Em maio de 1920, o inesquecível Lenine publicou um livro que usava uma linguagem colorida para compor o título: “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. A dada altura, atacava o isolacionismo dos comunistas ingleses e apelava à criação de um partido que pudesse coligar-se com os trabalhistas. Numa frase morbidamente célebre, escreveu que os comunistas deviam apoiar o líder do Partido Trabalhista “da mesma forma que uma corda apoia um enforcado”. Como é natural, a história do livro e da política europeia no início do século é mais complicada do que isso, mas a noção de que o idealismo dogmático representa um problema continua a ser muito útil, especialmente na política portuguesa.

Nas últimas semanas, surgiu ali para os lados da Iniciativa Liberal um argumento leninemente infantil para recusar uma coligação pré-eleitoral com o PSD. Rodrigo Saraiva, líder parlamentar do partido, resumiu-o bem na entrevista que deu esta semana ao Observador: “Há muitas pessoas que não votariam na IL se fosse coligada com o PSD“.

Existe aqui um equívoco que consegue ao mesmo tempo ser pueril e sectário. É pueril porque o voto não serve para os eleitores se aliviarem de bons sentimentos — serve para construírem alternativas de governo. E é sectário porque o voto não é um fim — é um começo. Se um determinado partido só merece o meu voto caso comprove a sua pureza imaculada, então a consequência pós-eleitoral é a paralisia: qualquer conversa será uma traição e qualquer negociação será uma rendição.

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O perigo da doença infantil da direita

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09.12.2023

Em maio de 1920, o inesquecível Lenine publicou um livro que usava uma linguagem colorida para compor o título: “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. A dada altura, atacava o isolacionismo dos comunistas ingleses e apelava à criação de um partido que pudesse coligar-se com os trabalhistas. Numa frase morbidamente célebre, escreveu que os comunistas deviam apoiar o líder do Partido Trabalhista “da mesma forma que uma corda apoia um enforcado”. Como é........

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