Quando aqui, neste jornal, opinei sobre a questão do perfil do novo Ministro da Defesa Nacional (MDN) tinha, para mim, que a probabilidade de acertar na escolha desse governante era tão aproximada como aquela que, apesar de tudo, ainda me leva a continuar a jogar no Euromilhões. A esperança de um dia acertar é, agora, sensivelmente a mesma que me leva a acreditar que com Nuno Melo, do CDS, na gestão da tutela da Defesa, as Forças Armadas Portuguesas (FFAA) vão sair com a celeridade necessária do estado pré-comatoso em que se encontram. Sejamos, contudo, otimistas e credite-se ao momento a nova gestão com o benefício da dúvida, se bem que, desde logo, o facto de ter criado duas Secretarias de Estado deixa a certeza que o Ministério não vai aliviar do seu orçamento interno verbas que mais falta fazem nas despesas dos Ramos.

O percurso militar de Nuno Melo e a forma como começou por acarinhar a questão dos ex-combatentes colheram simpatia nos militares, mas estão conscientes que os também necessários discursos preenchidos de valores alimentam o espírito de corpo, mas não movem os motores dos navios, dos aviões e dos carros de combate. O cenário internacional é conhecido, o diagnóstico do estado da arte militar está mais que feito e agora o que se precisa é de um ministro que coloque as “botas no terreno”. Com a guerra nas portas da Europa e num contexto nacional de governação em minoria, não deixa de haver algumas prioridades gerais que o ministro da defesa tem de considerar. Desde logo a segurança nacional em especial contra as ameaças internas e externas, incluindo terrorismo e crime organizado, depois a modernização das FFAA no que isso significa em tecnologia e equipamentos atuais incluindo os soldados para os operarem, a salvaguarda da participação em missões e compromissos internacionais, a colaboração com o sistema nacional de proteção civil e os desafios da cibersegurança, tudo isto com a eficiência de um orçamento equilibrado que garanta meios humanos e materiais sem pesar em demasia no já depauperado bolso do contribuinte português. E, começando pelo fim, não se fazem omoletes sem ovos, nem munições sem indústria, o que é o mesmo que dizer, sem investimento sério na Defesa, o novo ministro só será capaz de fazer o que os socialistas anteriores foram fazendo legislatura após legislatura, agravar e adiar os problemas das FFAA na esperança de que se resolvam por si só.

Vejamos, o caso do Exército, que por dívida de gratidão, acompanho com melhor atenção e a fazer fé nos Anuários da Defesa que, entretanto, deixaram de ser publicados. Na última década entre 2011 e 2023, o orçamento atribuído ao Exército, apresentou uma tendência claramente decrescente. Em 2011, foram 622 milhões atribuídos. Em 2023, o orçamento apresenta uma redução de 73 milhões para 549 milhões atribuídos face a 2011. Para lá da redução justificada em pessoal, face ao menor efetivo ao longo dos anos, é notado particularmente o cada vez menor investimento quanto a despesas com a operação e manutenção, quase menos 40 milhões euros. As dotações orçamentais atribuídas em 2023 para o Exército com a operação e manutenção, face a 2011, refletem uma redução orçamental acumulada ao longo desse período de mais de 400 milhões de euros.

Ao contrário daquela que foi a narrativa socialista ao longo dos últimos anos, e em especial no último onde a ministra de má memória anunciou um aumento de 13% no Orçamento da Defesa, o facto é que o truque que engorda o bolo, de receber das Finanças para pagar às Finanças as rendas pelos seus próprios quartéis, deixa tudo no mesmo estado miserável. A verdade é que tem existido uma redução do orçamento global atribuído ao Exército ao longo de mais de uma década, e isso tem vindo naturalmente a provocar uma degradação gradual e considerável no estado das viaturas e dos equipamentos orgânicos principais das Unidades, Estabelecimentos e Órgãos (UEO) do Exército, bem como das instalações e condições de vida dos militares.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos últimos anos, as despesas com a operação e manutenção agravaram-se com o contexto pandémico, com o aumento generalizado dos preços e cenário inflacionista que se mantém por força da guerra na Ucrânia, o que origina desequilíbrios orçamentais e constrangimentos sérios nas atividades planeadas no Exército. Na realidade, do orçamento disponibilizado ao Exército são direcionadas dotações para os encargos dos serviços da estrutura de base, em detrimento do financiamento dos importantes planos logísticos (manutenção, reabastecimento, transportes e obras de requalificação).

E, assim sendo, quando a manta é curta… o rei vai nu e a infeliz realidade que o Sr General António Ramalho Eanes, na última entrevista na RTP 1, deu a conhecer aos portugueses, de não termos uma única munição High Explosive para os Leopard ou a Força Aérea esgotar a capacidade em mísseis em 2 saídas, mostra que Nuno Melo tem que rapidamente convencer o governo que “o objetivo de atingir pelo menos 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa até 2030” além de curto é demasiado alargado no tempo. Reformas são necessárias, nesse sentido.

