Se a Comissão Nacional de Eleições mandasse, hoje seria o dia do silêncio. O raciocínio é simples — ou melhor, é complicado: como no domingo há eleições nos Açores, neste sábado todo o país teria de ficar envolvido naquele nevoeiro espesso e meditabundo a que algumas almas com tendência para a pastorícia deram o nome de “dia de reflexão”. Na prática, pouco mais de 200 mil eleitores colocariam uma mordaça e um tampão em pouco menos de 11 milhões.

Perante esta decisão da CNE, um cidadão consciente e cumpridor da lei fica com uma dúvida lancinante a precisar de esclarecimento urgente: quando, a 18 de fevereiro de 2024, tiver lugar a eleição intercalar para a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Alvega e Concavada, no Município de Abrantes, todo o país terá também que ficar em respeitosa “reflexão” no sábado, dia 17?

Nos últimos tempos, de forma esporádica e vagamente envergonhada, alguns partidos têm pedido o fim do “dia de reflexão” com o argumento de que esta prática pliocénica é infantilizante, inútil e ineficaz. De facto, ela é tudo isso. E ainda é mais: é insultuosa. Porque, sem sequer perceber as reais implicações do que está a fazer e a dizer, a interpretação da lei eleitoral que é feita pela CNE tem a infelicidade de equivaler a propaganda ao jornalismo. Segundo a Comissão Nacional de Eleições, “entende-se por propaganda eleitoral toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade”. Daqui decorre, fatalmente, que um artigo jornalístico que “exprima” as declarações de um candidato é propaganda eleitoral; uma peça de televisão que “exprima” as declarações de um candidato é propaganda eleitoral; uma notícia de rádio que “exprima” as declarações de um candidato é propaganda eleitoral. Vou poupar-me ao trabalho de explicar que não é — até porque, se tivesse de explicar isso, teria de explicar tudo.

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QOSHE - O céu é azul. O sol aquece. As vaquinhas dão leite - Miguel Pinheiro
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O céu é azul. O sol aquece. As vaquinhas dão leite

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03.02.2024

Se a Comissão Nacional de Eleições mandasse, hoje seria o dia do silêncio. O raciocínio é simples — ou melhor, é complicado: como no domingo há eleições nos Açores, neste sábado todo o país teria de ficar envolvido naquele nevoeiro espesso e meditabundo a que algumas almas com tendência para a pastorícia deram o nome de “dia de reflexão”. Na prática, pouco mais de 200 mil eleitores colocariam uma mordaça e um tampão em pouco menos de 11 milhões.

Perante esta decisão da CNE, um cidadão consciente e cumpridor da lei fica com uma dúvida lancinante a precisar de esclarecimento urgente: quando, a 18 de........

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