Na primeira manhã da revolução
todos os nomes mudaram. As tuas mãos
eram pássaros os teus braços asas
os teus lábios átrios de canções que sobrevoavam
alegrias irrecusáveis. Os milagres sucediam-se
sem qualquer comando divino. Os desapossados
de tudo eram providos da maior esperança. As flores
não murchavam. Os peixes multiplicavam-se
na brasa diária dos afectos. Nas manhãs seguintes
acordávamos sempre à espera da queda
de mais um velho costume repressivo. A garganta
habitava todas as palavras que lutavam
contra os velhos saberes quantitativos
que só perguntavam quantos dólares tem um lucro
ou quantos litros tem um almude. Trocámos o nome
das praças das pontes e das avenidas. Levantámos
as cabeças curvadas com vozes ao alto. A Utopia
do Bem e da Equidade invadia-nos o peito
e nenhuma morte se atrevia a silenciar
este novo país contaminado de Futuro.

Inês Lourenço nasceu no Porto, onde se licenciou em LLM (Estudos Portugueses) na FLUP. Publicou cerca de dúzia e meia de livros de poesia e microficção. Traduzida em várias línguas, fundou os cadernos de poesia HÍFEN (1987-1999). Foi distinguida, em 2023, como poeta, com a medalha de mérito pela Câmara Municipal do Porto.

QOSHE - Os nomes novos - Inês Lourenço
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Os nomes novos

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20.04.2024

Na primeira manhã da revolução
todos os nomes mudaram. As tuas mãos
eram pássaros os teus braços asas
os teus lábios átrios de canções que sobrevoavam
alegrias irrecusáveis. Os milagres sucediam-se
sem qualquer comando divino. Os desapossados
de tudo eram providos da maior esperança. As........

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