Há mais de 100 anos, Freud falava de uma categoria de perturbações psicológicas a que chamava neurose actual. Chamando a atenção para os sintomas mais habituais que elas manifestavam: angústia, fadiga, cefaleias, irratibilidade, alguns sintomas psicossomáticos ou dores difusas, por exemplo.

A ideia de as descrever como “actuais” pretendia deixar clara a novidade destas queixas, que não teriam a exuberância de sintomas doutros quadros clínicos, por mais que não deixassem de se traduzir num sofrimento psicológico basal que tolhe e limita.

100 anos depois, são comuns as queixas de aborrecimento, astenia, abulia, morosidade, “neura” ou “vazio” entre muitas pessoas. Que, no entanto, “funcionam”. Cumprem os seus compromissos. São sérias e empenhadas naquilo que fazem. Mas falta-lhes “alma”. Garra. Determinação. E entusiasmo. E, embora não se descrevam a si próprias como abertamente deprimidas, é frequente que relacionem o seu mal-estar ou algum desencanto com o abatimento que as toma. Que descrevem, de forma concisa, como “cansaço”. Não estarão, de certa forma, cansadas da vida. Mas não estão nem apaixonadas nem entusiasmadas com ela. “As coisas” estarão todas no lugar. Mas sentem-se muito engolidas por rotinas que as intoxicam. As suas relações mais significativas – nomeadamente, as amorosas – parecem ter perdido vivacidade e quase se terão “burocratizado”. No dia-a-dia, prevalece o banal. E, por mais que sejam pessoas equilibradas e esclarecidas, há uma bruma depressiva e uma aragem de angústia que as agita, por dentro, como se a falta da novidade, da surpresa ou do desafio as angustiasse. E as deitasse abaixo. Anseiam por mudanças mas procrastinam-nas. E, as pequenas transformações que poderiam promover, parecem estar “cercadas” por agendas, compromissos e pequenos boicotes que as levam a sentir que a sua vida nunca surge primeiro. Não tem “a sua cara”. Nem sequer se sentem a “mandar” nela. Sentem-na num impasse. Estão vivas; mas vêem-se “paradas”.

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Neurose actual

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19.11.2023

Há mais de 100 anos, Freud falava de uma categoria de perturbações psicológicas a que chamava neurose actual. Chamando a atenção para os sintomas mais habituais que elas manifestavam: angústia, fadiga, cefaleias, irratibilidade, alguns sintomas psicossomáticos ou dores difusas, por exemplo.

A ideia de as descrever como “actuais” pretendia deixar clara a novidade destas queixas, que não teriam a exuberância de sintomas doutros quadros clínicos, por mais que não deixassem de se traduzir num sofrimento psicológico basal que tolhe e limita.

100 anos depois, são comuns as........

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