Com o fim da campanha eleitoral é altura de pensar no dia seguinte e passar das palavras e dos soundbites à ação. No fim de contas, como podemos ter um país mais desenvolvido, próspero, inovador, capaz de gerar maior riqueza e de garantir uma melhor qualidade de vida aos seus cidadãos?

Para respondermos a esta exigência dos portugueses é necessário um maior sentido de urgência para mudança, mas, sobretudo, uma maior capacidade de execução por parte das nossas lideranças, afetadas há longas décadas por uma patologia crónica: a miopia. Por norma, temos uma visão nítida a curta distância, mas falta-nos a visão de longo alcance.

Esta incapacidade de projetar o país a longo prazo e em definir uma estratégia clara sobre onde queremos estar daqui a 10 anos trouxe-nos até aqui. Apesar do desenvolvimento verificado em diversos indicadores, continuamos a comparar mal em múltiplas dimensões e estamos muito aquém do nosso potencial, como podemos observar no Comparar para Crescer, uma plataforma online do BRP que sistematiza um conjunto de indicadores que refletem a evolução e posição competitiva de Portugal em diversas dimensões face a um grupo de países concorrentes.

Mais de 2,7 milhões de pessoas – o equivalente a mais de 57% dos trabalhadores por conta de outrem – receberam no ano passado um salário base igual ou inferior a 800 euros, segundo dados divulgados pela Segurança Social. Trata-se de um valor demasiado baixo para um número demasiado elevado de pessoas.

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Ao mesmo tempo, a taxa de pobreza mantém-se em níveis desoladoramente elevados, com 41,8% da população portuguesa em risco de pobreza (excluindo os efeitos das transferências sociais).

Este é o choque de realidade que o novo Governo terá de encarar.

Para melhorar o nível de vida das famílias e garantir uma maior justiça social e económica aos cidadãos, não basta atuar no aumento do salário mínimo. É necessário “ver” mais longe e encontrar soluções que permitam encerrar, de forma definitiva, este ciclo de pobreza para nos aproximarmos dos nossos parceiros europeus. É crucial criarmos um sistema que seja um incentivador do sucesso, que premeie o esforço e impulsione a ambição de crescimento.

No BRP defendemos a necessidade de repensar o funcionamento do nosso sistema fiscal. Portugal tem uma das mais elevadas cargas fiscais sobre o trabalho entre os países da OCDE: em 2022, o peso dos impostos e das contribuições sociais no custo total que a empresa suporta com um trabalhador solteiro e sem filhos que ganhe o salário médio era de 41,9% no nosso país, quando a média da OCDE se situava nos 34,6%.

Efetivamente, tal como está, o sistema fiscal português é uma “armadilha” que captura o potencial de cada trabalhador e trava a sua realização e qualidade de vida, enquanto impede o crescimento das empresas e do País.

Esta realidade é transversal à grande maioria dos trabalhadores, desde os mais qualificados e bem remunerados, a todos aqueles que ganham acima do salário mínimo nacional. Vejamos o seguinte exemplo: um empregador que atribua um aumento de 150 euros a um trabalhador que ganha o salário mínimo nacional (820 euros), como forma de reconhecimento pelo seu esforço e dedicação, terá de suportar uma despesa de 186 euros – incluindo os encargos com a TSU. Contudo, em termos práticos, dos 186 euros que o empregador paga a mais, apenas 65 euros chegam à carteira do trabalhador: a fatia de leão (122 euros) fica nas mãos do Estado, entre receitas de IRS e de Segurança Social. Não é difícil de imaginar o desapontamento deste trabalhador ao olhar para o seu recibo de vencimento e perceber que o prometido aumento de 18% ficou reduzido a uma melhoria de 8,8% do seu salário líquido.

Temos, assim, um sistema que taxa de forma muito agressiva qualquer aumento e ficando o Estado com dois terços do aumento para quem deixe o patamar do salário mínimo.

As consequências deste sistema fiscal de vistas curtas vão muito além da elevada carga fiscal suportada pelos trabalhadores e organizações. Tal como está, o sistema fiscal é um convite ao adormecimento das pessoas e das empresas; um contributo para “congelar” o país num nível de desenvolvimento e de pobreza que não queremos, nem merecemos.

Vamos continuar a fazer “vistas grossas” a este impasse e a assistir à fuga de talentos de Portugal? Ou queremos adotar um sistema fiscal que encoraje o sucesso, em vez de o penalizar? Acredito que só assim, encarando este choque de realidade, será possível devolver a ambição aos portugueses e criar oportunidades para as nossas pessoas terem a qualidade de vida que tanto procuram. Porque Portugal pode e deve ser muito melhor.

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Acordar para a realidade

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14.03.2024

Com o fim da campanha eleitoral é altura de pensar no dia seguinte e passar das palavras e dos soundbites à ação. No fim de contas, como podemos ter um país mais desenvolvido, próspero, inovador, capaz de gerar maior riqueza e de garantir uma melhor qualidade de vida aos seus cidadãos?

Para respondermos a esta exigência dos portugueses é necessário um maior sentido de urgência para mudança, mas, sobretudo, uma maior capacidade de execução por parte das nossas lideranças, afetadas há longas décadas por uma patologia crónica: a miopia. Por norma, temos uma visão nítida a curta distância, mas falta-nos a visão de longo alcance.

Esta incapacidade de projetar o país a longo prazo e em definir uma estratégia clara sobre onde queremos estar daqui a 10 anos trouxe-nos até aqui. Apesar do desenvolvimento verificado em diversos indicadores, continuamos a comparar mal em múltiplas dimensões e estamos muito aquém do nosso potencial, como podemos observar no Comparar para Crescer, uma plataforma online do BRP que sistematiza um conjunto de indicadores que refletem a evolução e posição competitiva de Portugal em diversas dimensões face a um grupo de países concorrentes.

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