Um viajante recém-chegado ao nosso país conclui pelas notícias que as coisas são simples. Existe apenas uma sala com uma mesa. Nessa sala vivem um adulto, um elefante, um elefante branco e, possivelmente mas não de certeza, várias crianças. Na mesa colocam-se assuntos. Antes de colocar um assunto, cada pessoa ou elefante que o faz declara que irá colocar um assunto em cima da mesa; e depois coloca-o. O adulto refere-se a si próprio como o único adulto na sala; e um dos assuntos mais importantes em cima da mesa é exemplificado pelo elefante branco, e designado pela expressão ‘o assunto do elefante branco.’ Todos menos o outro elefante chegam à conclusão de que existe um elefante na sala, mas não estão a falar do elefante branco.

Os vários seres animados que povoam a sala têm um repertório verbal limitado, embora simples. Apesar de parecerem conhecer-se há algum tempo, são todos da opinião de que não existe uma primeira oportunidade para causar uma segunda impressão; e são da opinião de que tudo será revelado ao fim do dia. Usam a expressão ‘ao fim do dia’ no entanto não para se referir ao momento em que o sol se põe, mas para se referirem ao momento em que as opiniões de todos os outros seres animados coincidirão com as suas opiniões, previamente colocadas em cima da mesa.

Não se conhece com segurança o que acham as crianças, sobre cuja existência há como se disse várias opiniões, algumas das quais também postas em cima da mesa. Sabe-se no entanto com certeza que algumas crianças são da opinião de que são o único adulto na sala. Porque mais de uma criança acha isso, sabe-se também que pelo menos todas menos uma estarão a mentir; sendo que para o adulto todas estão a mentir, porque, e nisso concorda com todas as crianças possíveis, embora existam muitas coisas em cima da mesa, só existe um adulto na sala.

Não se conhecem também as opiniões dos dois elefantes, nem realmente é necessário que se conheçam com segurança, visto que a sua principal utilidade para os outros seres animados é serem alvo de opiniões e por isso, de vez em quando, serem colocados em cima da mesa. A mesa tem assim de ser segura; e embora não existam indicações acerca do artífice que a fabricou, terá causado uma segunda impressão. Apesar de os dois elefantes serem parcos em palavras, e de quase todas as suas palavras menos aquelas sobre oportunidades e impressões não serem consideradas realmente opiniões, é possível distingui-los com facilidade. Ao fim do dia o elefante branco é prontamente detectado por todos graças à sua cor, embora não por si; e o outro elefante refere-se a si próprio como o único elefante na sala, estando a esse respeito todos de acordo, menos o elefante branco.

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O único elefante na sala

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14.04.2024

Um viajante recém-chegado ao nosso país conclui pelas notícias que as coisas são simples. Existe apenas uma sala com uma mesa. Nessa sala vivem um adulto, um elefante, um elefante branco e, possivelmente mas não de certeza, várias crianças. Na mesa colocam-se assuntos. Antes de colocar um assunto, cada pessoa ou elefante que o faz declara que irá colocar um assunto em cima da mesa; e depois coloca-o. O adulto refere-se a si próprio como o único adulto na sala; e um dos assuntos mais importantes em cima da mesa é exemplificado pelo elefante branco, e designado pela expressão ‘o assunto do elefante branco.’ Todos menos o outro elefante chegam à conclusão de que existe um elefante na sala, mas não........

© Observador


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