As vidas correm de feição à ideia de que tudo deve ser partilhado, ao socialismo, à franqueza. Partilham-se reiteradamente pensamentos, palavras, e toda a espécie de objectos. Em rigor não se partilham: anuncia-se que se partilham, e depois passa-se ao que interessa. Os anúncios de partilha prometem mansidão genérica; mas o que se pratica é uma forma declarada de intromissão nas mentes e nas posses de terceiros. Aos pensamentos dos outros sobrepomos as nossas considerações; e exigimos-lhes reciprocidade na partilha confiscando-lhes as sobremesas.

Os cientistas registaram primeiro com perplexidade que é raro o restaurante onde os pudins não vêm acompanhados por pelo menos dois garfos. A adequação do instrumento à substância-pudim é naturalmente incerta; e podem ser colheres. Mas é o próprio número de instrumentos que ajuda a explicar a perplexidade: indica que se considera que existe qualquer coisa de reprovável na ideia de comer pudim sem dar contas, ou sem dar pudim, a mais alguém; e, mais que reprovável, de inconfessável.

Eis a parte principal do problema. O que nos lança nos braços desta tirania da partilha é o combate político à noção de que possa haver coisas, e pensamentos ou palavras, impartilháveis. Não se trata de uma ideia sobre a natureza desses objectos: poucas pessoas se comovem com o conteúdo daquilo que é partilhado. Trata-se antes do pouco valor em que a própria partilha é tida, no sentido do preço baixo que geralmente obtém. Acredita-se que por razões técnicas já não é possível haver segredos, e por razões civilizacionais e políticas que não é bom que haja.

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Pensamentos, palavras e pudins

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17.12.2023

As vidas correm de feição à ideia de que tudo deve ser partilhado, ao socialismo, à franqueza. Partilham-se reiteradamente pensamentos, palavras, e toda a espécie de objectos. Em rigor não se partilham: anuncia-se que se partilham, e depois passa-se ao que interessa. Os anúncios de partilha prometem mansidão genérica; mas o que se pratica é uma forma declarada de intromissão nas mentes e nas posses de terceiros. Aos pensamentos dos outros sobrepomos as nossas considerações; e........

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