Depois de 54 anos de discussões, polémicas e muitos milhões gastos em estudos e relatórios, cabe ao governo que resultar das eleições de 10 de março decidir a solução para o futuro aeroporto de Lisboa. O debate não ficará encerrado, ou não fosse este um daqueles temas em que a dissonância é a única certeza à partida. A decisão é política, mas não há razão para ignorar as respostas claras apontadas pela comissão independente de peritos. Deitá-las fora seria voltar a demonstrar grande imaturidade na governação.

A maior lição a retirar do trabalho promovido durante o último ano deveria ser precisamente essa: a voz de especialistas multidisciplinares deve sobrepor-se ao ruído político em decisões estruturantes para o país. Não se trata de criar grupos de trabalho para tudo e para nada (algo que fazemos profusamente), mas de saber perceber os temas vitais em que a fundamentação técnica é a única forma de sair de impasses arrastados no tempo.

Vivemos um momento de particular crise das instituições. E dizê-lo não pressupõe alarmismos ou visões catastrofistas, porque o país continuará a mover-se e a procurar dinamicamente soluções, mas há que olhar de frente os desafios que vivemos. Com os maiores partidos minados por investigações e acusações, o Ministério Público e o sistema judicial incapazes de demonstrarem eficácia e independência absoluta em relação a outros poderes, o presidente da República mais fragilizado do que em qualquer outro momento dos dois mandatos, é inevitável sentirmos que há uma incerteza que corrói o espaço público.

Ao longo dos anos assistimos a várias tentativas de os partidos e os poderes puxarem a sociedade civil para a reflexão e ação política. Fosse em iniciativas como os estados gerais ou em ações de proximidade como as presidências abertas, não faltaram tentativas de ouvir a sociedade fora do circuito fechado dos palácios ou das sedes partidárias. Hoje, com a política debilitada por perigosas generalizações que envolvem todos os seus atores numa nebulosa teia de desconfiança, as vozes independentes fazem mais falta do que nunca. Não basta puxar um ou outro nome independente para as listas, é preciso renovar e desempoeirar a vida pública. O que implica uma visão mais madura da política e uma libertação dos velhos partidos em relação a círculos viciosos de endogamia. A ação política é efetivamente nobre. Tem de ser interpretada como tal.

QOSHE - Mais independentes na política - Inês Cardoso
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Mais independentes na política

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10.12.2023

Depois de 54 anos de discussões, polémicas e muitos milhões gastos em estudos e relatórios, cabe ao governo que resultar das eleições de 10 de março decidir a solução para o futuro aeroporto de Lisboa. O debate não ficará encerrado, ou não fosse este um daqueles temas em que a dissonância é a única certeza à partida. A decisão é política, mas não há razão para ignorar as respostas claras apontadas pela comissão independente de peritos. Deitá-las fora seria voltar a demonstrar grande imaturidade na governação.

A maior lição a retirar do trabalho promovido durante o último ano deveria........

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