Aproxima-se uma daquelas alturas em que o povo português se identifica mais com Nossa Senhora de Fátima, na medida em que lhe são feitas uma série de promessas que, na sua maior parte, nunca serão pagas. Para a mãe de Cristo é um bocado indiferente. A desilusão com a falta de palavra da humanidade deixou de a maçar por volta de 430, já se habituou e não lhe custa nada. Já a nós, uma promessa quebrada pode custar caro. Mas não tão caro quanto uma promessa cumprida, que pode custar caríssimo. É que a diferença entre as promessas que os crentes fazem a Maria e as que os políticos fazem ao povo é que as primeiras são pagas por quem as faz, enquanto as segundas são pagas por quem as recebe.

Convinha por isso que os eleitores portugueses dominassem as ferramentas que permitem avaliar o custo das promessas que lhes são feitas e a probabilidade de serem cumpridas. Nossa Senhora leva vantagem: à experiência acumulada em dois mil anos, junta um razoável domínio da matemática (que lhe permitiu, por exemplo, aperceber-se que para justificar a sua gravidez teria de inventar uma visita do Espírito Santo). Aos eleitores portugueses, com apenas 50 anos de eleições livres e um sistema de ensino cada vez mais complacente, faltam traquejo e conhecimentos básicos de contabilidade.

A propósito deste tema, há tempos a Iniciativa Liberal apresentou uma proposta para a promoção da literacia financeira nas escolas. Obviamente, foi chumbada pelo PS e pelo BE. O primeiro por pirraça, o segundo por convicção ideológica. O Bloco de Esquerda afirma que ensinar aos alunos como funcionam as taxas de juro, como se calcula o IRS, como se capitaliza a Segurança Social, o que é a inflação, qual a diferença entre salário bruto e líquido, e outros conceitos económicos do dia-a-dia, conduzirá a decisões financeiras ruinosas. Percebo a desconfiança do Bloco: também eu vejo as filas de doutorados em Economia à porta das tabacarias, para comprar raspadinhas, e amaldiçoo a perniciosa influência do conhecimento académico na bancarrota dos pobres.

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A revolta da Mariana da fonte

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23.01.2024

Aproxima-se uma daquelas alturas em que o povo português se identifica mais com Nossa Senhora de Fátima, na medida em que lhe são feitas uma série de promessas que, na sua maior parte, nunca serão pagas. Para a mãe de Cristo é um bocado indiferente. A desilusão com a falta de palavra da humanidade deixou de a maçar por volta de 430, já se habituou e não lhe custa nada. Já a nós, uma promessa quebrada pode custar caro. Mas não tão caro quanto uma promessa cumprida, que pode custar caríssimo. É que a diferença entre as promessas que os crentes fazem a Maria e as que os políticos fazem ao povo........

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