A queda do muro de Berlim, em 1989, teve um efeito semelhante. Assistimos, nessa altura, com um misto de incredulidade e estupefacção, à podridão omnipresente do regime insano das repúblicas socialistas soviéticas. A mesma incredulidade e estupefacção que nos assalta hoje, em tempo real, perante o desabar diário do frágil construto político das esquerdas portuguesas.

“Habituem-se”. A cortina de fumo da propaganda oficial anunciava, há poucos meses, a óbvia perenidade do projecto político socialista. E, de facto, o complexo mediático e uma maioria absoluta de votos expressos, conformou-nos nessa apatia. O PS governa 22 dos últimos 27 anos – é melhor repetir, não é? – repita-se vinte e dois anos, incluindo os últimos 8 anos com maioria parlamentar estável. O País habituou-se, entretanto, a um novo normal da política: tudo se pode fazer sem ética, sem desígnio e sem propósito desde que se mantenha o poder a qualquer custo.

O pecado original remonta a 2015. A derrota eleitoral tornada maioria parlamentar de esquerda corrompeu o ethos político que restava depois de um século difícil que descartou o socialismo das sociedades democráticas mais avançadas. O oportunismo utilitarista construído na base de um inimigo comum – o culpado Passos Coelho que liderou uma intentona de direita sob uma bancarrota inexistente – foi o chão residual das “políticas de esquerda”. Nessa narrativa, nunca houve lugar à substância das coisas – por isso mesmo a habitação, a escola pública ou o SNS são hoje cinismos da esquerda. Na verdade, nada disso interessou nestes anos – só o poder pelo poder.

Beliscamo-nos: mas ficou só isto da política das esquerdas? A utopia colectiva dos amanhãs que cantam, da dialética social e do anti-capitalismo alternativo regrediu para uma infinitesimal fracção homeopática só servida em slogans de engodo mediático. No resto, na prática política corrente, uma pornografia boçal e miserável de influências e troca de favores, um nojo de negócios ruinosos para o erário público mas proveitosos para os interesses particulares, um empobrecimento colectivo disseminado não só económico mas moral e cultural.

Tudo esteve à disposição. O Parlamento, o PR e o PRR. A folga orçamental. O povo conformado. A ameaça externa das guerras. E, ainda assim, tudo o vento levou.

Depois do pântano de Guterres, da bancarrota de Sócrates e da corrupção sistémica de Costa, sobram as ruínas do pós-socialismo deste século. E Portugal para reconstruir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Receba um alerta sempre que Nuno Freitas publique um novo artigo.

QOSHE - As ruínas do pós-socialismo - Nuno Freitas
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

As ruínas do pós-socialismo

6 1
16.11.2023

A queda do muro de Berlim, em 1989, teve um efeito semelhante. Assistimos, nessa altura, com um misto de incredulidade e estupefacção, à podridão omnipresente do regime insano das repúblicas socialistas soviéticas. A mesma incredulidade e estupefacção que nos assalta hoje, em tempo real, perante o desabar diário do frágil construto político das esquerdas portuguesas.

“Habituem-se”. A cortina de fumo da propaganda oficial anunciava, há poucos meses, a óbvia perenidade do projecto político socialista. E, de facto, o complexo mediático e uma maioria absoluta de votos expressos, conformou-nos nessa apatia. O PS governa 22 dos últimos 27 anos........

© Observador


Get it on Google Play