banalizou-se e passou a ser um factor de diferenciação e, até, de orgulho institucional. Mesmo que muitas delas, diga-se, continuem a lidar com os seus colaboradores como se fossem “pouco pessoas”, usufruindo de menos das suas singularidades em favor de objectivos comuns. Ou promovendo climas de trabalho onde as picardias, os melindres e as avaliações com “agendas ocultas” são, por vezes, mais próximos do bullying e do assédio moral que da saúde mental.

A saúde mental não se mede pela frequência com que se fala dela. Nem pela forma como se banaliza o recurso ao apoio psicológico. No “final da linha”, a saúde mental avalia-se pelo jeito como pensamos sobre nós, as pessoas, a vida e o próprio pensamento. Como transformamos tudo o que de único nós temos numa singularidade que se assume com transparência, espontaneidade e autenticidade. A bem da verdade da relação connosco e do bem que isso nos traz à relação com os outros. E “avalia-se” pela forma como reclamamos ser devolvidos à inteligência e à sensibilidade que temos – resgatando a humildade, a gratidão, o orgulho e a capacidade de aceder à culpabilidade – e a transformamos em empatia, compaixão, entusiasmo e esperança. A saúde mental não se traduz em narcisismo. E aos olhos dela, os outros não servem para que passemos a vida a afirmarmo-nos, vaidosa e vitoriosamente, sobre eles, mas para que, com a sua ajuda, nos tornemos pessoas melhores. Ou seja, quem não aprende com a vida e não transforma essa sabedoria num instrumento de interpelação e de mudança pode falar muito de saúde mental mas, de cada vez que o faz, ilude-se. E afasta-se dela.

Será, depois disto, que na relação connosco, com aquele que será o nosso amor, com os nossos filhos ou com a nossa família seremos tão íntimos como devíamos da saúde mental?

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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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Não somos todos doentes mentais!

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21.01.2024

A pandemia trouxe-nos a saúde mental como um assunto com relevância pública. Multiplicaram-se as pessoas que passaram a partilhar dos seus episódios mais dolorosos e mais sombrios. A saúde mental passou a ser um ponto de passagem nos mais diversos discursos; desde os responsáveis políticos às empresas ou aos pais. E a forma como muitas organizações passaram a disponibilizar apoio psicológico aos seus funcionários banalizou-se e passou a ser um factor de diferenciação e, até, de orgulho institucional. Mesmo que muitas delas, diga-se, continuem a lidar com os seus colaboradores como se fossem “pouco pessoas”, usufruindo de menos das suas singularidades em favor de objectivos comuns. Ou promovendo climas de trabalho onde as picardias, os melindres........

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