Houvesse ou não houvesse aquele último parágrafo no comunicado da Procuradoria-Geral da República, António Costa não tinha condições políticas para levar a legislatura até ao fim. Os principais suspeitos desta Operação Influencer são tão próximos do primeiro-ministro demissionário que até dá a sensação que viviam encostados uns aos outros. Influencer é, de facto, um bom nome, para esta investigação. Explica muito do que é a imoralidade dos negócios do Estado ou que dependem das boas vontades dos titulares de cargos públicos.

Há coisas, no entanto, que são do domínio do absurdo na forma como o Ministério Público insinua a culpa do primeiro-ministro demissionário. A ideia de que há 20 escutas - reparem bem 20 escutas, não uma, nem duas, nem três, mas vinte - em que Costa é apanhado - sim, é este o termo utilizado - apanhado neste processo é ofensiva. Não para o líder do PS, mas para o cidadão comum. A título de exemplo, uma das escutas era sobre o luto nacional pela morte do arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles.

O Ministério Público quer enganar-nos até na ideia de que o ainda primeiro-ministro poderia saber que estava a ser escutado. E como é que os procuradores sabem disso? Escutaram o chefe do governo dizer a um dos seus ministros - com voz zangada, garantem - "depois, falamos disso". Em janeiro de 2021, o jornalista do Expresso Rui Gustavo escreveu uma notícia que dava conta que o Ministério Publico enviou para o supremo três escutas em que aparecia Costa e o Supremo validou uma. Há quase três anos, há esta fuga de informação e os procuradores desconfiam que o primeiro-ministro podia saber das escutas porque combinou ao telefone duas reuniões presenciais com um seu ministro. Se não fosse trágico, era uma boa anedota.

Sobre responsabilidades judiciais de António Costa ficamos a aguardar que nos digam coisas mais sérias. Sobre as responsabilidades políticas não precisamos de saber mais nada. Fez bem em demitir-se e o Presidente fez bem em dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. Também aqui, se não fosse trágico, era uma boa anedota. Como foi possível aguentar ​​​​​​​quatro anos uma geringonça, por definição presa por arames, e destruir em menos de dois uma maioria de um só partido, por definição sólida como uma rocha?

QOSHE - Se não fosse trágico, era uma anedota - Paulo Baldaia
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Se não fosse trágico, era uma anedota

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10.11.2023

Houvesse ou não houvesse aquele último parágrafo no comunicado da Procuradoria-Geral da República, António Costa não tinha condições políticas para levar a legislatura até ao fim. Os principais suspeitos desta Operação Influencer são tão próximos do primeiro-ministro demissionário que até dá a sensação que viviam encostados uns aos outros. Influencer é, de facto, um bom nome, para esta investigação. Explica muito do que é a imoralidade dos negócios do Estado ou que dependem das boas vontades dos titulares de cargos públicos.

Há coisas, no entanto, que........

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