Sabendo-se que PROFESSOR foi eleita a palavra do ano de 2023, a pergunta que se coloca hoje, no dia seguinte às eleições legislativas do dia 10 de março de 2024 é: em quem votaram os professores?

Com a vitória da Aliança Democrática constituída pela coligação de três partidos, Partido Social Democrata (PSD), Centro Democrático Social (CDS) e Partido Popular Monárquico (PPM), importa analisar as propostas da AD para a Educação no que respeita aos pontos fundamentais: (i) condições de trabalho; (ii) recrutamento / concurso de professores; (iii) alterações aos currículos; (iv) avaliação e progressão na carreira; (iv) recuperação do tempo de serviço; (v) mobilidade por doença.

Para onde foi, então, e porquê, o voto dos cerca de 150 mil professores?

Vamos por partes. Se começarmos por excluir o voto no Partido Socialista por parte de muitos professores pelas razões que são por todos conhecidas – o descrédito com que a profissão professor foi contemplada e que transformou, como todos pudemos observar através das constantes notícias surgidas nos mais variados meios de comunicação, a escola pública, ao longo do passado ano, num verdadeiro e necessário campo de batalha – será justificável e compreensível a passagem dos votos da Esquerda, antes vencedora, para esta força de Direita?

Uma análise detalhada das propostas do PS e da AD para a Educação mostra-nos que a Aliança acena com a recuperação faseada do tempo de serviço mas aponta também para uma perda crescente dos direitos de autonomia e liberdade dos professores. Vejamos: a AD propõe reforçar o sistema de transferência de competências da Escola para as Autarquias, “contratualizar com o setor privado”, reestruturar os ciclos do ensino básico, integrando os 1º e o 2º ciclos. A recuperação do tempo de serviço perdido dos professores deverá ser implementada ao longo da Legislatura, à razão de 20% ao ano, ao longo de cinco anos. Todavia, nenhuma destas propostas visará concretamente a tão necessária dignificação da carreira docente que passa, sem dúvida, pela recuperação do tempo de serviço perdido mas não só. Muitos outros problemas afetam a profissão, sendo talvez um das mais preocupantes o envelhecimento dos professores e a consequente falta destes nas escolas. Por esta razão, questiona-se que os professores possam ter garantido a vitória de um partido que nada diz sobre o regime especial de aposentação para a profissão docente visto que, nas escolas, muitos professores com sessenta ou mais anos aguardam em desespero pela data de reforma, cada vez mais distante. Curiosamente, as propostas de governo que apresentam algumas soluções para este problema vieram dos partidos de Esquerda e que foram os menos votados nestas eleições. Por outro lado, o partido que propõe contratar professores aposentados para mitigar a falta de profissionais de ensino foi a quarta força política mais votada. Urge, obviamente, relembrar também que esta força política de Direita foi a mesma que acompanhou o partido socialista em nove das votações efetuadas contra o direito de recuperação do tempo de serviço dos professores, abstendo-se apenas em uma delas.

Para onde foi, então, e porquê, o voto dos professores?

Sendo que a profissão docente se deve pautar pela transmissão dos valores humanitários, lado a lado com o conhecimento específico das diferentes áreas disciplinares, da Liberdade e do Progresso, pelo respeito dos Direitos Humanos, pela aceitação das diferenças, pelo desbravar de dogmas e conceitos limitantes da evolução dos indivíduos e da sociedade em geral, como explicar que Portugal tenha colocado como terceira força política um partido que proclama um gravoso retrocesso a uma sociedade conservadora e bafienta, neste ano de celebração de abril? Por outro lado, só quem não acompanha os constantes espetáculos dos trapezistas políticos acreditará piamente que os partidos da coligação feita entre o mais votado partido de Direita e as duas forças políticas agonizantes, uma delas praticamente já cadáver, não poderão, em desespero pelo poder absoluto, constituir uma maioria à Direita.

Importa compreender a razão pela qual os professores de Portugal deram mais votos e maior força política a partidos que, sabemos bem, não pautam as suas políticas pela defesa da escola pública e os seus valores e princípios fundamentais. Os culpados desta viragem à Direita? O Partido Socialista, certamente, e a sua maioria absoluta. As diferentes formas como a luta dos professores foi travada poderão ser discutíveis. No entanto, indiscutível será lembrar – para aqueles que vivem a profissão docente com a dignidade e o profissionalismo que ela merece – que a luta dos professores foi o exemplo máximo da revolta dos professores de que temos memória. Com centenas de protestos de norte a sul pela valorização da carreira docente, recordemos o enorme braço de ferro travado pelo então primeiro ministro contra os professores e o partido que o representa. Pelo que considero ser António Costa e as suas políticas um dos grandes responsáveis por esta viragem à Direita. Quem poderão ser os outros culpados desta forte viragem à Direita? Possivelmente, os professores que, votando à Direita, permitiram colocar a Democracia e os valores da Liberdade em causa, no mesmo ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril, exceto se os 130 mil novos votos atribuídos ao Livre tiverem sido os votos dos professores.

Andámos nítida e lamentavelmente para trás! Urge restabelecer agora e com urgência a confiança na integridade dos políticos para que, num próximo momento eleitoral, os portugueses possam dizer chega a este Chega!

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QOSHE - O voto dos professores - Carmo Machado
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O voto dos professores

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11.03.2024

Sabendo-se que PROFESSOR foi eleita a palavra do ano de 2023, a pergunta que se coloca hoje, no dia seguinte às eleições legislativas do dia 10 de março de 2024 é: em quem votaram os professores?

Com a vitória da Aliança Democrática constituída pela coligação de três partidos, Partido Social Democrata (PSD), Centro Democrático Social (CDS) e Partido Popular Monárquico (PPM), importa analisar as propostas da AD para a Educação no que respeita aos pontos fundamentais: (i) condições de trabalho; (ii) recrutamento / concurso de professores; (iii) alterações aos currículos; (iv) avaliação e progressão na carreira; (iv) recuperação do tempo de serviço; (v) mobilidade por doença.

Para onde foi, então, e porquê, o voto dos cerca de 150 mil professores?

Vamos por partes. Se começarmos por excluir o voto no Partido Socialista por parte de muitos professores pelas razões que são por todos conhecidas – o descrédito com que a profissão professor foi contemplada e que transformou, como todos pudemos observar através das constantes notícias surgidas nos mais variados meios de comunicação, a escola pública, ao longo do passado ano, num verdadeiro e necessário campo de batalha – será justificável e compreensível a passagem dos votos da Esquerda, antes vencedora, para esta força de Direita?

Uma análise detalhada das propostas do PS e da AD para a Educação mostra-nos que a Aliança acena com a recuperação faseada do tempo de serviço mas aponta também para uma perda........

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