Pedro Passos Coelho acredita que o “não é não” ao Chega é um profundo disparate porque inviabiliza maiorias de direita durante muitos, muitos anos. Luís Montenegro defende que o cordão sanitário em torno de André Ventura é a única forma de impedir que o partido cresça, contamine o PSD e, eventualmente, tome o seu lugar. Do ponto de vista teórico, e por estranho que possa parecer, é possível que ambos tenham razão. Estamos em terra de ninguém. O que não é possível é que se reinvente a história para validar as teses de um ou de outro.

Vem isto a propósito das mais recentes aparições de Pedro Passos Coelho e de como muitos no PSD (e à direita) se animaram com a posição assumida pelo antigo primeiro-ministro – de resto, há muito conhecida nos bastidores do PSD. Como na física, aplicou-se a lei ação-reação: na apresentação do seu livro, Carlos Moedas, que venceu umas eleições com um discurso anti-Chega, não resistiu em enviar um recado a Pedro Passos Coelho: “Ao integrarmos esses extremos, os extremos comem-nos”. Dentro da discussão que pode (e deve) existir no PSD e à direita, tudo é legítimo. Mas é preciso que não se esqueça o que se disse no verão passado. Ou nas legislativas de 2022, melhor dizendo.

Há dois anos, quando Rui Rio perdeu olimpicamente as eleições legislativas e entregou a maioria absoluta a António Costa, a tese dominante foi a seguinte: o PSD tinha perdido porque fora demasiado ambíguo (contraditório, até) sobre futuras alianças com o Chega. Assim que Luís Montenegro afirmou categoricamente a sua posição em relação ao tema, soltaram-se ‘vivas’ de alegria. Montenegro tinha feito muitíssimo bem e a audácia do gesto até aumentava as hipóteses de vitória, dizia-se. Resultado prático: o PSD venceu efetivamente as eleições. Por pouco, mas venceu.

Ora, dizer agora que a estratégia de Luís Montenegro em relação ao Chega foi errada porque o PSD não consegue maioria para governar é como acertar no euromilhões depois de conhecida a chave. Toda a gente sabia que o risco existia, mas nunca foi esse o ponto em discussão. A pergunta foi sempre outra: conseguiria ou não o PSD voltar a vencer umas eleições ao PS se fosse ambíguo em relação a André Ventura e liderar esse espaço político. Em 2022, não conseguiu; desta vez, sim.

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Em rigor, não é possível medir com certeza científica o peso do “não é não” neste resultado; mas manda a prudência (e é perfeitamente possível e legítimo) aplicar a lógica que foi usada para justificar a maioria absoluta de António Costa: se Luís Montenegro tivesse sido ambíguo, se tivesse mantido a porta aberta ao Chega, talvez tivesse mesmo perdido aquela corrida. Pelo menos, é isso que nos diz a história das duas eleições, separadas por pouco mais de dois anos.

Muito provavelmente, a Aliança Democrática teria ficado em segundo lugar, haveria uma maioria de direita capaz de impedir o PS de governar fazendo uma ‘geringonça’, mas essa ‘geringonça’ seria liderada por um partido derrotado nas urnas depois de oito anos de governação socialista, um autêntico descalabro, balcanizado e nas mãos de um adversário – André Ventura – que não perde uma oportunidade de menorizar o rival e de assumir abertamente que quer ocupar o lugar do PSD. Não é exatamente sinónimo de estabilidade.

Imaginar que seria igual ao que António Costa fez à e com a esquerda é arriscado. Bloco e PCP nunca foram uma ameaça à sobrevivência PS como o Chega é agora para o PSD. Mas Pedro Passos Coelho tem efetivamente razão quando sugere que a recusa de entendimentos com o Chega diminui as probabilidades de o PSD governar em condições. Há, neste momento, uma bolha de 50 deputados à direita dos sociais-democratas que o impede de fazer e não há garantias que essa bolha diminua em breve. Ou sequer que diminua. Passos está coberto de razão. Resta saber como se sai dessa encruzilhada.

É essa evidência que torna ainda mais estranha a estratégia que Luís Montenegro tem usado para lidar com o Chega desde o dia 10 de março. Quando se esperava que Montenegro elegesse Ventura como principal alvo, o social-democrata virou-se para Pedro Nuno. Quando se esperava que Montenegro tentasse provar por A B que Ventura é um bloqueio, o social-democrata desatou a falar do PS. Quando se esperava que Montenegro exigisse a Ventura sentido de responsabilidade, o social-democrata está focado em pressionar PS.

Quando se esperava que Montenegro procurasse convencer mais de 1 milhão de eleitores do Chega que Ventura não representa verdadeiramente a vontade de mudar, o social-democrata parece empenhado em falar para os eleitores do PS, reduzido a mínimos nas últimas eleições, que obviamente não estão muito interessados em mudar caso contrário teriam vontado na AD.

Por tudo isto, Montenegro parece querer sol na eira e chuva no nabal. Por um lado, vai contra a opinião de Passos Coelho (e de outros) e exclui André Ventura, mesmo sabendo que isso compromete as suas hipóteses de governar; ao mesmo tempo, não enfrenta Ventura e aposta tudo em conversar com Pedro Nuno para depois o responsabilizar por uma eventual crise que venha a ocorrer e crescer eleitoralmente a partir daí.

Há um grande problema de matemática nesse raciocínio: os votos de que Luís Montenegro precisa para crescer nas próximas eleições estão à direita, não entre os eleitores do PS. Montenegro pode não querer contar Ventura, o que é perfeitamente legítimo e até corajoso do ponto de vista político; é mais difícil compreender que não o queira derrotar. Se ficar entre a sua estratégia e a estratégia de Pedro Passos Coelho, arrisca-se a ficar a meio da ponte.

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Montenegro arrisca-se a ficar a meio da ponte 

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23.04.2024

Pedro Passos Coelho acredita que o “não é não” ao Chega é um profundo disparate porque inviabiliza maiorias de direita durante muitos, muitos anos. Luís Montenegro defende que o cordão sanitário em torno de André Ventura é a única forma de impedir que o partido cresça, contamine o PSD e, eventualmente, tome o seu lugar. Do ponto de vista teórico, e por estranho que possa parecer, é possível que ambos tenham razão. Estamos em terra de ninguém. O que não é possível é que se reinvente a história para validar as teses de um ou de outro.

Vem isto a propósito das mais recentes aparições de Pedro Passos Coelho e de como muitos no PSD (e à direita) se animaram com a posição assumida pelo antigo primeiro-ministro – de resto, há muito conhecida nos bastidores do PSD. Como na física, aplicou-se a lei ação-reação: na apresentação do seu livro, Carlos Moedas, que venceu umas eleições com um discurso anti-Chega, não resistiu em enviar um recado a Pedro Passos Coelho: “Ao integrarmos esses extremos, os extremos comem-nos”. Dentro da discussão que pode (e deve) existir no PSD e à direita, tudo é legítimo. Mas é preciso que não se esqueça o que se disse no verão passado. Ou nas legislativas de 2022, melhor dizendo.

Há dois anos, quando Rui Rio perdeu olimpicamente as eleições legislativas e entregou a maioria absoluta a António Costa, a tese dominante foi a seguinte: o PSD tinha perdido porque fora demasiado........

© Observador


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