Dizer que é preciso reduzir gradualmente os combustíveis fósseis? Ou estabelecer como meta eliminá-los? Não é um mero jogo de palavras. Estamos no final de 2023, o ano em que soaram todos os sinais de alerta, em que o planeta bateu vários recordes de temperatura e a crise climática entrou de chofre nas nossas vidas.

O documento apresentado pela presidência da Cimeira do Clima no Dubai, e que está em cima da mesa na recta final das negociações, prevê um compromisso para reduzir o consumo e a produção de combustíveis fósseis, o que é histórico, mas não prevê a sua “eliminação gradual”, ao contrário do que pediam vários países, a União Europeia (UE) e o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Mesmo a “redução”, diz o texto, deve ser “justa, ordenada e equitativa”. Mas em parte nenhuma se define o que é justo ou equitativo.

Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, diz que “estamos à beira do fracasso total”. A ministra espanhola para a transição ecológica, que integra a delegação da UE, acha que há “elementos totalmente inaceitáveis”. Representantes da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, os mais afectados pelas alterações do clima, recusam assinar a sua “sentença de morte”.

É normal que na recta final de uma negociação se endureçam os discursos. Faz parte. Mas não se pode dizer que o que vivemos não seja propício a dramatismos: a produção global de combustíveis fósseis em 2030 deverá ser mais do que o dobro dos níveis considerados consistentes com o cumprimento das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris em 2015 (tentar limitar o aumento da temperatura média a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais).

O reputado economista Avinash Persaud foi dos poucos a dar sinais de optimismo: “Podemos conviver com este texto desde que se saia daqui com a compreensão de que isto significa um investimento maciço em energias renováveis nos países em desenvolvimento.”

O texto prevê, de facto, que se triplique a capacidade de produção de energia renovável. Mas volta a ser vago sobre o “como”.

Pode ser melhorado? Pode. Veremos o que acontece nas próximas horas. Mas não será fácil. Numa COP presidida pelo administrador de uma petrolífera e com milhares de lobistas do sector presentes, a desconfiança está instalada. Resta saber até que ponto quem representa a indústria dos combustíveis fósseis é sensível ao apelo que Guterres fez no início da cimeira: “Não se deixem levar por um modelo de negócio obsoleto. Liderem a transição para as energias renováveis.” Fazer da mudança um negócio rentável pode falar mais alto do que salvar o Acordo de Paris.

QOSHE - COP28: é preciso mais do que metas vagas - Andreia Sanches
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COP28: é preciso mais do que metas vagas

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12.12.2023

Dizer que é preciso reduzir gradualmente os combustíveis fósseis? Ou estabelecer como meta eliminá-los? Não é um mero jogo de palavras. Estamos no final de 2023, o ano em que soaram todos os sinais de alerta, em que o planeta bateu vários recordes de temperatura e a crise climática entrou de chofre nas nossas vidas.

O documento apresentado pela presidência da Cimeira do Clima no Dubai, e que está em cima da mesa na recta final das negociações, prevê um compromisso para reduzir o consumo e a produção de combustíveis fósseis, o que é histórico, mas não prevê a sua “eliminação gradual”, ao contrário do que pediam vários países, a União Europeia (UE) e o........

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