Os 41,5% de despesas com pessoal no Orçamento da Defesa não são resultado do mísero salário dos soldados nem do peso do “ridículo número de 253 generais, contra os 31 generais das forças armadas dos EUA” que uns patetoides desinformados teimam em fazer passar na opinião pública. Só os generais de 4 estrelas no Exército Americano são 45 de modo que bastaria isto para desmontar os 31, que até o Polígrafo engoliu como certo, e já em Portugal, as Leis-Orgânicas das FFAA e do Exército, definem o número de Oficiais Generais em exercício de funções, na situação do ativo e na situação de reserva na efetividade de serviço, a um máximo de 36 no ativo, 25 no Exército e 11 no EMGFA. Na reserva na efetividade de serviço a Lei autoriza mais 13. Sem ignorar que diversos órgãos do Estado requerem a disponibilização de Oficiais Generais para o desempenho de diversos cargos de Direção e de Assessoria de Topo, como seja 1 Tenente General na Presidência da Assembleia da República, 1 Major-General como Diretor-Geral de Política de Defesa Nacional, 1 Major-General como Chefe do Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, 1 Brigadeiro General como Assessor Militar do Primeiro Ministro ou 1 Brigadeiro-General como Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, para citar alguns bons exemplos de bons oficiais nesses cargos, e dado que estes são remunerados pelas estruturas em que prestam serviço, a conversa dos milhões que custam à Defesa que os “Vitor Ilharco” desta vida, campeões de burlas espalham por aí, cai por terra.

A Lei para 2024 para a totalidade das FFAA atribui um número máximo de 99, longe dos 253 facilmente papagueados pelos “terroristas das redes sociais”. É certo que os generais também fazem anos, também se reformam e, sim, hoje o número de Oficiais Generais na Reforma e na Reserva, não é de 253, mas sim de 266, felizmente, sendo que nenhum pesa na Defesa já que as suas pensões são suportadas pela Caixa Geral de Aposentações. Experimentem, por exemplo, contabilizar na mesma lógica os docentes e expliquem lá como ainda existem 35 mil alunos sem professores nas escolas? As despesas em pessoal, quase metade do orçamento total da Defesa, o que apesar de tudo não é crítico, resultam mais das “gorduras” do MDN, dos boys&girls que estão instalados no MDN, IDN e outros organismos centrais que não acrescentam operacionalidade às FFAA. Enfim, feito o aparte, vamos ao que importa!

Os Ramos ficam com 75% do total do orçamento, sendo 27% para a Marinha, 24 % para o Exército e 24% para a Força Aérea. O EMGFA fica com 5% e os demais 20% no MDN e organismos centrais da Defesa. Um orçamento equilibrado deveria dispor de 60% para despesas de pessoal, 25% para operação e manutenção e 15% para investimento, com a premissa de a parcela à parte da LPM ter de cumprir taxas de execução anual de mais de 80% e não como tem sido estes últimos anos de nem sequer atingir os 50%. Traçadas as linhas gerais, está o novo MDN disponível para cortar onde for possível para aumentar onde é necessário? Não se duvida que estará conscientemente dentro da atual situação das FFAA, saberá das suas enormes carências e dificuldades em todos as áreas que respeitem à sua sustentabilidade (pessoal, material e financeira) e só terá de ter a coragem política de atuar.

A primeira prioridade terá de ser na área do pessoal, por falta de atratividade das respetivas carreiras, devido ao baixo regime remuneratório, à crescente dureza e exigências do serviço devidas à atual insuficiência de efetivos, ao incumprimento de disposições legislativas sobre os incentivos ou às visíveis deficiências nos apoios à saúde. Aqui, o primeiro erro de perceção de Nuno Melo é o de querer aproveitar a boleia das forças de segurança para ganhar espaço no governo equiparando os militares nesta tabela salarial. Não é comparável dado que a missão central das FFAA, constitucionalmente definida, é a defesa militar da República e é para isso que elas fundamentalmente existem e se devem preparar, com base em cenários e planos de contingência credíveis, consequentes do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e Conceito Estratégico Militar. As restrições a que estão sujeitas impõem que os seus salários sejam ligeiramente superiores até para travar a tentação de saídas dos militares das FFAA para as forças de segurança. O segundo aspeto na revisão salarial são os suplementos que devem ser integrados no salário, sendo complementos de risco ou outros aqueles que realmente o são e se justificam como tal, caso contrário, até são imorais. O general piloto aviador que recebe suplemento de risco sentado na secretária do EMGFA ao mesmo tempo que o capitão aos comandos do F16, que sinal dá às tropas? Os suplementos não contam para a reforma e aqui é outra vertente que será um verdadeiro teste a Nuno Melo. Será capaz de devolver aos militares o estatuto da CGA ou irão ser mantidos na Segurança Social, motivo da sangria dos Ramos por parte dos novos quadros? Este é o maior desafio e sem a resposta capaz a estes quesitos, o recrutamento continuará incipiente e a perda de efetivos uma constante.

A segunda prioridade terá de ser na área do material, que por falta da adequada manutenção de diversos equipamentos e infraestruturas militares, quer obsolescência de determinados equipamentos a operar para além da sua normal vida útil, quer pela necessidade de atualização de equipamentos militares de nova tecnologia e potencial militar, quer na melhoria das condições de vida e de trabalho dos militares, obrigam a um esforço financeiro significativo. Os 2% do PIB são peanuts face aos custos em causa. A NATO já aconselha 4% face ao que é necessário para fazer face às ameaças latentes.

