António Guterres é, reconhecidamente, um político que fala muito. Devidamente municiado com pilhas e com um microfone, pode ficar horas a discorrer sobre economia, sobre segurança social, sobre a paz no mundo ou, mais prosaicamente, sobre filatelia ou numismática. Tudo isto sempre procurando o equilíbrio, o consenso, as flores e os corações. Atendendo a esta prolixidade, o seu pouco abonatório cognome na política portuguesa, inventado por Vasco Pulido Valente, foi “o picareta falante”. É, portanto, um homem de frases grandes, por vezes intermináveis. Mas é também, indiscutivelmente, um homem de grandes frases.

Um dia, analisando a forma como Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente do PSD, o forçou a aceitar, contrariadíssimo, um referendo sobre a regionalização, António Guterres atirou: “Em matéria de regionalização levou a sua avante, mas andou de vitória em vitória até à derrota final”. Mesmo vencido momentaneamente, deixou um conselho ao seu velho e grande amigo Marcelo, que liderava a oposição: “Se queres ser primeiro-ministro, a melhor coisa que tens a fazer é fazer de morto”. Afastado Marcelo (na tal “derrota final”), foi confrontado com um novo líder do PSD, Durão Barroso, e avisou-o, melífluo: “Não há uma segunda oportunidade de criar uma boa primeira impressão”

Guterres também reservou frases de efeito para os camaradas socialistas. Num dos momentos mais tensos dos seus governos, Armando Vara foi forçado a deixar a secretaria de Estado da Administração Interna depois da criação da infeliz Fundação para a Prevenção Rodoviária, uma entidade privada que generosamente recebia dinheiros públicos para exercer funções que deveriam ser do Estado. Os detalhes desta história, incluindo a proximidade do secretário de Estado aos sócios da supracitada fundação, surgiram depois de Fernando Gomes ter sido despedido de ministro da Administração Interna, onde mandava (por assim dizer) em Vara. Desconfiando de uma revanche, António Guterres ligou os dois episódios e disparou na direção de Fernando Gomes: “Roma não paga aos assassinos dos seus generais”.

Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.

Receba um alerta sempre que Miguel Pinheiro publique um novo artigo.

QOSHE - O eterno pântano de António Guterres - Miguel Pinheiro
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

O eterno pântano de António Guterres

4 1
28.10.2023

António Guterres é, reconhecidamente, um político que fala muito. Devidamente municiado com pilhas e com um microfone, pode ficar horas a discorrer sobre economia, sobre segurança social, sobre a paz no mundo ou, mais prosaicamente, sobre filatelia ou numismática. Tudo isto sempre procurando o equilíbrio, o consenso, as flores e os corações. Atendendo a esta prolixidade, o seu pouco abonatório cognome na política portuguesa, inventado por Vasco Pulido Valente, foi “o picareta falante”. É, portanto, um homem de frases grandes, por vezes intermináveis. Mas é também, indiscutivelmente, um homem de grandes........

© Observador


Get it on Google Play