O semanário "The Economist" dedica boa parte do seu último número às desigualdades económicas. E defende uma tese: a de que está errada a opinião convencional segundo a qual os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. São ali referidas e comentadas discussões entre economistas, concluindo o Economist que nos EUA e na Europa desenvolvida nos últimos anos tem havido evoluções no sentido de atenuar as desigualdades.

O interesse dos economistas em analisar a evolução das desigualdades teve um grande impulso, há dez anos, com a publicação de um livro do economista francês Thomas Piketty, muito pessimista sobre a alegada crescente desigualdade no capitalismo. Em sentido contrário, o Economist afirma, por exemplo, que nos EUA, depois de impostos e de transferências governamentais, a desigualdade de rendimentos pouco ou nada se agravou desde os anos 60 do século passado até hoje.

Se olharmos a situação portuguesa, não há motivos para qualquer otimismo. Cerca de um quinto da população do país vive na pobreza. E agora multiplicam-se os casos de trabalhadores com emprego que não ganham salário suficiente para pagarem as contas no fim do mês. Então os gastos com a alimentação são os sacrificados.

Voltando à situação nos países desenvolvidos, creio que não basta contabilizar o que ganham as pessoas. É importante, também, conhecer o que as pessoas sentem – e um grande número delas sente-se infeliz. Foi um sentimento de frustração que levou à eleição de Trump em 2016 e, porque esse sentimento não desapareceu, poderá levar à sua reeleição em novembro de 2024.

A melhor explicação que conheço para esta “infelicidade” não foi apresentada por um economista, mas um por um professor de Filosofia de Harvard, Michael Sandel. Num livro publicado em 2020 e editado em português dois anos depois (A Tirania do Mérito, Ed. Presença), M. Sandel aponta o dedo a uma ideia muito difundida nos EUA por políticos até de esquerda – a ideia de que os que vencem na vida o fazem por mérito próprio, ao mesmo tempo que os que ficam para trás são convencidos de que a culpa é deles, porque não se terão esforçado o bastante.

Este excessivo apreço pelo que se considera ser o mérito e a falta dele ignora toda a infinita conjugação de condições que, por força do acaso, explicam grande parte do sucesso dos que triunfam, enquanto os outros juntam às suas dificuldades económicas a mágoa de, por responsabilidade própria, serem uns derrotados na sociedade.

Estamos num terreno onde a análise das desigualdades muito tem a lucrar com a sociologia e com a psicologia.

QOSHE - Debatendo as desigualdades - Francisco Sarsfield Cabral
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Debatendo as desigualdades

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06.12.2023

O semanário "The Economist" dedica boa parte do seu último número às desigualdades económicas. E defende uma tese: a de que está errada a opinião convencional segundo a qual os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. São ali referidas e comentadas discussões entre economistas, concluindo o Economist que nos EUA e na Europa desenvolvida nos últimos anos tem havido evoluções no sentido de atenuar as desigualdades.

O interesse dos economistas em analisar a evolução das desigualdades teve um grande impulso, há dez anos, com a publicação de um livro do economista francês Thomas Piketty, muito pessimista sobre a alegada........

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