O plano de António Costa era outro. Ainda esta semana, em entrevista à TVI/CNN, o primeiro-ministro em gestão explicou que só saiu do poder empurrado pelo Presidente da República. Quando apresentou a demissão a Marcelo Rebelo de Sousa, o seu verdadeiro objetivo não era ir para casa vestir o pijama e calçar as pantufas — era “gerir a estabilidade” através de um telecomando. Segundo revelou ao país, ele, que é um génio da sobrevivência política, tinha no bolso “uma alternativa à dissolução da Assembleia da República”. Aliás, não tinha apenas “uma alternativa” — tinha “uma alternativa credível”. E não apenas uma, mas múltiplas. Segundo António Costa, havia “várias soluções possíveis, vários nomes possíveis” para ocupar o lugar de primeiro-ministro.

Ouvindo com mais atenção as palavras de António Costa, percebe-se facilmente que, como se costuma dizer correntemente, todos esses nomes juntos não faziam um bom. De acordo com ele, “uns tinham maior legitimidade partidária”; “outros tinham maior legitimidade institucional”; “outros eram personalidades que tinham grande reconhecimento junto da opinião pública”. Traduzindo: Carlos César, como presidente do PS, tinha a “legitimidade partidária”; Augusto Santos Silva, como presidente do Parlamento, tinha a “legitimidade institucional”; e Mário Centeno, como executante das “contas certas”, tinha o “reconhecimento junto da opinião pública”. Só há uma coisa que nenhum desses nomes tem ou teria: legitimidade democrática. Como é óbvio e evidente, nenhum novo líder do PS, especialmente Pedro Nuno Santos, aceitaria ser menorizado por este arranjo em que teria os votos, mas não teria o poder, sendo forçado a submeter-se a um primeiro-ministro etéreo que emanava do PS mas recolhia a sua legitimidade no Palácio de Belém e na figura omnipotente do seu antecessor.

Naturalmente, António Costa sabe que um novo líder socialista escolhido de forma democrática jamais aprovaria esse estado de coisas. Por isso, a estratégia dele só podia ser outra: evitar que o novo líder socialista fosse, lá está, escolhido de forma democrática. Depois de controlar a sucessão em São Bento (colocando no seu lugar César, Santos Silva ou Centeno), António Costa iria controlar, obviamente, a sucessão no Largo do Rato. Tanto numa cadeira como na outra, não ficariam líderes — ficariam babysitters, encarregues da missão de tomar conta do partido e do país enquanto o verdadeiro chefe não voltasse na sequência de um banho lustral aplicado pela Justiça.

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Na verdade, Costa queria um governo babysitter

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16.12.2023

O plano de António Costa era outro. Ainda esta semana, em entrevista à TVI/CNN, o primeiro-ministro em gestão explicou que só saiu do poder empurrado pelo Presidente da República. Quando apresentou a demissão a Marcelo Rebelo de Sousa, o seu verdadeiro objetivo não era ir para casa vestir o pijama e calçar as pantufas — era “gerir a estabilidade” através de um telecomando. Segundo revelou ao país, ele, que é um génio da sobrevivência política, tinha no bolso “uma alternativa à dissolução da Assembleia da República”. Aliás, não tinha apenas “uma alternativa” — tinha “uma alternativa credível”. E não apenas uma, mas múltiplas. Segundo António Costa, havia “várias soluções possíveis, vários........

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