Se Nuno Melo, o novo MDN, não conseguir dar resposta a isto, o que é previsível, além da degradação do estado comatoso em que já se encontram as FFAA será crescente o descontentamento interno, onde ao momento já existe um número elevado de oficiais, sargentos e praças que olham favoravelmente para a sindicalização das FFAA, o que é grave numa instituição onde os únicos sindicalistas que o devem ser, junto do governo, são o MDN e os Chefes Militares. O caminho seguido pelo poder político de exigir cada vez mais das FFAA e em troca os militares receberem um crescente desrespeito pela sua condição específica, está a chegar ao fim.

A Defesa Nacional necessita de facto e urgentemente de reformas prioritárias que visem resolver a profunda crise em que se encontram as FFAA. Reformas que, em vez de se centrarem em aspetos marginais, ideológicos de nenhuma relevância para o cumprimento das suas missões e motivação dos militares que as servem, se foquem antes nos pontos que tão severamente as estão a afligir e limitar. É isso que se espera e se deseja de Nuno Melo e deste novo governo de mudança! O elevado espírito de missão e de sacrifício, sentido do dever e pronta disponibilidade dos nossos militares, por força da sua formação própria e consciência cívica, que os eleva a um estatuto de condição específica – a condição militar – e sob cujo escudo deontológico cumprem as missões que lhes são impostas com brio, coragem e proficiência, todos os dias, dentro e fora de fronteiras, mostram que bem merecem esse esforço do País, que defenderão com a própria vida, se necessário!

Receba um alerta sempre que Fernando Figueiredo publique um novo artigo.

QOSHE - As prioridades do novo Ministro da Defesa Nacional - Fernando Figueiredo
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

As prioridades do novo Ministro da Defesa Nacional

19 1
23.04.2024

Quando aqui, neste jornal, opinei sobre a questão do perfil do novo Ministro da Defesa Nacional (MDN) tinha, para mim, que a probabilidade de acertar na escolha desse governante era tão aproximada como aquela que, apesar de tudo, ainda me leva a continuar a jogar no Euromilhões. A esperança de um dia acertar é, agora, sensivelmente a mesma que me leva a acreditar que com Nuno Melo, do CDS, na gestão da tutela da Defesa, as Forças Armadas Portuguesas (FFAA) vão sair com a celeridade necessária do estado pré-comatoso em que se encontram. Sejamos, contudo, otimistas e credite-se ao momento a nova gestão com o benefício da dúvida, se bem que, desde logo, o facto de ter criado duas Secretarias de Estado deixa a certeza que o Ministério não vai aliviar do seu orçamento interno verbas que mais falta fazem nas despesas dos Ramos.

O percurso militar de Nuno Melo e a forma como começou por acarinhar a questão dos ex-combatentes colheram simpatia nos militares, mas estão conscientes que os também necessários discursos preenchidos de valores alimentam o espírito de corpo, mas não movem os motores dos navios, dos aviões e dos carros de combate. O cenário internacional é conhecido, o diagnóstico do estado da arte militar está mais que feito e agora o que se precisa é de um ministro que coloque as “botas no terreno”. Com a guerra nas portas da Europa e num contexto nacional de governação em minoria, não deixa de haver algumas prioridades gerais que o ministro da defesa tem de considerar. Desde logo a segurança nacional em especial contra as ameaças internas e externas, incluindo terrorismo e crime organizado, depois a modernização das FFAA no que isso significa em tecnologia e equipamentos atuais incluindo os soldados para os operarem, a salvaguarda da participação em missões e compromissos internacionais, a colaboração com o sistema nacional de proteção civil e os desafios da cibersegurança, tudo isto com a eficiência de um orçamento equilibrado que garanta meios humanos e materiais sem pesar em demasia no já depauperado bolso do contribuinte português. E, começando pelo fim, não se fazem omoletes sem ovos, nem munições sem indústria, o que é o mesmo que dizer, sem investimento sério na Defesa, o novo ministro só será capaz de fazer o que os socialistas anteriores foram fazendo legislatura após legislatura, agravar e adiar os problemas das FFAA na esperança de que se resolvam por si só.

Vejamos, o caso do Exército, que por dívida de gratidão, acompanho com melhor atenção e a fazer fé nos Anuários da Defesa que, entretanto, deixaram de ser publicados. Na última década entre 2011 e 2023, o orçamento atribuído ao Exército, apresentou uma tendência claramente decrescente. Em 2011, foram 622 milhões atribuídos. Em 2023, o orçamento apresenta uma redução de 73 milhões para 549 milhões atribuídos face a 2011. Para lá da redução justificada em pessoal, face ao menor efetivo ao longo dos anos, é notado particularmente o cada vez menor investimento quanto a despesas com a operação e manutenção, quase menos 40 milhões euros. As dotações orçamentais atribuídas em 2023 para o Exército com a operação e manutenção,........

© Observador


Get it on Google Play